quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O que os pais e demais educadores precisam saber se o desejo é manter as crianças e adolescentes longe dos vícios


Por Ivo José Triches[1]


        Talvez ao terminar de ler este artigo você fará a seguinte indagação: mas é só isso que eu preciso evitar? A resposta seria se estivesse na sua presença: notoriamente que não. Há outras coisas importantes que são necessárias quando o assunto é educação dos filhos, mas essas você poderá acrescentar ao final da leitura deste.
        Contudo, de uma coisa você pode estar certo, qual seja, de que os pais e demais educadores que estão infringindo essas regras que você encontrará abaixo, terão grandes chances de verem as crianças e adolescentes abreviando seus dias.
        Antes propriamente de inserir neste artigo o núcleo central do mesmo, que é essa mensagem, vou dizer como foi que os onze tópicos da mesma foram produzidos.
        A cidade de Houston é a mais populosa do Estado do Texas nos EUA. Nela o problema da delinquência existe até hoje. Os soldados começaram a investigar quais eram as causas, ou seja, por que muitas crianças e adolescentes acabavam se envolvendo com as drogas e por conta disso praticavam delitos.
        Chegaram a dez causas. Hoje essa pesquisa serve de norte para muitos pais, professores, diretores de escola, pedagogos, religiosos e demais educadores que estão comprometidos em manter as crianças longe da delinquência.
        Pois bem, incluí apenas um tópico. O décimo primeiro. Isso eu aprendi com meus pais. Eles sempre nos alertavam de que não podíamos cometer esse erro.
 A seguir você encontrará essas onze razões. Espécie de “mandamentos” que não devemos seguir em hipótese nenhuma para não termos aborrecimentos com nossos filhos mais tarde.
        Depois dessa mensagem que você lerá, vou escrever apenas um pequeno comentário de sua aplicabilidade em nosso fazer pedagógico aqui em nossa escola na cidade Cascavel no Paraná. Ao fazer isso nossa intencionalidade é clara. Qual? De que você também possa fazer uso dessa experiência, se considerar que ela poderá lhe ajudar nas suas atividades como educador ou educadora. Aqui está:
  1. Comece na infância a dar ao seu filho tudo o que ele quiser. Assim, quando crescer, acreditará que o mundo tem obrigação de lhe dar tudo o que deseja. Para isso, satisfaça todos os seus desejos de comida, bebida e conforto. Negar pode acarretar frustrações prejudiciais.
  2. Quando ele disser palavrões, ache graça. Isso o fará considerar-se interessante.
  3. Nunca lhe dê qualquer orientação espiritual. Espere até que ele chegue aos 21 anos, e "decida por si mesmo".
  4. Apanhe tudo o que ele deixar jogado: livros, sapatos, roupas. Faça tudo para ele, para que aprenda a jogar sobre os outros, toda a responsabilidade.
  5. Discuta com frequência na presença dele. Assim não ficará muito chocado quando o lar se desfizer mais tarde.
  6. Dê-lhe todo o dinheiro que ele quiser. Nunca o deixe ganhar seu próprio dinheiro. Por que ele terá que passar pelas mesmas dificuldades que você passou?
  7. Tome o partido dele contra vizinhos, professores, amigos. (Afinal todos têm má vontade para com seu filhinho).
  8. Quando ele se meter em alguma encrenca séria, dê essa desculpa: "Nunca consegui dominá-lo".
  9. Em ocasiões onde ele estiver reunido com amiguinhos ou com seus irmãos use e abuse das comparações que incitem disputa. Compare seu caráter, sua capacidade intelectual, e seus dotes estéticos; diga em alto e bom tom para que todos possam ouvir, ele inclusive, coisas do tipo: - "Meu filho é mais inteligente que os outros, é mais belo, é mais esperto, é um gênio”!
  10. Se tiverem algum vício, demonstrem-no em sua presença todos os dias. Assim ele vai achar tudo isto natural, e com certeza, mais tarde, vai ouvir suas repreensões sobre os males que estas imperfeições podem trazer.
  11. Deem orientações diferentes para seu filho. O pai diz uma coisa e a mãe outra. Isso fará com que ele opte pelo mais cômodo. Perceberá que tudo o quer conseguirá com aquele que fizer suas vontades.
  12. Feito isso, prepare-se para uma vida de desgostos. É sem dúvida seu mais que merecido destino!

