quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Dos amores de nossas mães


“Uma garotinha, perguntada onde era sua casa, respondeu: onde minha mãe está” (Keith L. Brooks)

            Escrever sobre o amor de nossas mães é um grande desafio. O amor materno é sempre sagrado, capaz de abarcar as dimensões humanas mais ricas e contraditórias. Sua pureza se confunde com “amor radical”, nem sempre compreendido por sua incondicional capacidade de perdoar, de re-atar, de re-considerar, de re-aprender a viver do jeito que é possível, apesar dos pesares.

            Somente as mães conhecem realmente seus filhos e suas filhas. Por conhecê-los tanto e tão bem, são capazes de reconhecer os seus desejos e potencialidades, mas também os seus limites e fragilidades. Não raras vezes, são mal interpretadas porque dedicam mais atenção e apoio para um dos seus filhos ou filhas que, justamente, mais necessita de sua ajuda e presença.

            Nossas mães aprenderam e ensinaram que ser justo é dar a todos e todas as mesmas medidas, as mesmas proporções, dividindo tudo em partes iguais. O bolo de mãe, o melhor de todos, é sempre dividido em partes iguais para cada um de seus filhos e filhas. Parece que esta é sempre a fórmula mais justa de dividir os bens e artigos que possuem materialidade. Mas valerá esta mesma regra para “distribuir” carinhos, afagos, apoio e atenções? Para as mães, não. Para os filhos, sim.  

Sem perceber, nossas mães fortaleceram nossos egoísmos e caíram numa cilada que, não raras vezes, volta-se contra elas na medida em que os filhos, sempre diferentes, exigem que sejam tratados de maneira igualitária. Mas como tratar de forma igual filhos tão diferentes, com diferentes necessidades de compreensão, de apoio, de ajuda de todas as ordens, inclusive ajudas financeiras?

Em toda família com mais de um filho há um que precisa de uma presença, vigilância e cuidado maior do que o outro. Não é verdade que as mães amam diferente a cada um de seus filhos ou filhas e amam em diferentes intensidades, mas é fato que as mesmas dedicam-se aos filhos na proporção da necessidade que os filhos revelam para elas. Por isso mesmo, não se justificam as birras e incompreensões para com elas.

             Não adianta a gente querer esconder de nossa mãe aquilo que a gente é. A mãe da gente não precisa de faro nem de varinha mágica para descobrir o que se passa com a gente. Seu olhar e sua presença transpassam a nossa vida, tornando esta mesma vida como que uma extensão de si mesmas.
            Celebremos, pois, o amor sagrado de nossas mães. Saibamos reconhecer que o bem maior, nossa vida, foi gerado por elas. Saibamos reconhecer que, com a pureza de seu amor, as mães jamais seriam capazes de atrapalhar os nossos planos, desde que estes, uma vez verdadeiros, nos ajudem a ser o que a gente é.

            Todas as mães são únicas. São mães a seu modo por conta de nós, seus filhos. Elas nos geraram, mas não puderam prever como a gente iria ser. Embora insistam em dividir o bolo em partes iguais, por força do hábito, elas nos provam de que fazer justiça não é dividir em partes iguais, mas dar a cada um e cada uma conforme as suas necessidades.
            Vida longa e saudável a todas as mães brasileiras!


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Filhos humanizam



Nei Alberto Pies

 “Os anos deixam rugas na pele, mas a falta de entusiasmo
deixa rugas na alma” (Michael Lynberg)


A paternidade e maternidade estão permanentemente submetidos à avaliação e análises, feitas por todos nós. Somos homens e mulheres que assumiram um compromisso denso com filhos e filhas. E vivemos tempos em que se torna difícil compreender as mudanças culturais que operam neste mundo de ligeiras transformações. Ser pai e ser mãe é mais do que um ofício; é assumir uma missão, criando condições de aconchego e de vôo, como fala Padre Zezinho. Somos pais e mães menos presentes na vida cotidiana de nossos filhos. Por isso mesmo, a convivência com eles pode e deve ser, por excelência, um convite e uma oportunidade para a humanização (nossa e deles).

O ser humano não nasce lapidado, não nasce pronto. Faz-se no tempo, na experiência e na vida concreta. Esta vida concreta é feita de oportunidades. Umas nós mesmos as construímos, sobretudo em nossos espaços de convivência familiar. Outras, o mundo as oferece, de forma permanente. E acontecem longe do controle e da vontade dos pais e mães. Por isso mesmo, educar os filhos e filhas não é uma exclusividade das famílias. A educação das crianças, adolescentes e jovens deve ser também uma responsabilidade compartilhada por todos nós, por toda comunidade.

