sexta-feira, 27 de julho de 2012

Conheça a verdade e ela te libertará, mas libertará do quê?


Por Ivo José Triches[1]


Ao responder essa questão, sem floreio, a minha resposta é: nos libertará da ignorância, do medo e da dominação dos outros. É evidente que há outras razões a serem abordadas. No entanto, essas são as que considero nucleares quando o assunto trata da importância do conhecimento da verdade.
O que você lerá a seguir é a reflexão sobre cada um dos itens desta resposta. Sendo que o objetivo central deste escrito é facultar aos leitores do mesmo, as condições de possibilidades para termos uma vida sem tantas dores existenciais.

1.   Por que o conhecimento da verdade nos liberta da ignorância?

No artigo escrito por mim, cujo título é: “As razões que justificam ser a verdade um bem”, procurei detalhar a etimologia do conceito verdade. Por isso, farei um atalho e irei direto ao foco.
Gnose é uma palavra de origem latina. Traduz a ideia de conhecimento. Contudo, de modo geral é usada no sentido do conhecimento do Eu na relação com o Transcendente. A letra “I” no latim – semelhante ao que ocorre com a letra     “A” no grego clássico -, é utilizada em muitas palavras como prefixo de negação. Razão pela qual a palavra ignorância pode ser compreendida como o “não conhecimento”, ou seja, ignorante é aquele que não conhece.
Você concorda com a expressão: “todos nós somos ignorante em assuntos diferentes”? Lembro-me que li isso em 1987 e nunca mais deixei de pensar que isso é mesmo algo significativo. É por isso que termos a humildade perto de nós, faz toda a diferença em nosso dia-a-dia. O arrogante, por pensar que sabe tudo, não aceita o diferente. Pensa que ninguém pode lhe ensinar algo. Por ser assim, acaba sofrendo, entre outras coisas, com o isolamento social. Isso porque as pessoas, ao perceberem que suas ideias nunca são consideradas, acabam por se afastar dessa pessoa.
A filosofia é movimento. É a procura amorosa da verdade, nunca sua posse definitiva. Se estivermos abertos à possibilidade do novo, sofreremos menos.
No livro Convite à Filosofia da Marilena Chauí, de forma brilhante, ela responde à seguinte questão: por que o homem busca o conhecimento? Diz-nos que a principal razão de ser do conhecimento é o desejo humano de resolver seus problemas. Para ilustrar melhor essa questão lançarei mão de um recurso didático que gosto muito, que consiste em apresentar as ideias em forma de tópicos. São eles:
·       Karl Marx (1818-1883) teve cinco filhas e um filho. Quando seu guri tinha 14 anos foi acometido de forte infecção na garganta. Marx e seu grande amigo Engels estudaram mais do que os médicos da Inglaterra da época para encontrarem uma solução para o filho. Resultado: seu filho morreu. Isso lhe causou dores existenciais profundas. Claro que para sua esposa – Geni – também. Se fosse hoje, talvez, uma amoxilina poderia salvar seu filho. No século XIX não se conhecia esse remédio;
·       No campo da economia isso não é diferente. Aquele que conhece bem o funcionamento do mercado e atua com vendas, por exemplo, certamente sofrerá menos à medida que fará uma leitura melhor da conjuntura econômica, etc. Já escrevi em outro momento que eu e meus sócios, por não conhecermos muito do sistema tributário, acabamos pagando uma fortuna de impostos sem necessidade. Somente depois de fazermos um estudo exaustivo do Simples Nacional, percebemos que um bom planejamento tributário seria a solução para podermos continuar prestando um bom serviço à sociedade;
·       Outro exemplo que aconteceu recentemente comigo: hoje eu moro em Cascavel, no oeste do Estado. Estou me organizando para voltar a morar em Curitiba. Encontrei na internet o anúncio da venda de um terreno. Que nele a prefeitura autoriza construir prédios com até quatro pavimentos. O principal diferencial do anunciante foi destacar isso. Ao ligar para três amigos que moram em Curitiba, se valeria a pena investir nesse local para lá morar, um disse-me: “- Ivo, se você pretende fazer parceria com alguma construtora para depois do imóvel pronto você ficar com um apartamento é possível, mas eles só aceitam quando o terreno tem 17 metros de frente”. Ora, o imóvel anunciado só tem 10,4 metros. Portanto, graças a essa informação evitarei uma frustração amanhã. Uma simples demonstração do quanto o conhecimento da verdade é importante;
·       No que tange ao campo do direito isso fica ainda mais evidente. Quantos que sofrem por não conhecerem as leis que regulamentam a vida que o cerca? Se existe algo que me entristece nas relações humanas é quando alguém começa a me dizer: - “Isso você não pode fazer porque não é legal”! Quando você pergunta de que lei ela está falando, ela diz: “Eu não sei o número da lei, mas posso lhe garantir que não pode”! Barbaridade! Não aceite essa imposição. Estou agindo com tolerância zero em face disso. Chega de especulação!
Não aceite as coisas com base no ouvir dizer. Hoje, com o recurso dos portais de busca, basta você digitar a lei tal, que já aparece o número, de onde emanou, etc. Dessa forma, ao buscar as informações na fonte, nos livraremos dos atravessadores que, muitas vezes, aumentam o floreio para nos dominar. Convido-lhe a seguir essa leitura. Vou lhe apresentar meu entendimento acerca da questão do medo.