       Estamos trabalhando aqui em nossa escola com essa mensagem da seguinte forma:
- por indicação dos professores e da equipe de orientação educacional estamos identificando quais são os educandos que apresentam dificuldade no processo ensino-aprendizagem, cuja causa é a questão disciplinar, preguiça, etc.;
- depois de feito isso, chamamos o pai e a mãe ou aqueles que são responsáveis pela educação da criança no lar;
- ao chegarem à escola, então nós primeiro mostramos as razões pelas quais eles necessitaram vir até nós;
- em seguida dizemos que leremos uma mensagem – essa acima – tópico a tópico com calma e vamos dialogando sobre os mesmos. Que é para serem verdadeiros; Que isso é uma espécie de “filtro”; Que é para ver se estão infringindo uma dessas regras; Que é fundamental a humildade e que digam onde porventura estão errando, para que possamos afinar a viola.
Resultado: todas as crianças que vem apresentando desinteresse pelos estudos ou se envolvendo em algum vício é por que os pais estão cometendo um ou mais erros que essa mensagem aponta.
       Essa tarefa de ler essa mensagem com os pais e refletir sobre a mesma coube mim. Impressionante são os resultados. O que posso testemunhar é que quanto mais regras dessas os pais apontam que estão infringindo, mais difícil está a situação do seu filho ou filha no tocante ao processo de ensino-aprendizagem.
       Quando há o comprometimento de todos os atores envolvidos, quando todos procuram falar a mesma linguagem com seu filho ou filha, os resultados positivos começam a surgir.
       Sugestão: que essa mensagem seja lida e comentada em casa pelos pais e que nas escolas sejam feitas palestras para os mesmos acerca dessa temática.
       É fundamental que seja dito que é muito raro ver um pai ou mãe que deseje que seu filho ou filha se perca com alguma forma de vício. Seja esse vício o computador, o álcool, ou ainda, outra forma de droga. Contudo, às vezes nós erramos sem ter a intenção. Eu mesmo, como pai, estava errando no item 04 e 05 dessa mensagem. Ao tomar ciência de tais erros, procurei me corrigir.
       Faço votos que esse documento sirva de norte ao seu fazer pedagógico e que os resultados sejam sempre os melhores.



[1] Ivo José Triches é formado em Filosofia. Possui três Especializações e Mestrado. Atualmente é Diretor do Colégio e da Faculdade Itecne de Cascavel. É também o Professor titular do Centro de Filosofia Clínica em Cascavel no Paraná.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

De liderança e reconhecimento


“E que seria se nem os leões, nem as águias, nem os elefantes, nem as baleias se contentassem com sua grandeza e se quisessem comer uns aos outros para poderem ser mais e maiores? Isto é o que querem e fazem os homens, por isso os altos caem, os grandes rebentam e todos se perdem” (Pe. Antonio Vieira, em conto Se o rato não quer ser leão)

