quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ética, política e participação.

ELZA MARIA BRITO PATRICIO*
PROFESSORA UNIVERSITÀRIA




Ética e Política são dois campos de investigação da Filosofia que nasceram na Grécia Antiga, existindo entre as duas uma inseparabilidade, considerando que a política precisa se desenvolver como um sistema normativo, fundado em valores e critérios que regulam um conjunto de ações envolvendo o coletivo, o que implica compreender que elas não estão isentas de deveres, e naturalmente, devem respeitar os direitos. Enquanto atividade coletiva, a Política pressupõe exigências éticas no seu desenvolvimento, embora haja confrontos de grupos antagônicos, o que potencializa o choque entre os princípios ético-morais da formação dos indivíduos e leva claramente a um desvirtuamento do poder.

Constata-se que as alianças políticas, não são construídas muitas vezes, visando ao bem comum, á coletividade, ao contrário, levam em conta os interesses particulares e a busca de satisfação deste ou daquele grupo político que deseja se manter com privilégio na esfera de poder e camuflar suas reais intenções. Por incrível que pareça, a bandeira da ética é empunhada por todos e as posições se embaralham: uns, com postura astuciosa, procurando sustentar o processo eleitoral; outros, procurando tomar medidas mais incisivas contra a corrupção incrustada em várias instituições do Estado e nos Órgãos Executivos.

No entanto, o que se vê é uma degeneração político-moral e, dentre muitos deslizes, destacam-se os desmatamentos e prevaricações, improbidade administrativa, falcatruas, atos abusivos do poder, que representam “as doenças” do sistema político. Vale ressaltar que sendo a política divulgada pelos meios de comunicação, acentuando-se os pontos precários, esta acaba sendo avaliada negativamente pelo comportamento amoral de muitos políticos que pertencem a diversas esferas do poder; contudo, essa generalização é perigosa e desencadeia uma insatisfação com a própria classe política, surgindo uma forte tendência para o voto nulo.


Seria essa a decisão mais acertada? A nosso ver, essa atitude indica a renúncia injustificada á participação no processo democrático, um descomprometer-se, um jogar no “lixo” um direito e um dever e isso só beneficiaria os que comentaram desvios de conduta no exercício do poder. E por falar em participação, como seria a sua efetivação? Enquanto seres sociais precisamos amadurecer o nosso entendimento de ser-cidadão e, de forma deliberada, racional e reflexiva, saber co-participar e assim nos constituirmos como seres políticos, na medida em que toda ação que gera conseqüências no coletivo, tem o caráter de politização e deverá estar pautada em princípios de natureza ética que envolvem valores de justiça, de liberdade, de responsabilidade.

Diante de tais considerações, não podemos nos eximir de tantas questões de natureza política, nem nos retirar do processo decisório; não devemos ser passivos nem silenciosos, porque, quanto menos participarmos, mais as decisões serão tomadas pelas “engrenagens da máquina governamental” em todos os níveis. Será que nós, que compomos a sociedade, estamos abdicando do nosso direito de participação? Precisamos, sim, procurar entender para poder sugerir, discordar, atuar como sujeitos do processo democrático, conquistar espaço, enfim, exercer nossa cidadania.

Afinal, é necessário ter consciência de que na sociedade, seja a alimentação, a saúde, a moradia, tudo depende das decisões políticas. Assim sendo, neste momento ímpar de votação, na maior eleição de nosso país, convém examinarmos criteriosamente os problemas nacionais e estaduais, ter discernimento para fazer objetivamente as devidas ponderações, construir nossa compreensão e escolher com cuidado os políticos que representem uma renovação qualitativa e que possam desempenhar suas reais funções com retidão, eficiência e responsabilidade comprometidos com o coletivo, portanto, imbuídos de espírito público. Urge que a política brasileira venha instaurar uma nova forma de fazer política, tendo na ética um de seus principais pilares e operando uma grande virada cultural para que possamos alcançar um Brasil mais justo e democrático.