2.   Por que o conhecimento da verdade nos liberta do medo?

Se você já leu outros artigos meus, deve ter percebido que em quase todos eu cito Espinosa (1632-1677). No tocante a essa temática, não há como não cita-lo. Até porque pelo pouco que conheço da Filosofia, ele foi um dos filósofos que abordou essa questão do medo com muita propriedade. O que basicamente ele nos diz a esse respeito?
O homem teme a morte. Creio que você concorda com essa afirmação. Ninguém deseja conscientemente morrer. Nós nos esforçamos para prolongarmos nossa existência. Assim, vivemos uma dicotomia. Diante nós reinam duas forças: o medo e a esperança. Medo que algo possa vir a me acontecer e esperança de que tal mal não me aconteça.
      A título de exemplificação, vou citar algumas situações que vivemos hoje. Existem muitos consultores que primeiro vendem dificuldades para depois venderem facilidades. Eu mesmo conheço vários. Primeiro, começam fetichizando seus títulos acadêmicos. Depois, põem medo nas pessoas acerca de uma determinada situação. Por fim, dizem: - “eu tenho a chave de como resolver isso, só que meu preço é tanto”. Eu vivenciei uma situação análoga.
Por uma questão ética vou lhe contar o “milagre, mas não o santo”. Numa certa feita um ator social X dizia: - “olha isso, não dá para fazer, o MEC não deixa”! “A lei, X proíbe isso”. E assim por diante. Depois de colocar medo no seu superior que não conhecia as leis educacionais, ele começou barganhar um valor exorbitante para resolver tais problemas que ocorriam em sua instituição.
Devemos muito aos pensadores iluministas do século XVIII. O que se convencionou chamar de primavera árabe, nada mais é do que uma revolução francesa tardia. Os movimentos sociais no mundo árabe buscam entre outras coisas, libertarem-se do medo imposto pelos líderes políticos e religiosos ao longo de séculos. O desejo de liberdade, igualdade e fraternidade ecoam até hoje no coração de muitos seres humanos. Dos que não aceitam ser subjugados por aqueles que dizem ter o “sangue azul”.

3.   Por que a verdade nos liberta da dominação?

Em latim dominus significa senhor. Por isso, o conceito dominação pode ser compreendido como “ação do senhor”. Em outras palavras: aquele que exerce um poder sobre outrem. Daí que vem a palavra domingo, ou seja, dia do senhor.
Talvez você concorde comigo que é da condição humana a necessidade de termos líderes. E é incrível como isso é tão natural. Quem trabalha como educador ou educadora, pode comprovar o que escrevo. Basta às crianças irem crescendo que logo começam a se destacar alguns com espírito de liderança.
Ocorre que existem alguns líderes que desejam garantir privilégios a qualquer custo. Para tanto, criam uma ideologia. E o que isso significa? Constroem um corpo de ideias muito bem fundamentado, capaz de dar sustentação aos seus interesses. A partir disso começam a persuadir os outros através de uma comunicação perlocucionária, como bem nos mostra Habermas (1929...).
Recentemente eu ouvi um líder religioso falando pela TV. Para persuadir os outros dizia: - “isso está na Bíblia, portanto é legítimo que eu aja assim”! “Por que se pode usar o cartão de crédito em diversos locais e nós não podemos usar em nossa igreja”?, etc. Ao desconstruirmos o seu discurso poderemos chegar ao êidos do fenômeno, qual seja, de que sua verdadeira intenção é ver seu patrimônio aumentando, independentemente da situação em que os outros se encontram.
Portanto, o conhecimento da verdade é fundamental para todos aqueles que desejam construir uma vida pautada pela razão. Para aqueles que desejam ter uma espiritualidade desfetichizada, livre do medo e da imposição da pseudo verdade dos outros.
Se esta leitura contribuiu para o fortalecimento do seu conatus, meu objetivo foi alcançado. Sobre esse conceito em negrito, você encontrará mais informações no meu artigo “Como superar uma grande paixão”, disponível no meu blog: www.itecne.edu.br/ivo  Notoriamente, desejo que leia meus textos... rs!


[1]Ivo José Triches é escritor, palestrante, Diretor das Faculdades Itecne de Cascavel. Autor do blog www.itecne.edu.br/ivo  também é formado em Filosofia. Fez três Especializações e fez o Mestrado.

"PORQUÊ" TEM HORA


Se observarmos bem, grande parte de nossa vida é sustentada por crenças(quase um ato de fé) ou atitudes injustificáveis. Inúmeras vezes durante os dias somos tomados pelo embalo de atitudes que dispensam explicações. Nós nos comportamos irracionalmente todos os dias com nossos pais, filhos, amigos e com uma porção de gente em quem acreditamos, sem dar explicações. Como se a vida exigisse de nós mais atos de confiança, de crenças, do que de razão. Nem tudo, minha gente, precisa ou reclama explicações. Na vida, raríssimas vezes necessitamos justificar nossas escolhas ou preferências. Há momentos na vida que não cabem justificativas e, por isso mesmo, ela flui com mais naturalidade.

Não tem cabimento querermos racionalizar tudo, até porque há mais arte na vida do que motivos para agir assim ou “assado”. O viver, inevitavelmente, me abre a possibilidade do inusitado, do inesperado e do inexplicável. Os comportamentos individuais ou coletivos estão impregnados de contradições racionais, o que demonstra mais ainda, por parte de nós, uma cadência no aceitar o outro como ele é. O campo de nossas escolhas no que diz respeito aos amores, à Religião, ao futebol, à música, aos valores, à moral e assim por diante, à vida, está repleto de crenças injustificáveis que beiram à fé, uma vez que, sem a qual, não seríamos capazes de dar um passo na existência.

Seria muito ingênuo da minha parte se todo mundo pensasse de acordo com a razão! Os pais amassem os filhos certos; os avós se apegassem aos netos certos; os irmãos não preferissem uns a outros; se não encobríssemos os erros de nossos parentes; se não tratássemos as pessoas diferenciadas; se não nos revoltássemos por causas erradas. Essas atitudes estão na linha das paixões e da arte, pois quanto menos explicações melhor para viver.

Imagine se um eleitor, apaixonado por seu partido político e por seu candidato, tivesse que explicar as razões por que vota nele?! Talvez, não votasse mais. Porém, a política, tal como arte e a Religião, não é assim. Há eleitores que dão à vida por seus candidatos, mesmo sendo eles injustos, desonestos e corruptos. “Voto nele e pronto, não quero nem saber”. É costume ouvirmos expressões do tipo: “Admiro Picasso e pronto, gosto de suas pinturas”; “Sei que faz mal, me prejudica, mas gosto de fumar”; “Só ouço forró e pronto”; “Tá na 2ª divisão do brasileiro, não ganha uma partida, mas gosto desse time”; “Sou apaixonado por ele, não importa o que digam”; “Amo meu filho, só eu posso falar dele, não admito que outros falem”; “Amo meu pai e não importa o que digam dele”.