Vendem-se por aí pacotes com dicas e fórmulas para aqueles que desejam exercer liderança em diferentes grupos ou segmentos sociais. Estas propostas buscam despertar a liderança das pessoas ou buscam, tão somente, ensinar jogos e combinações de manipulação de outros em favor próprio? A capacidade de liderar é algo que pode ser ensinado? Os diferentes grupos sociais convivem com um mesmo padrão de liderança?
Existem outras questões que há tempo me intrigam: as pessoas nascem com o dom de serem lideranças? Dá para a gente querer impor um estilo de liderança para todo mundo ou cada um, a seu modo, vai criando formas de tornar-se influente sobre os outros? Em que medida é possível medir o grau de confiança entre lideranças e liderados?
Há que se entender que somos seres sociais, em busca de reconhecimento. A maioria das pessoas busca este reconhecimento através das habilidades e competências inerentes ao seu trabalho. Esperam um progressivo reconhecimento dos demais pares. Neste grupo majoritário, não existem jogos e tramas que procuram, sorrateiramente, usar os demais para benefícios próprios e escusos. Existe, sim, o desejo de mútuo reconhecimento, respeitando os diferentes papéis e responsabilidades de cada um. A ascensão das lideranças dá-se de forma quase natural, o que não gera tantas resistências e incompreensões.
Geralmente, as oportunidades da liderança surgem a partir de destaques pessoais, associados a oportunidades de exercício de poder. Exercer certa liderança sempre dá poder. Este poder sempre nos é delegado por alguém ou por um coletivo que acredita em nossas capacidades pessoais para representar os seus interesses. Se assim não for, o poder não é legítimo e não deve nem ser reconhecido.
A forma de exercermos liderança tem muito a ver com nossa personalidade, o nosso jeito de lidar com a vida e com o mundo. A agressividade, que muitos pregam como ponto forte para quem deseja liderar um grupo social, nem sempre é a melhor forma de interação coletiva. O carisma, ou a falta dele, por sua vez, é fator fundamental para consolidar uma liderança. A sensibilidade para a percepção das necessidades do grupo liderado é indispensável para o reconhecimento do papel que exercem os líderes. O diálogo é a melhor forma de reatar os laços de confiança, esclarecer dúvidas e incompreensões. A disponibilidade de servir, mais do que ser servido, é o gesto mais nobre e mais verdadeiro de uma grande liderança.
Muitos, ao ocupar certa posição social ou autoridade, personificam o próprio poder, tornando-se eles próprios a razão de ser do poder e da liderança. Distanciam-se da coletividade que representam, tornando-se uma grande ameaça à mesma. Quem exerce liderança deve ter a percepção do limite do seu poder. O lugar que ocupa sempre é transitório e se dá dentro de um contexto histórico. Sempre haverá alguém com mais poder do que ele, como também existe poder que vem de quem está abaixo de sua posição social. O fato é que nenhuma liderança se impõe, mas se conquista.
Não acreditamos que a liderança seja uma “capacidade nata”. Existem predisposições pessoais que podem colaborar para alguém exercer uma grande liderança. A capacidade de liderança pode ser aperfeiçoada por cada um de nós; ninguém é totalmente incapaz e ninguém está totalmente preparado para servir aos outros.


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Razões que justificam ser a verdade um Bem



Por Ivo José Triches

      A intenção deste escrito é facultar uma reflexão capaz de lhe acrescentar novos conhecimentos.
Há outra intenção, que você se sinta motivado (a) em partilhar este escrito com outras pessoas, afim de que elas possam se beneficiar do mesmo, uma vez que o fim último é contribuir para que cada um seja o fundamento do seu próprio fundamento moral.

1  1- O que é a verdade?

Esse é um questionamento até hoje feito por muitos filósofos, no entanto, não existe consenso, o conceito de verdade estabelecido por Aristóteles (384 – 322 a.C.) é até hoje o mais aceito. E qual é? A ideia de que a verdade é a concordância daquilo que há no meu intelecto com o que existe na realidade.
Só há uma coisa que para em pé. O quê? A verdade.
O provérbio veritas filia temporis (a verdade é filho do tempo) vem ao encontro da minha afirmação acima. O que implica em dizer que se você foi ou está sendo acusado (a) por algo que você não fez, não sofra.  Um dia a verdade aparecerá.
Outro provérbio significativo: in vino veritas (no vinho a verdade). Dê bebida a uma pessoa e você a conhecerá. Ela poderá revelar suas fissuras morais ou não. O que há de mais escondido poderá vir à luz...