Certas coisas aprendemos a partir da experiência concreta. Quando éramos apenas filhos, não possuíamos noção da idéia de “pertença” e proteção, tão intrínsecas à vida dos verdadeiros pais e mães. Achávamos que éramos superprotegidos, que nossos pais "desperdiçavam" tempo e cuidado para com a gente. Finalmente, achávamos que o que nos faltava era a liberdade. Com a paternidade e a maternidade passamos a compreender o valor dos “investimentos” afetivos, culturais, emocionais e porque não econômicos que pais e mães fizeram e fazem em função de seus filhos. Filhos não tem mesmo condições para compreender estes valores, mas deveriam aceitar a idéia de que pais e mães só querem proteger, porque ainda os consideram seres frágeis e suscetíveis a muitos perigos que os rondam enquanto forem crianças, adolescentes ou jovens. E que estes perigos são reais, e existem.

 Por sua vez, a sabedoria popular encarregou-se de nos ensinar que “filhos a gente não cria para a gente. Filhos, a gente cria para o mundo”. Diz Padre Zezinho que “não dá para ninar um filho a vida inteira. Um dia a aguiazinha fica madura e precisa voar sozinha e fazer seu próprio ninho. Tem que haver mais do que asas de mãe naquela vida. Existe vento forte lá fora e alguém tem que empurrá-las para voarem sozinhas. Filho que não entende isso chega aos 32 anos dependendo da mesada do pai. Pai que não entende isso vai amar errado. Há um tempo para o aconchego e outro para o vôo para longe. Ou isso, ou não haverá mais águias..”.

 O ambiente familiar é um espaço privilegiado de promoção de vida, dignidade e de humanidade. Aqueles e aquelas que, convivendo, compõem um ambiente de relações afetivas e próximas, podem construir a mais rica experiência do amor. Mas há que se considerar ainda os filhos e filhas dos outros e outras. Aqueles que não possuem um ambiente familiar que os promova e os proteja. De quem a responsabilidade? Se filhos do mundo, também filhos nossos. São de nossa responsabilidade também.

Rugas no corpo são inevitáveis com o passar do tempo. Rugas na alma não colam naqueles que são entusiastas da vida, do amor e do ambiente familiar. Nossas famílias devem ser lugares de aconchego e de vôo. Aconchego e vôo são da essência humana; constroem felicidade.


Nei Alberto Pies,
professor e ativista de direitos humanos

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Da força do amor



Nei Alberto Pies
O amor é doação. Tudo o que contradiz a doação, machuca”.

O amor é uma das ideias mais revolucionárias, capaz de garantir condições de vida em segurança. O medo, valor tão propagado e vivenciado por conta da violência cotidiana, não pode nos apequenar diante dos desafios de sempre construir vida na dignidade, a partir de relações de respeito, consideração e apreço de um para com o outro. O medo nos protege e não irá nos desencorajar para a vivência e a convivência humana.

Nossa civilização “encaixotou” o afeto. O afeto estimula a criarmos as condições para nossa plena realização. O ser humano é um ser em construção, por isso mesmo exige investimentos afetivos a vida toda. O cuidado, como algo essencial e que constitui a nossa condição humana, deve ser resgatado se quisermos devolver à humanidade o verdadeiro sentido de sua existência.

Não sobrevivemos se não somos bem cuidados. Na escala dos seres vivos, somos os mais dependentes de todos. Saímos da barriga da mãe, caímos nos braços de uma família. Aos poucos vamos crescendo e nos integrando aos grupos sociais da escola, da vizinhança, dos amigos, dos colegas de trabalho. E cada fase de nossa vida exige que sejamos cuidados e que saibamos cuidar, da gente e dos outros.

A necessidade do cuidado e as carências afetivas, próprias do ser humano, não constituem nenhuma fraqueza. O que nos torna fortes e capazes de superar as contradições é a coragem de assumirmos nossas carências, pois estas é que nos desafiam para o crescimento e discernimento pessoal, afetivo e social. As relações que se constituem na partilha, na compreensão, na doação, na gratuidade e na confiança são oportunidades que muitos constroem por acreditarem que sua realização depende da integração, convivência e complementariedade a serem construídas junto com os outros. São também excelentes oportunidades de vivenciar a doação, pois vida existe se for compartilhada.

Redescobrir-se em permanente relação com os outros é a grande contribuição que cada um pode oferecer
para a elevação de uma consciência de humanidade. Reconhecer e vivenciar valores como a solidariedade, a amizade, o amor, a partilha e a alteridade pode nos possibilitar um mundo com menos violentos e menos violentados.

A solução para os problemas de convivência social não passa pela construção de novos presídios e nem pelo endurecimento de nossas leis. A solução passa pela promoção da vida e da humanidade, através do cultivo de relações de respeito, amor e afeto. Passa também pela promoção da justiça. Romantismo? Não para os que acreditam que o amor é sempre maior do que o medo e a dor. O amor sempre foi a inspiração dos grandes mestres como Jesus Cristo, Madre de Calcutá, Gandhi, Dallai Lama, Chico Xavier e outros tantos mais. Aprendamos com eles se quisermos sobreviver plenamente realizados e livres.
 
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.