* Professora de Filosofia, aposentada da UFMA.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Filosofia, educação e cidadania numa sociedade em mudanças

Prof. Dr. Cipriano Luckesi

Dizer que vivemos uma sociedade em mudanças é repetir uma afirmação que qualquer sociedade poderia fazer, no momento em que se dá. Essa afirmação poderia ter sido feita em 1950 e la caberia muito bem, assim como em qualquer outro momento, devido todos os momentos históricos darem-se, por mínimo que seja, dentro de algum processo de mudança.
Por isso, prefiro falar de uma educação para o presente, que se encontra em mudanças aceleradas. Que caminhos poderia assumir uma duração para o presente, cuja filosofia norteada estivesse centrada na cidadania?
Para ensaiar responder esta questão, acredito que necessitamos de compreendermos por sociedade mudanças, por educação e por filosofia centrada na cidadania, articulando esses elementos.
Vivemos, no presente, processos acelerados em nossos modos de vida, em nossos conhecimentos, em nossos meios de comunicação, m nossos usos desses riquíssimos recursos de atuação do Ser humano, assim como vivemos a eclosão de novos entendimentos sobre a vida, a partir da abertura dos recursos da razão dialética e transdisciplinar. Além disso, nesse momento, no mundo, existe muita construção humana convivendo com muita miséria econômica, social, ética, espiritual.
É nesse contexto que nossa cidadania pode se dar e se realizar. Por cidadania quero compreender os direitos e os deveres de cada ser humano dentro da sociedade. Os direitos de existir, de sobreviver e de conviver necessitam de ser garantidos ou conquistados; assim como os deveres de respeito ao outro necessitam de ser ensinados e aprendidos. A cidadania está baseada na ética e, a meu ver, essa ética tem sua base no respeito ao direito de existir, com todas as suas nuances.
Uma educação para a cidadania numa sociedade em mudança exige uma formação do ser humano na integridade de suas dimensões e experiências, o que implica em corporalidade, psicologia e espiritualidade.
Isso exige uma visão dialética e transdisciplinar sobre o Ser humano, como pano de fundo da prática educativa.

II – Educação, Ética e Formação de Professores
O objetivo desse temas é abordar a formação de professores, que atual na educação, tendo como pano de fundo uma ética.
Assim, pretendo enfocar esse tema a partir da seguinte perspectiva: que ética pode estar na base da formação de educadores para uma prática educativa no presente?
O termo “formar” expressa a configuração daquilo que é. Aristóteles, no século IV a.C., colocou as bases das relações entre matéria e forma na constituição da realidade na qual e com a qual vivemos. No seu ver, forma é o elemento ontológico da realidade que expressa a essencialidade de cada ser. Deste modo, a idéia de formação do que é.
No caso, a formação do professor tem a ver com a constituição da qualidade do educador. Aristóteles pensava em uma “forma” metafísica, abstrata, mas nós podemos pensar numa forma constituída, forjada na história de desenvolvimento pessoal do educador; uma forma constituída existencialmente. Uma forma constituída pela ação, que, por sua vez, produziria uma ética ativa, uma ética em ação e não uma ética de princípios abstratos e absolutos.
Essa formação do educador necessita de dar-se no contexto de uma ética, devido o ser humano expressar-se como um ser que vive a partir de valores.
A ética constitui-se a partir de dois elementos fundamentais: o Eu e o Outro. O pano de fundo fundamental da ética é o respeito a mim mesmo, ao mesmo tempo que respeito ao outro. Sem respeito a mim mesmo, caio na baixa estima e, consequentemente, na autodestruição; sem respeito ao outro, chego na privação ou na promoção da invasão do outro. Assim sendo, a ética que deveria estar como pano de fundo na formação do ser educador, como, afinal, de todo ser humano, deveria basear-se no cuidado de si e na solidariedade com o outro o que daí decorre.
O educador para ser educador, necessita de reconhecer-se a si mesmo com suas necessidades reconhecer o outro com suas necessidades. Então, a partir daí, ele saberá e será capaz de atuar junto aos educadores estimulando a consciência de si do outro, o que vai implicar num modo de viver e conviver entre a singularidade e a pluralidade.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Pelo diálogo: o filosofar e a partilha...