2 – A relação entre verdade e sinceridade

Na obra Convite à Filosofia, cuja autora é Marilena Chauí, o conceito de verdade é apresentado a partir de sua etimologia. Lethes na mitologia grega era um rio onde as pessoas necessitavam mergulhar para esquecer suas almas passadas. A letra “a” em muitas palavras de origem grega designa a ideia de negação. Por exemplo: tomo = divisão. Átomo = não divisível. Hora, se lethes é esquecer, alethéia o que é? Aquilo que não se pode esquecer. E o que é que não se pode esquecer? A verdade. Razão pela qual Chauí nos mostra que alethéia (a verdade em grego) significa desnudar, por a nu...
Em 1986, Paulo Freire escrevia artigos na Folha de São Paulo. Não me recordo qual era o dia da semana. Na ocasião eu estudava no terceiro ano do antigo Segundo Grau. Estava no Seminário em Ponta Grossa aqui no Paraná. Num daqueles artigos ele escreveu sobre a diferença entre senso comum e consciência filosófica. Fez uma analogia que eu nunca mais esqueci. Hoje eu entendo melhor. Ele estava escrevendo sobre o que é verdade. E qual foi a analogia feita?
Paulo Freire disse que a pessoa que vive a partir do senso comum é semelhante a alguém que está dentro de um fusca no inverno. Imagine que seja um dia de inverno com muita neblina. A pessoa que está no fusca consegue enxergar o que há lá fora, mas vê as coisas de forma confusa. Ela se dá conta que há uma pessoa a sua frente, só que não consegue distinguir se é homem ou mulher, por exemplo.  À medida que o sol começa aquecer o clima o que ocorre com a neblina? Ela se dissipa. Pronto, a pessoa que está dentro do fusca começa a ver o mundo lá fora tal como ele é.
Algo semelhante ocorre com a pessoa que estuda. Ela começa a tirar a “neblina” da frente dos seus olhos. Chegará àquilo que Paulo Freire convencionou chamar de consciência filosófica. Agora vamos à etimologia da palavra sinceridade.
Os soldados romanos quando voltavam das batalhas que travavam com outros povos, eram recebidos com festa pelos habitantes que ficavam em Roma. Só que nessas batalhas muitos eram feridos. Em alguns, tais ferimentos era no rosto. O que eles faziam para ocultar os ferimentos? Passavam cera. Então com o tempo as pessoas começaram a perceber que a verdade aparecia. Por isso elas diziam: - sine cera (sem cera).
Pedir a alguém que seja sincero é pedir a esta pessoa que diga a verdade. Que tudo seja explicitado “sem cera”, sem máscara. Se muitas pessoas tirarem a “cera” que colocam todas as manhãs em sua face o que restará?
A imbricação entre verdade e sinceridade é evidente. Não há como separar esse dois conceitos no meu entendimento. Um ajuda a explicitar o outro. Agora voltemos ao que se propõe este escrito.

3 – As razões...