Expressões como essas mostram muito bem que não é toda hora que a vida precisa de “porquê”. “Porquê” tem hora, não cabe em todo lugar, nem com todo mundo, nem a todo o instante. Não importa o que digam, mas continuamos com nossos bem-quereres, com nossas preferências, é do puro gostar, mesmo que estranhamente, optamos sempre pelo que nos agrada e não pelo que é certo ou errado. É da natureza da vida a contradição racional, uma vez que não é a razão e sim a arte; não é a explicação e sim a empatia que movem a vida.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica.
Páginas na net:

“Sobre modelos e cópias”


Atualmente, a moda e os padrões de comportamento em nossa sociedade são ditados por um seleto e pequeno de pessoas que são, ao mesmo tempo, amados por uns e odiados por outros. Os padrões de beleza tem seguido rumos semelhantes aos da segunda geração romântica brasileira, em que a “musa” mulher perfeita, tem a aparência mórbida e almejada por muitas, mas conquistada por poucas. Pode-se dizer que a mulher perfeita tem um tipo físico super esbelto, com cabelos brilhosos, ousados e possuidora de um estilo inovador, qualidades estas que são impostas a cada dia, em todos os comerciais e novelas que rodam nos meios de comunicação.

            Porém perguntamos: se “está na moda” ser inovadora, diferente, porque tantas pessoas copiam e seguem estes padrões à risca e meninas jovens abalam suas estruturas físicas e mentais procurando ser como as “modelos”, símbolos desta ditadura fashion?

Cremos que a ousadia está em ser diferente, em criar e não em seguir padrões impostos por pessoas que nem conhecemos. Todas as mulheres podem ser lindas, cada uma ao seu jeito, gordinhas ou magrinhas, bastando que desenvolvam auto-estima elevada, confiança e harmonia entre corpo e mente.

Quando as pessoas copiam aparências, começam a copiar outras coisas e chegam ao ponto de não saber mais quem são. Qual é, então, o problema de sermos nós mesmas? Quando todos formos diferentes, saberemos então o que são moda, modelos e cópias.



Jéssica Cristini Martins, aluna da 2ª série do II Grau, Instituto Estadual Cecy Leite Costa.
Texto elaborado a partir de uma aula de filosofia e texto da filósofa Márcia Tiburi.

O custo da indiferença


“Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha... Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais”. (Eduardo Galeano, Livro dos Abraços, LPM)

            O controle social das políticas públicas e sobre atos políticos e administrativos ainda é um passo a ser dado para o aperfeiçoamento da democracia. Em tempos de avançadas tecnologias, os portais de transparência são uma tímida tentativa de tornar transparente a forma como o dinheiro público é destinado e aplicado. Disponibilizar informações sobre as estruturas públicas não é suficiente para superar a apatia e o descrédito da população na política. Somente com instrumentos de participação direta nas decisões sobre as políticas e investimentos apontaremos para uma democracia participativa, superando os problemas e vícios da democracia representativa.
            Quem dentre nós, sinceramente, ainda tem tesão para participar e envolver-se na política atual? Por que a política nos distanciou tanto da vida cotidiana, das necessidades de nossa gente? Por que em nossas escolas tememos falar de política, mesmo que educação nunca seja neutra?
Dos servidores públicos, efetivos ou de confiança dos políticos eleitos, a comunidade não espera que somente “batam ponto”. A comunidade espera que também despertem da apatia, prestando serviços e assistência que promovam a cidadania.  Não serve a ninguém tanta decepção e descrença na política se é justamente ela que decide sobre a nossa qualidade de vida e nossa cidadania.
O fenômeno da apatia política não é recente não. No ano de 1917, num pequeno texto, Os indiferentes, Antonio Gramsci descreve que a indiferença “é abulia, é parasitismo, é covardia, não é vida”. E complementa dizendo que “não podem existir os apenas homens, os estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário.O que acontece não acontece tanto porque alguns o queiram, mas porque a massa dos homens abdica de sua vontade, deixa fazer, deixa enrolarem os nós que, depois, só a espada poderá cortar; deixa promulgar leis que, depois, só a revolta pode anular; deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar”.
Como cidadãos modernos e apáticos, transformamos democracia em ritual: o voto. A cada dois anos, somos consultados nas urnas sobre o rumo que os nossos governantes dão ao nosso município, ao nosso estado ou ao nosso país. Dissemos, então, se queremos que os rumos da política mudem ou permaneçam como estão. Mas de qual política? Da política do bem-comum ou a política dos interesses da classe política?
Muitos já se cansaram de participar assim, esporadicamente. Cansaram, também, de assistir a teatros e encenações dos políticos pela televisão. Cansaram de ouvir discussões inócuas e oportunistas da situação ou da oposição. E não são oposição nem situação, são cidadãos e cidadãs, desejosos de participação.
Esta tal indiferença é um fardo que não precisamos carregar. A democracia que queremos deve estar alicerçada no controle social, no debate democrático, no respeito aos direitos humanos e na liberdade de cada um organizar e reclamar as suas demandas de cidadania. Será esta democracia moderna demais?

Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.

O pior dos males: a inveja




        Assim como podemos afirmar que a mãe de todos os vícios é a preguiça e a das virtudes é à vontade, podemos, seguramente, afirmar que a fofoca é filha da inveja! E por quê? Tenha paciência. A resposta você encontrará no interior deste escrito.

1 - O conceito de inveja a partir de sua etimologia

     Como já lhe escrevi em outro artigo o prefixo in que aparece em muitas palavras da nossa língua portuguesa, indica um movimento que vai de fora para dentro. Contudo, em algumas palavras o sentido é de negação. Um exemplo apenas: indiscutível, ou seja, que acerca de tal proposição, não há mais como discutir.
        No caso do conceito da inveja que é o objeto de reflexão deste artigo, novamente o sentido vem ao encontro do que lhe escrevi no artigo sobre virtude e vício. Razão pela qual estamos novamente diante de uma palavra de origem latina. Inveja vem de invídia. IN = dentro e VIDIA = ver. Significando precisamente o seguinte: vontade de não ver o que está “dentro” do outro.
        Desse modo o invejoso é aquele que não quer apenas o que o outro tem. Ele deseja destruir o que o outro tem, e que somente ele tenha o que o outro conquistou. Mais adiante isso vai ficar mais claro. Agora lhe convido a ler o tópico a seguir e ver o quanto ele se aplica no seu cotidiano.