Prof. Dr. Silvio Wonsovicz

Vamos iniciar nossas reflexões, investigações e um filosofar vivo com um texto de Fernando Pessoa, que justifica muito bem a necessidade do dialogo sempre:

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”

            O diálogo que leva ao filosofar e à partilha de pensamentos e reflexões precisa questionar que tipo de atitude estamos realizando quando conversamos.

   Com / Versar = Com, próximo de outro, num mesmo nivel + versar, dizer a palavra, expressar

Vamos pensar como entendemos e praticamos o diálogo? É como:
-   Competição ou cooperação?
-  Arena ou ágora?
-  Patriarcal ou matriarcal?
-   Totalitário ou democrático?
- Pirâmide ou rede?
-   Negação ou aceitação do outro?
-   Esperteza ou competência?
-   Utilitário ou convenção?
-   Linear ou complexo?
-  Discussão ou debate?
            Vivemos numa grande crise do modelo civilizatório. Há a defesa dos modelos de comportamento e exaltação de valores que vêm da estrutura mecânica da organização social. Temos então, valorizado pela tecnociência: a hierarquia, o controle, a estabilidade, o individualismo, a competitividade, o levar vantagem, a sobrevivência, etc. Essa forma de viver tem desencadeado enormes problemas. Os mais graves talvez sejam a exclusão social e econômica que atinge aproximadamente dois terços da população mundial; assim como as mudanças climáticas que ameaçam toda vida na Terra.
             Toda crise coloca em perspectiva um novo caminho e um novo paradigma, com novos conhecimentos, valores e padrões de comportamentos. Há quem afirme que vivemos uma crise de significado ou “doença do pensamento” – expressão colocado pelo físico quântico David Bohm.
             A saída dessa crise? A prática do diálogo para superação dos problemas atuais e resgate da convivência entre as sociedades, relacionamentos mais consistentes entre as pessoas.
             Estamos filosofando, investigando, dialogando e partilhando o que nos é mais essencial – nossa essência enquanto pessoas. Por isso somente pelo diálogo é que:
-  podemos conhecer as muitas maneiras pelas quais nos interligamos;
-  entendermos que integramos uma única realidade compartilhada;
-  percebermos a natureza contínua das mudanças que ocorrem à nossa volta;
-  compreendermos o significado daquilo que pode parecer uma desordem. Assim com e pelo diálogo poderemos ver os grandes padrões e pensamentos que permeiam nossas vidas cotidianas;
-  construirmos a Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.), em sala de aula.

O que precisa haver para que aconteça o diálogo?
             Esse exercício de colocar-se “com” os outros requer o desenvolvimento de capacidades e atitudes como:

- deixar de fazer julgamento; 
- aprender a ouvir;
 - colocar-se em uma postura reflexiva

Como fazer que em todas as nossas aulas o diálogo aconteça?
             Algumas atitudes e comportamentos para que a conversação entre nós seja mais criativa e transformadora. Para que com o diálogo possamos formar cada vez mais a C.A.I. em nossa sala de aula:
· Pensar e desenvolver o diálogo sob ideias e aprendizagens compartilhadas, possibilitando diversas respostas e colocações criativas.
· Aprender a ouvir sem resistência, principalmente os pontos de vista discordantes, assimilando os significados das palavras ditas.
· Perceber que a necessidade de resultados pode levar o diálogo para um único resultado e, desta forma, restringir o poder de criação pelo diálogo.
· Respeitar as diferenças entre os participantes, isso não pode separar as pessoas.
· Entender que os papéis e status dos participantes no diálogo não podem impedir de ouvir e falar abertamente, valorizando assim a contribuição das pessoas.
· Compartilhar responsabilidade e liderança no grupo, de modo que todos sejam estimulados a ouvir e falar, garantindo a participação.
· Falar ao grupo todo.
· Participar, quando estiver realmente confiante, pois sua contribuição será útil ao grupo.
· Expressar o que sente e imagina no momento, prestando atenção aos pensamentos dos demais participantes, para buscar ir além da compreensão do grupo.
· Encontrar o equilíbrio entre o questionamento e a defesa. Ambos são necessários para a sustentação do diálogo e a busca do significado compartilhado.
            Pelo diálogo é que filosofamos, refletimos e partilhamos um pouco de nossas verdades, para estarmos abertos às verdades dos outros. Assim ampliamos a nossa compreensão da realidade e construímos um novo pensamento, capaz de atender às nossas necessidades individuais e coletivas.