        Eu sempre me questionei o que Jesus quis nos dizer com a expressão: conheça a verdade é ela vos libertará. Ela nos liberta do quê? No meu entendimento do medo, da ignorância, da dominação dos outros, entre tantas outras coisas. Logo abaixo escreverei mais sobre isso.
        Aristóteles afirmou que a razão de ser da Filosofia é a busca do Bem. E o que é o Bem? Para mim aquilo que potencializa a minha existência. O que permite melhorar o meu endereço existencial. Aquilo que eleva o meu padrão-autogênico, como bem nos mostra Lúcio Packter, criador da Filosofia Clínica.
Uma das definições mais lindas que aprendi acerca da Filosofia é que ela é a busca amorosa da verdade, nunca a sua posse definitiva.
        A seguir, em forma de tópicos, buscarei evidenciar algumas das razões que justificam a importância de nos comprometermos com a busca contínua da verdade. Vamos a eles:
·      Buscar a verdade é nos afastarmos de muitos religiosos que defendem a “Teologia do cangaço”. E o que isso significa? Que existem líderes religiosos que são verdadeiros empresários da fé. Exploram o fenômeno religioso que há nos atores sociais impondo nesses o medo, a culpa. Assim conseguem mantê-los alienados, tornando-os presas fáceis dos seus interesses;
·      Se eu conheço a verdade no que diz respeito às leis, conseguirei sofrer menos. O primeiro benefício é que ao cumprir a lei não haverá penalidades;
·      Outra razão é que poderei fazer com que a lei aja ao meu favor. Um exemplo clássico que dificilmente esquecerei. Nos últimos cinco anos eu e meus sócios trabalhamos como escravos e ainda, de graça. Pagamos um valor exorbitante em impostos sem necessidade. Sabe por quê? Porque não conhecíamos a verdade. E qual era? De que poderíamos ter optado pelo Simples Nacional que é um regime tributário que beneficia alguns segmentos da economia. Hora, quem presta serviço para todos os níveis da Educação Básica pode optar por esse regime. Nós só tomamos ciência disso com todos os esclarecimentos necessários depois de vários anos “trabalhando como camelos”. Por isso a ignorância é a mãe de muitos sofrimentos;
·      Uma pessoa que busca estudar, de modo geral, sofre menos. Por diversos motivos, lógico. Creio que o principal deles é que o conhecimento alargará seu pensamento. Com isso se fortalecerá contra aqueles que se apropriam do edifício técnico-científico com a intenção de fazer com que os outros se tornem meros serviçais aos seus interesses. Vide empresários de fé, já explicitado acima, entre tantos outros;
·      Uma pessoa que se amansa em literatura e conquista no laço a ciência terá mais condições de acompanhar o desenvolvimento das forças produtivas.  O que de pronto lhe manterá ativa no mercado de trabalho. Do ponto de vista econômico, certamente, obterá muitas vantagens;
·      Aquele que não renuncia à busca da verdade, certamente, encontrará razões para não se esquecer de si mesmo;
Notoriamente que há outras razões, mas essas eu peço que sejam acrescentadas por ti. Digo isso para evidenciar que  intenção é não dar esse assunto por encerrado.
Portanto, buscar de forma amorosa a verdade é estar cônscio que sua posse definitiva não será alcançada. Contudo, teremos a serenidade que ao nos aproximarmos dela, nossa segurança aumenta à medida que nos damos conta que estamos mais próximos do Bem.
A partir dessa busca, desejo que seus dias sejam suáveis.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Estranhamento e entranhamento, um estranho trocadilho