2 - A origem das palavras concórdia e discórdia e sua imbricação com a inveja.

        Na verdade essas três palavras remontam a mitologia romana. Antes uma informação importante. Até o cristianismo tornar-se a religião oficial do Império Romano no Séc. IV havia um deus para cada situação. É por essa razão que dizemos que eles eram politeístas.
        Quando as pessoas viviam em harmonia, diziam que a deusa Concórdia era a que reinava. Desse modo COM = junto à, COR = coração e IA = estudo. Tradução: estudo acerca dos corações que se aproximam.
        A deusa da inveja recebia o nome de Discórdia. Os cabelos  dela eram todos em forma de cobra. Em uma de suas mãos ela tinha uma cobra e na outra uma espada. Por que razão será? Então: DIS = “QUE SEPARA” e CORDIA? Esse sufixo você já sabe.
É por esta razão que existem inúmeras palavras em nossa língua portuguesa que derivam dessas duas. Apenas algumas para exemplificar: contrato = que está tratado com; distrato = quanto há a separação do que foi tratado; Eu concordo com você = no sentido que o meu coração se aproximou de ti; eu discordo de você = indicando que nossos corações (neste caso opiniões) se distanciaram. Sugiro que antes de continuar a leitura você tente lembrar-se de outras.
Você sabia que não havia nenhum templo erguido na Roma antiga para a deusa Discórdia? Certamente é porque os romanos sabiam que esse tipo de sentimento, que ainda existem em nossos dias, era um grande mal.
               
3 - A compreensão do que é a inveja a partir do tema das Paixões em Espinosa (1632-1677)
        Para Bach Espinosa as paixões são afecções, vibrações que o nosso CONATUS sente. E o que é o conatus para ele? É uma força intrínseca a todos os seres que nos chama para a vida. É a nossa luta pela existência. Todos os seres tem conatus. Ninguém deseja conscientemente morrer. Freud dizia que no inconsciente não havia o desejo da morte.
        Ele dividiu as paixões em dois grandes grupos: as da alegria que chamou também de paixões fortes e as da tristeza. Também conhecidas como paixões fracas porque uma vez existindo em nós, enfraquecerão o nosso conatus.
        As paixões são exteriores. Elas, portanto, vem de fora para dentro. Em última instância o que é a inveja? Imaginemos a seguinte situação: eu desejo muito um carro novo e que o mesmo seja vermelho. A cor do meu glorioso Internacional de Porto Alegre. Então em um belo dia eu sou convidado a ir ao casamento do meu irmão. Lá chegando, me deparo com um Fiat Uno vermelho. Pergunto para um dos meus irmãos: de quem é? Ele me diz: da sua irmã fulana de tal. Se o meu conatus começar a ter uma espécie de calafrios e ficar todo incomodado com aquela situação e disser ao irmão: - “só pode ter comprado em prestação. Quero ver como eles vão conseguir pagar tais prestações”! Ponto! Sinais de evidência que a inveja tomou conta de mim.
        Você já observou que geralmente nós escolhemos um parente para falar mal? Todas as famílias com as quais convivi, percebi que em alguns dos seus atores havia e há um forte sentimento de inveja em face de outros membros dessa mesma família.
Notoriamente, estou cônscio que a melhor maneira de se perder um argumento é generalizá-lo. Por isso insisto: a inveja não está presente em todos os membros de todas as famílias, mas de todas as que eu conheço, eu não vi uma, cujo sentimento de inveja esteja totalmente ausente.

4 - Os efeitos colaterais da inveja

Por que eu afirmei no título deste artigo que a inveja é o pior dos males? Porque a partir das minhas vivências com diferentes atores sociais e ouvindo pessoas na clínica (sou filósofo clínico), pude perceber que muitas que estavam com seu conatus enfraquecido, a causa principal era a inveja que elas sofriam de outras pessoas cuja capacidade de resistência era menor.
        Você já percebeu que muitos que criticam de forma veemente o Lula é porque têm inveja? Não estou dizendo que ele esteja livre das mesmas.  Eu mesmo fiquei muito triste com ele essa semana. Assim que melhorou do seu câncer na garganta não mencionou nada sobre o vício que causou esse mal a ele. Foi o cigarro. Melhor dizendo: o charuto. Poderá ser um dos melhores garotos propaganda contra o tabagismo. Creio que ele ainda falará algo aos jovens a esse respeito. O fato é há muitos políticos que não se conformam. Como pode um “petrúquio” como o Lula, que não tem diploma de curso superior, pudesse se tornar o que é hoje.
Por isso que se diz que a inveja mata.  O primeiro a sentir os efeitos colaterais da inveja, é o próprio invejoso. A pessoa que é invejosa acaba gerando nela mesma a mágoa. Para o Espinosa é a má-água. A pessoa fica remoendo esse sentimento. Tenta a todo custo prejudicar aquele que é a causa de sua inveja.
Aquele que é invejado por sua vez, se não tiver uma espiritualidade forte. Se não conseguir “fechar o seu corpo” diante da inveja do outro, perceberá que seu conatus também de enfraquecerá.

5 – A fofoca como filha da inveja

        O que é a fofoca? No meu entendimento a mesma se caracteriza por ser uma comunicação não dialógica. Ela nasce da “rádio corredor” ou “radio cipó”. O invejoso por não se conformar que só o outro tem o que ele tanto deseja, começa a espalhar maledicências a respeito da vida do outro. Assim, as informações distorcidas vão se espalhando e o clima nas organizações, muitas vezes, fica péssimo.
        Como combater a fofoca? Pela ação comunicativa dialógica. Habermas que é o último pensador vivo da chamada Teoria Critica – também conhecida com Escola de Frankfurt - nos deixa esse legado. Qual? Se desejarmos resolver os problemas entre nós sem o uso da violência, o face a face é o melhor caminho. Pelo diálogo autêntico poderemos resolver os conflitos provocados pela filha da inveja, qual seja a fofoca. Tenho clareza que há mais coisas a serem ditas, mas que o espaço aqui não permite neste momento. 