Na Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.)
surge, pelo diálogo, uma nova inteligência e ação coletiva.

Vamos fazer em sala um júri simulado ou uma prática filosófica sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?

Certamente esse tema pode gerar muita polêmica. Nessa atividade ninguém escolhe o lado, e terá que defender a posição que cair para o seu grupo. Caso alguém caia no grupo que defende a posição contrária à sua convicção, terá que defendê-la mesmo assim. Essa é uma maneira para treinar nossa habilidade de argumentação. Essa prática em argumentar é denominada prática forense (forense = fórum, tribunal), que é a defesa de alguma ideia, como os advogados fazem. Contudo, é justamente esta conotação de jogo e de disputa que distingue a prática forense da prática filosófica. Vamos ver o quadro abaixo e refletir sobre as diferenças:

Prática Forense (=júri simulado)
Prática Filosófica (=Comunidade de Aprendizagem Investigativa)
1. Há uma busca da invenção daquilo que é o certo.
1. Há uma busca da descoberta do que é o certo.
2. É um jogo. Portanto há o desejo de ganhar do outro, não se importando com a verdade.
2. Não é um jogo. Portanto não há competição. Aqueles que não pensam como eu me enriquecem.
3. Defende-se o lado para o qual fomos designados, não importando qual seja ele, ou se este lado combina com nossas convicções pessoais ou não.
3. Procura-se o compromisso com a verdade dos fatos.
4. O compromisso maior não é com a verdade, mas com a defesa de ideias estabelecidas anteriormente.
4. Não há compromissos cegos com a defesa das ideias preestabelecidas. Se os fatos comprovarem o contrário do que se pensava, muda-se de ideia.

Agora é hora de escolher entre a Prática Forense ou a Prática Filosófica para depois registrarmos as ideias sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?
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O que vem a ser “discussão”?
– O método de comunicação mais encontrado nos relacionamentos humanos. Vem do latim “discutere”, que significa fragmentar, reduzir a pedaços ou quebrar em partes. A internet está repleta de “fóruns de discussão”, muito embora em alguns casos os participantes queiram mesmo é praticar o diálogo. O uso inadequado da linguagem vem dificultar nossa capacidade de percepção da realidade complexa que nos cerca. 

Diálogo
Discussão/Debate
Ver o todo entre as partes.
Desmembrar questões e problemas em partes.
Ver as ligações entre as partes.
Ver distinções entre as partes.
Questionar pressuposições.
Justificar/Defender pressuposições.
Aprender por meio de questionamento e revelação.
Persuadir, vender e dizer.
Criar significado compartilhado por muitos.
Chegar a um acordo sobre um significado.

O que queremos nas aulas de filosofia e na Comunidade de Aprendizagem Investigativa?
– Pelo diálogo como um método de reflexão conjunta, conseguir a observação compartilhada da(s) experiência(s) para ampliar a limitada compreensão individual de mundo. Em outras palavras, a maneira como eu vejo é uma perspectiva única de uma realidade mais ampla. Posso ver com os olhos dos meus colegas, e eles podem ver com os meus, assim cada um de nós verá algo que talvez não veria sozinho.

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* Introdução do Livro - Somos cidadãos reflexivos: filósofos por natureza - 9º Ano. 7ª Ed., Coleção Novo Espaço Filosófico Criativo, 2010.