A vida é cheia de reações. Há momentos que nos fazem sentir e outros que nos fazem pensar; ora somos extrovertidos, ora introvertidos; vezes agimos para fora, vezes agimos para dentro. Há momentos em que precisamos ser ativos, outros em que precisamos ser absolutamente passivos. Porém, na maior parte do tempo, somos simultaneamente um e outro, ativos e passivos, como numa sala de aula, como num diálogo por exemplo, no trabalho, enfim, na vida... Imagino a vida como um grande novelo de linha que se desenrola pouco a pouco nas mãos da vovozinha que incansavelmente faz e refaz suas casas no pano de linho. Ao final, meio que tomada de ímpeto, a vovozinha se depara com uma belíssima imagem, antes não vista, mas imaginada em sua memória. Só que, do início ao fim, o novelo guarda múltiplas experiências até concretizar a tão sonhada imagem. O novelo se desfia para se fiar na existência.
A existência nos prega muitas peças. Umas de estranhamento, outras de entranhamento. O estranhar uma realidade é inquietar-se com ela. Estranhar uma viagem que nos levará para um lugar desconhecido. Estranhar uma escola nova. Estranhar um novo membro da família que chega de imediato. Estranhar uma mudança de domicílio. Estranhar está muito ligado ao “páthos” em Aristóteles, uma espécie de afecção da alma, tem a ver com os sentimentos que nos provocam uma determinada experiência de vida. Ao entrarmos em contato com algo novo, com um fato inusitado, temos a impressão de que alguma coisa estranha mexe conosco. Esta coisa estranha é a reação da nossa mais fina natureza.
O estranhamento está muito presente no exercício do filosofar, tanto em Aristóteles quanto em Platão. “A admiração, o estranhamento é o modo de ver daquele para quem o filosofar é um modo de viver. Os gregos denominaram thaumátzein esta atitude originante do filosofar”(Cf. Aristóteles, Metafísica A,2,17-19. Platão: Teeteto, 155d). Realmente, a gente só pergunta porque estranha!
Se somos acometidos constantemente pela experiência do estranhar, uma vez que alguma mudança está ocorrendo, o que dizer então da experiência do entranhar. Entranhar está para Sócrates como Sócrates está para a Filosofia. Esta palavra me faz lembrar Fenarete, a mãe de Sócrates, parteira ou tratadeira das mulheres gestantes, prontas para dar a luz. Imagino Fenarete saindo pelas ruelas da Grécia antiga, de casa em casa, cuidando de muitas mulheres que engravidavam e ansiosas esperavam seus filhos. Sócrates, certamente muito pequeno a seguia por essas ruas estreitas da Grécia a fim de acompanhar zelosamente o trabalho da mãe. Imaginem o pequenino menino filósofo ali, à sombra da mãe, vendo o ofício das mãos afinadas com a enfermagem. Sem saber ao certo, Sócrates já estava antecipando os traços visíveis de sua mais nobre filosofia, a arte de fazer parto de almas e não de corpos. Com a mãe, parteira de corpos, viu maravilhado, entranhado, a maneira com que ela habilmente ajudava suas pacientes a dar a vida.
Talvez, a partir dessa experiência de Sócrates com sua mãe, o filósofo tenha adquirido os dois principais métodos da sua filosofia, o “elénkos” e a “maiêutica”. O primeiro é pura refutação, o segundo é o nascimento da verdade pelo diálogo. Principalmente, na linha do segundo é que se encontra o entranhamento da Filosofia. Argumento demasiadamente os elementos da justiça que tenho a possibilidade de me tornar justo. Argumento frequentemente as categorias da bondade que me torno bom. Falo por demais sobre Deus que me torno um religioso ou cristão ao falar muito de Cristo. Falo tanto de Filosofia que, com isso, passo a me tornar um filósofo. Entende-se assim a maneira de se entranhar do filósofo Sócrates, de modo que seus pensamentos chegam ao coração, promovendo nos seus interlocutores uma forma de impregnar suas convicções. Os seus ouvintes ficavam tão imbuídos com suas ideias que, de pronto, assumiam suas convicções devido ao poder de suas argumentações. Entranhar é embrenhar-se disso. Estar profundamente penetrado ou impregnado de sua ideias e convicções.
Estou aqui a viajar um pouco em minhas ideias filosóficas para atribuir a Sócrates, talvez, as duas maneiras de se sentir afetado por suas ideias. Quando Sócrates interrompia um juiz e o perguntava sobre justiça é porque aquilo o estava estranhando, perturbando, de alguma maneira. Como é que um homem que se diz juiz não sabe nada de justiça!? Por outra, o entranhamento acontecia quando, o tal indivíduo se convencia da sua ignorância e aceitava aprender para encontrar, de fato, a verdade. Perguntar-se é estranhar. Convencer-se em buscar a verdade é o entranhar. Estar convicto da verdade é, sim, ao meu ver, uma espécie de entranhamento.
Acho que nos entranhamos mais do que nos estranhamos. Devia ser o contrário. Somos mais políticos do que filósofos na prática. Políticos gostam mais de acordos, filósofos não. Percebo que o filósofo se lança mais a favor do estranhar. Parece próprio do pensamento estranhar, independentemente das certezas que advenham dele. O pensar é autônomo e não se prende ao entranhar, à verdade. É melhor, ao meu ver, desentranhar do que entranhar para o filósofo. Porém, em se tratando de pessoas comuns, as duas formas de atitudes frente à vida são muito pertinentes e merecem toda a nossa atenção. Para alguns, as certezas(entranhamento) trazem paz e tranquilidade à alma. Para outros, as dúvidas(estranhamento) nos lançam em direção à inquietação, o que também alimenta uma alma curiosa, sábia.
Todavia, estranhamento e entranhamento, como em Sócrates, parecem admiravelmente se completarem de modo estranho a favor do filosofar...


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Licenciado em Filosofia pela UERN e Especialista em Metafísica pela UFRN
www.twitter.com/filoflorania