6 - Como se proteger do invejoso

A primeira coisa que eu sugiro é que você faça o que Jesus nos sugeriu. O quê? Dê a ele a outra face. E o que isso significa? Não retribua com a mesma moeda. Se você puder coloque-se ao lado dessa pessoa para ajuda-lá a conquistar o que você já tem e que é a causa da inveja dela.
  Se você perceber que não há como ajudar, fique longe dessa pessoa. Procure amigas e amigos que fortaleçam o seu conatus. Procurem não ficar exibindo suas conquistas.
Eu sempre falo o seguinte para as minhas educandas e educandos: - “se você está conseguindo dar uma “brincada” com alguém, não fale nada para ninguém. Se você ficar contando, muitos  que estão no “jejum”, que estão com um “calorão”, terão inveja de você”. Então por que fazer os outros sofrerem? É melhor ficar calado. Neste caso o que os ouvidos não ouvem o coração também não sente.

7 - A teoria do ato e potência para compreender o fenômeno da inveja

        O grande desafio é fazermos com que a inveja só exista apenas em potência em cada um de nós.
Não sejamos hipócritas em pensar que a inveja só existe no coração dos outros. Há pessoas que me dizem: - “eu nunca tive inveja de ninguém”! A minha resposta: “menos”, “menos”!
        Eu mesmo já fui muito mais invejoso do que sou hoje. Posso lhe assegurar que a mesma está sob controle...rs! Nos raros momentos que eu me dou conta que meu conatus começa sofrer com afecções, vibrações que indicam a presença da inveja, começo a rezar e me concentro em pensar com um sentimento de admiração pelas conquistas dos outros.
Procuro me alegrar e celebrar com ele a respeito de suas vitórias. Assim ela passa e eu sofro menos. É melhor termos a sabedoria por perto. Os bons exemplos dos outros poderão evitar futuros sofrimentos meus.
        Portanto, no meu entendimento é bom administrarmos esse sentimento, afim de que o mesmo só exista em potência e nunca em ato. Espinosa foi um racionalista no sentido de que é possível nós compreendermos racionalmente quais as causas dos males que nos aflige e assim poderemos substituí-los por paixões da alegria. Exemplo: substituirmos a inveja pela admiração.

8 - O que ainda pretendo escrever sobre esse tema:
·      A inveja no ambiente de trabalho, principalmente entre os servidores públicos;
·      Porque muitos que vão à igreja assiduamente são tão invejosos;
·      As imbricações entre nosso lado saphiens e nosso lado demens com a inveja;
·      E por fim, mas não por último, escrever sobre as dores existenciais provocadas pela inveja.
Espero ter contribuído com sua formação e faço votos que você permaneça jovem a maior quantidade de dias possíveis.


quinta-feira, 26 de julho de 2012


Pensar pelo estômago

 “O 'espírito' se assemelha mais que tudo a um estômago”(Nietzsche, Além do bem e do mal, af. 230).


Nietzsche é visceral. É visceral na política, na educação, na arte, na ciência, na religião e, sobretudo, na filosofia. Essa impressão marcante de Nietzsche me veio ligeiramente agora porque sinto que a filosofia não pode abrir mão de um pensar tão significativo quanto este presente no Prefácio da Genealogia da Moral: “É verdade que, para praticar a leitura de uma 'arte', é necessário, antes de mais nada, possuir uma faculdade hoje muito esquecida (por isso há de passar muito tempo antes de meus escritos serem 'legíveis'), uma faculdade que exige qualidades bovinas e não as de um homem moderno, ou seja, a ruminação”(NIETZSCHE, A genealogia da moral. 2ª ed. São Paulo: Escala, 2007. p. 20). Daí ser imprescindível ao filósofo, ou ao homem simplesmente, que as qualidades bovinas devam nos guiar pelas veredas da vida do pensamento. Ora, atrelado às faculdades da imaginação e da memória, está a do ruminar. Que genialidade do filósofo, digo do poeta!
Observar o pasto. Se o pasto é verdejante ou não. Escolher o que se vai comer. Depois, ruminar, ruminar bastante como um boi ou uma vaca. Em seguida, digerir o alimento, o pasto, para não dar uma indigestão. Escolher bem o que se vai comer facilita a digestão e a consequente produção de conhecimento. Essa passagem da filosofia de Nietzsche, de certo modo, é uma reação à cultura do entretenimento que pouco pensa e reflete no que faz, pouco se esquece e muito se ressente.
Com que mais nos aborrecemos? Com uma dor de cabeça ou uma dor de estômago? Independentemente da resposta, “o homem que pune a si mesmo é o mesmo que acredita na dor como forma de engrandecimento e elevação”(MOSÉ, Viviane. O homem que sabe. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 46). Dor de cabeça aqui é a dor da consciência por um malfeito praticado. Dor de estômago é a angústia, advinda dos conflitos internos ou até mesmo dos ressentimentos. Na linha da consciência está tudo que julga, escamoteia, racionaliza, limita, controla, conhece e que impede a força instintiva do ser, o poder ser. Na linha do estômago está tudo aquilo que do humano é instintivo, por exemplo, a natureza, a arte, a criação, a ousadia, o improviso, as paixões, enfim. Essas duas linhas são paralelas e a reação de ambas pode potencializá-las, é preciso então reconhecê-las e entender por que elas atravessam a história do pensamento e suas transformações.
A referência ao espírito como um estômago aparece no Zaratustra ressaltando a deterioração da vida produzida pela consciência: “Um estômago estragado, com efeito, é seu espírito: esse lhes aconselha a morte! Porque, na verdade, meus irmãos, o espírito é um estômago! A vida é uma nascente de prazer; mas, para aqueles em quem fala o estômago estragado, o pai das aflições, todas as fontes estão envenenadas”.
O interessante é que Nietzsche se apropria da imagem do estômago para nos mostrar o quanto é importante a função da consciência: “A consciência digere, na medida em que assimila ou rejeita, selecionando, simplificando, reduzindo, processando”(idem, p. 47). Uma linha explica a outra. A consciência se reflete no estômago e vice-versa. Por que não pensar pelo estômago? Pensar é também digerir com o aparelho da memória e do esquecimento. Segundo Nietzsche, a melhor forma de digestão é o esquecimento.
Engraçado... Mas o papel da consciência nos remete à cultura judaico-cristã que, distorcida e tendenciosamente, dimensiona as ações humanas ao aspecto padrão da mensagem de Cristo, dos seus atos e suas palavras por meio do medo e de suas superstições; uma cultura extremamente massificadora e autoritária das igrejas, segundo a qual constituem modelos de comportamento, de dominação e servidão. Reconhecer isso cria o homem ressentido.
Em contrapartida, o caráter filosófico do estômago, avesso à cultura de rebanho apontada acima, nos insere na perspectiva do novo, do reativo, do devir. Temos que reagir ao que aprendemos a negar por meio de uma cultura da morte e da inércia. É preciso reaprender, senão desaprender a viver. É preciso afirmar a natureza, a própria vida, os afetos, as paixões, as pulsões, o desconhecido, a pluralidade, a mudança e o tempo.
Por falar em tempo, o deus grego Cronos casou com sua irmã Reia e teve seis filhos: Zeus, Hades, Poseidon, Héstia, Deméter e Hera. Logo que nasciam, os filhos eram engolidos literalmente por Cronos. Só não conseguiu engolir Zeus porque sua mãe enganou Cronos ao colocar uma pedra enrolada em panos. Ao invés de comer Zeus, Cronos comeu uma pedra. Com essa história, estive pensando na indigestão que a pedra causou a Cronos, não pela pedra, claro, mas pelo que iria se suceder daí. Zeus se vingaria de Cronos e reinaria absoluto.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica

quinta-feira, 19 de julho de 2012


A diferença entre democracia delegativa edeliberativa: pelo fim da exclusão política

Por Ivo José Triches e José Luiz Ames[1]

No cerne deste modelo democrático atual está a ideia do sufrágio universal. O sufrágio universal (direito de todos votar e ser votado), na maneira como funciona em nosso meio, faz com que impere na política a mesma lógica competitiva que domina no mercado. A democracia passa a ser vista como um “mercado”, isto é, um mecanismo institucional para eliminar os mais fracos e estabelecer os mais competentes na luta competitiva pelos votos e o poder. O papel central nesta competição está destinado à liderança política.

Democracia delegativa
Este modelo de democracia é conhecido como “democracia delegativa”. Há outros autores que preferem utilizar o conceito Democracia Representativa, para referir-se a esse modelo político que surge a partir da modernidade. Mas o que significa esse modelo?
A democracia delegativaé fortemente individualista. Pressupõe-se que os eleitores elejam, independentemente de suas identidades e afiliações, a pessoa mais capacitada para cuidar dos destinos da coletividade. As eleições nas democracias delegativas são um processo extremamente emocional e que envolve altas apostas: vários candidatos competem entre si para saber quem será o ganhador da delegação para governar sem quaisquer outras restrições, a não ser aquelas impostas pelas relações de poder.
A democracia delegativa, como vemos, transfere (“delega”) ao eleito o direito e a responsabilidade pelos destinos da coletividade. Os eleitores (“delegadores”) limitam sua participação política à eleição. Os cidadãos se comportam em relação aos candidatos como consumidores: escolhem o “produto” que melhor responde aos seus desejos. A propaganda eleitoral contribui decisivamente para a mercantilização da política. As lideranças apresentadas como candidatos recebem uma produção similar àquela que é feita para vender qualquer produto comercial: o consumidor (eleitor) compra (vota) pela embalagem. Por isso, o argumento de que o “mais capaz” é eleito não procede. Por causa da propaganda, o eleitor não tem como saber quem é o mais preparado.
Democracia deliberativa
A exclusão do cidadão do processo de tomada de decisão política é, portanto, inerente ao modelo da democracia delegativa ou representativa. Essa constatação reacendeu o debate atual em torno da teoria da democracia deliberativa que, obviamente, coloca profundamente em questão o modelo da representação política. Alguns autores também denominam esse modelo como de democracia direta.  Com efeito, a ideia da representação política implica em que os representantes discutem entre si e deliberam. Não existe debate com a sociedade para formar a opinião e a vontade pública.
A teoria da democracia deliberativa, ao contrário, consiste na ideia segundo a qual, a opinião e vontade pública resultam do debate estabelecido pelos próprios cidadãos e não por seus representantes eleitos, tão somente.
A concepção deliberativa da democracia é uma postura contrária ao elitismo. Neste sentido, opõe-se à ideia que concebe a classe política como responsável pelo governo e para a qual o exercício da cidadania se limita à eleição periódica dos representantes. Segundo a concepção deliberativa da democracia, a opinião e a vontade pública devem resultar do debate contínuo e continuado dos próprios cidadãos.
A democracia deliberativa distingue entre o âmbito do mercado e o da política. Enquanto no domínio do mercado o indivíduo pode escolher unicamente em vista de sua vantagem pessoal, no campo político as escolhas devem levar em consideração as demais pessoas. Por essa razão, democracia pressupõe debate e possibilidade de rever decisões. A decisão sobre aquilo que é mais adequado à coletividade não tem como ser estabelecido por nenhum instrumento científico e, muito menos, por uma liderança, ainda que eleita pela maioria. Somente o consenso que resulta da argumentação, do confronto de opiniões, é capaz de determiná-lo.
Outro aspecto da democracia deliberativa é que nela são levadas em consideração, como unidades fundamentais, as pessoas e não os grupos. Isso implica em privilegiar a defesa dos direitos das pessoas sobre a maximização dos benefícios de grupos de interesse e de facções. Por fim, a democracia deliberativa considera que o sistema político de tomada de decisões deve basear-se, primordialmente, na discussão. A importância da discussão pode ser vista em vários pontos: previne erros; ajuda a impedir a adoção de decisões parciais; educa para a cidadania na medida em que exercita a capacidade de argumentar e de aceitar posições opostas.
A teoria da democracia deliberativa não pode ser confundida com o modelo da democracia direta dos antigos. Como aquele na Atenas do séc. V a.C. Lá apenas os homens podiam participar e dentre eles, somente aqueles que tinham posses. Notoriamente, na democracia direta grega ela foi possível porque a unidadepolítica era pequena. A democracia deliberativa, ao contrário, é uma teoria que toma em consideração a realidade dos grandes Estados modernos. Insiste na ideia de que o cidadão precisa ter garantido espaços através dos quais possa ocorrer o confronto das opiniões. Neste sentido, rompe com o modelo representativo, que se apropriou do direito de determinar o que é vontade pública.
Em grande medida as novas forças produtivas em curso estão facultando a existência dessa prática de democracia. No Brasil a experiência da prática do Orçamento Participativo que ocorreu em Porto Alegre na década de noventa do século passado, contou com a ajuda da Internet. O ciberespaço te se transformado numa poderosa ferramenta do controle dos gastos públicos, de um meio para chamar os cidadãos para prática da democracia deliberativa. Assim nossa participação no cuidado da coisa pública (res publica) tem ocorrido de forma mais direta, sem termos que contar sempre com nossos representantes que delegamos para esse fim.

Cidadania e Estado democrático

A democracia pressupõe cidadãos iguais, e a noção de cidadania não se entende sem um sistema de direitos. Assim como a ideia de cidadania alude a indivíduos que participam como atores da vida política e social, a função da democracia é assegurar direitos fundamentais para todos. Isso nos evidencia o paradoxo: vivemos em sociedades democráticas com cidadãos nominais, isto é, cidadãos incompletos que não podem exercer plenamente os atributos correspondentes a esta condição.
Sem dúvida, não se pode reduzir a crise da cidadania à esfera da exclusão social. Antes, o que está em crise é o sentido mesmo da cidadania moderna como sistema de integração. Na verdade, é preciso explorar outra concepção, mais inclusiva, de cidadania: cidadania como um conjunto de direitos e práticas participativas exercidas tanto no plano do Estado como da sociedade civil e que confere aos indivíduos uma pertença real como membros da comunidade política. A ideia de cidadania não deve se restringir à pertença formal de um indivíduo a um Estado, mas também a sua pertença a múltiplas formas de interação social. Em outras palavras, o conceito de cidadania não pode esgotar-se na figura portadora de direitos exercidos frente ao Estado, e sim que pode integrar as práticas que se desenvolvem no interior de uma vasta rede de associações que, operando desde a sociedade civil, é capaz de contribuir para a perfeição da ordem coletiva. O cidadão se reconhece como membro de uma coletividade política não somente por seu vínculo de nascimento em uma nação, mas também pela prática de todos os dias, em sua conexão com o curso cotidiano das coisas.
É possível, pois, pensar numa dimensão de cidadania autônoma, ou independente, em relação ao Estado. A preocupação pelos “assuntos de todos” (ou respublica) não é redutível à ideia de “interesse geral” supostamente representada pelo Estado. Antes, a defesa do interesse geral é um problema de todos e não apenas do Estado. Os assuntos comuns se difundem também pela sociedade civil, para constituir um lugar comum, um espaço público, no qual os cidadãos que abandonam seu refúgio da vida privada se reúnem para interrogar e controlar o poder e construir vínculos sociais solidários.
Considerando o que dissemos, a noção de cidadania precisa ser redefinida para não se identificar somente com o Estado, com um sistema de direitos e deveres, pois os problemas da “coisa comum” não se discutem somente no âmbito do Parlamento, mas também na mídia e na sociedade civil de modo geral. A seguridade social, por exemplo, já não é unicamente um problema do Estado, embora continue sendo. É também um problema que diz respeito a todos os cidadãos que, através de diversos mecanismos de cooperação, podem tornar possível que a sociedade civil compartilhe com o Estado a responsabilidade da solidariedade social.
Esta redefinição da noção de cidadania realça (e torna consciente) as atividades que o indivíduo desempenha como cidadão da sociedade civil. Esta noção de cidadania alude, portanto, a uma dupla atribuição: ao Estado e à sociedade civil. No primeiro caso, o indivíduo é membro de um corpo político-institucional que garante seus direitos políticos, civis e sociais. No segundo, o indivíduo é membro de um espaço público associativo que requer práticas de auto-organização coletivas desde as quais pode reforçar e estender sua condição de cidadão. Em ambos os casos o cidadão é membro da mesma comunidade. Em suma, o cidadão do Estado não cancela o cidadão da sociedade civil, nem vice-versa.

Palavras Finais

Refletirmos sobre possibilidade de uma nova forma de democracia mais humanizada foi nossa intenção. Se nós conquistaremos a hegemonia da prática da Democracia Deliberação num futuro próximo ainda é uma incógnita. Contudo, ela pode vir a acontecer. Para tanto cada um ao seu modo pode contribuir para isso à medida que tenha uma participação mais efetiva na vida da coletividade.
Superarmos o vazio ético que uma das características da pós-modernidade é uma das condições para isso.


[1]José Luiz Ames é doutor em Filosofia, professor da Unioeste. E-mail: profuni2000@yahoo.com.br
Ivo José Triches é diretor das Faculdades Itecne de Cascavel e ProfessorTitular do Centro de Filosofia Clínica de Cascavel.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

PENSAR NÃO É PUNIR



Sandra Lucia*

Interessante como dois verbos pensar e punir tem sentidos opostos e muitas vezes na prática tão próximos. Enquanto “pensar” significa raciocinar que é uma operação lógica discursiva e mental. Neste, o intelecto humano utiliza uma ou mais proposições, para concluir, através de mecanismos de comparações e abstrações, quais são os dados que levam às respostas verdadeiras, falsas ou prováveis. Das premissas chegamos a conclusões. “Punir” é punição, um processo no qual se reduz à probabilidade de determinada resposta voltar a ocorrer através da apresentação de um estímulo aversivo, ou a retirada de um estímulo positivo após a emissão de determinado comportamento indesejado. Observo como se destacam na prática cotidiana como paralelos no inconsciente dos grupos escolares quando o assunto é pensar a filosofia.

Peguei-me outro dia lendo um artigo em uma revista da Supernanny que é psicóloga e orienta os pais a forma de aplicarem disciplinas a seus filhos. Algumas orientações são do tipo como: não gritar; dar uma advertência; não perder o controle e colocar no “cantinho da disciplina” para pensar e refletir o que fez de errado. No final orienta os pais a conduzir a criança a pedir desculpas pelo mal cometido.  Bom até aqui parece que está tudo bem, mais algo me chama atenção. Como será a longo prazo a falta de diálogo entre familiares quando essa criança já não couber no banquinho e não ter o “cantinho da disciplina”, ou seja, a vida toda. Já dizia Sócrates “O conhecimento está dentro das pessoas (que são capazes de aprenderem por si mesmas). Porém, eu posso ajudar no nascimento deste conhecimento.”.

Penso que enquanto criança é mais fácil compreendê-lo a forma como pensam entrando no seu universo, seu mundo e nas suas dificuldades e partir para um diálogo sem reforçar essa noção de que pensar é ruim, imagino o quanto se culpam pelo fato de errar, sabendo que a prática o levará a um banquinho ou cantinho. Para quê?  Para pensar.

E quando já adolescentes alguns pela primeira vez tem contato com a filosofia outros não, ao descobrirem que podem pensar e refletir e que isso traz prazer. Prazer? Como? Eu vou ter que pensar? Muitos duvidam, sim duvidam, mas não como a arte do filosofar, mas sim em como sair do “cantinho da disciplina” ou “das correntes que ainda os prendem na caverna” Aos poucos descobrem o conhecimento dentro de si e se libertam ao perceber que é tudo muito simples e que a filosofia faz parte do dia a dia de cada um.

Concluindo essa teoria quero enfatizar que é possível desde criança a começar a refletir suas ações até porque a moral e a ética é trabalhada desde a primeira infância. Uma das grandes áreas da filosofia trabalha justamente essa questão da ética e da moral. Bom seria se fosse mais valorizado a filosofia no dia a dia dos pais, educadores e educando, proporcionado leituras e imagens para que os pequeninos vivenciassem de uma forma ampla, alegre e extrovertida a reflexão e a curiosidade até a fase adulta. Ao contrário que observo, muitas vezes existe uma espécie de parede entre a busca do conhecimento e o limite em ultrapassar essa busca do “conhecer” e expor suas ideias. A inibição da infância, aquela do “cantinho da disciplina” em que se falava o que deveria falar para sair logo para brincar, se repita agora como ler por ler, estudar por estudar, terminar logo para não ter de refletir. Se o diálogo substituir a punição é possível que tenha continuidade dessa prática como um bem para todos.


*Professora de Filosofia e Sociologia na rede pública e pós graduanda em Metodologia do Ensino em Filosofia e Sociologia pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci

quinta-feira, 5 de julho de 2012

De democracia e de outonos



Nei Alberto Pies
“Meu ideal político é a democracia, para que todo homem
seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado” (Albert Einstein)
           
Viveremos, nos próximos meses, momentos singulares para revisar a nossa cidadania a partir do lugar onde moramos: as nossas cidades. A coincidência dos outonos com os períodos pré-eleitorais potencializa as nossas ações cidadãs e nos convida a estarmos espertos neste período de anúncios e prenúncios. Os outonos forram o nosso chão de folhas deixando as árvores dormentes. Os outonos anunciam a chegada do frio que nos deixa menos mobilizados e atuantes fisicamente, mas não acomodam nossas consciências. Pelo contrário, este é um período em que nossas consciências devem estar despertadas para compreendermos as manhas e as artimanhas da nossa política.
            Prestemos atenção aos rituais, aos comportamentos, aos discursos, às estratégias dos candidatos. Revisemos a sua vida pessoal e comunitária para perceber se guardam coerência e consistência em seus propósitos. Vivamos este tempo como um tempo de graça para aperfeiçoarmos a nossa cidadania e nosso poder de decidir os rumos que desejamos para as nossas cidades.
            A disputa eleitoral que se aproxima é antecipadamente marcada por disputas, promessas, jogos e seduções de muitos e difusos interesses, jogados nos bastidores. Estes interesses são calorosamente alinhavados para que possam traduzir-se em propostas concretas para melhorar a qualidade de vida em nossas cidades. A aparente acomodação do outono contrasta com os intensos movimentos que geram os debates, as reuniões, os acordos que geralmente se operam na “calada das noites”. Ao fim e a cabo, anunciam-se os protagonistas que representam este ou aquele projeto político: os candidatos a prefeito, vice-prefeito e a suas nominatas de candidatos a vereadores.
Embora seja sagrado o nosso direito de votar, as eleições não esgotam a democracia, mas são um momento mais intenso de debate dos rumos de nossa cidadania. A verdadeira democracia se concretiza a partir do protagonismo cidadão e da participação da sociedade na proposição, encaminhamento e cobrança de políticas públicas. Por isso mesmo democracia é uma forma de convivência que exige que superemos a “alienação dos sujeitos”. As pessoas envolvidas e interessadas nas políticas devem participar das decisões, em diferentes níveis e situações. A separação entre aqueles que decidem e executam e os beneficiários, além de possibilitar manobras, gera desinteresse por conviver em grupo e em sociedade.
            As contradições da democracia não param por aí e exigem ainda que incluamos a todos, em sua condição de cidadãos e sujeitos de direitos. A verdadeira democracia não tolera a existência de excluídos. A fome, a miséria e a discriminação dos mais pobres, além de agredir e negar a dignidade humana, “abortam” a cidadania. Em tempos eleitorais, estes são os alvos mais fáceis de manipulação e enganação. Em tempos outros, quem aborta a cidadania de muitos é a burocracia. Mas este já é tema para uma reflexão.

*professor e ativista de direitos humanos