quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Desigualdade e Meritocracia escolar


Jéferson Dantas 1

          François Dubet (1946), sociólogo francês e herdeiro do pensamento sociológico de Alain Touraine 2 (1925) nasceu em Périgueux e é atualmente professor na Universidade de Bordeaux II, além de ser diretor de estudos na L'École des Hautes Ètudes en Sciences Sociales (EHESS). Autor de numerosas obras consagradas aos estudos da marginalização juvenil, à escola e suas instituições, Dubet nas duas obras aqui elencadas, procura compreender as categorias igualdade e desigualdade, tendo como parâmetros argumentativos o triunfo do Liberalismo e da Modernidade no século XVIII 3. Nesta direção, sua discussão se espraia na formulação do princípio de igualdade formal numa sociedade marcada, sobremaneira, pela desigualdade social.

          Para Dubet (2003, p. 23-24), as desigualdades devem ser analisadas como um “conjunto de processos sociais, de mecanismos e de experiências coletivas e individuais” e que os indivíduos na ‘modernidade’ são considerados cada vez mais iguais e suas “desigualdades empíricas não podem basear-se nem no nascimento, nem na raça, nem na tradição”. Logo, as desigualdades formais e jurídicas são substituídas pela atividade e o sucesso dos ‘atores’, o que não significa que sejam menores, já que são abertas e produzidas por indivíduos ‘fundamentalmente iguais’. Nesta direção e a partir da formulação jurídica burguesa, revela-se o “apelo a uma concepção heróica do sujeito igual”, ampliando a experiência da desqualificação e do desprezo, “pois a pessoa é despojada de estruturas sociais e culturais desiguais que a impedem de ser livre e responsável” (Idem, p. 57). No que tange aos processos de escolarização de crianças e jovens, esta premissa de Dubet é ainda mais evidente, principalmente para aqueles/as que ao entrarem no jogo da igualdade formal sempre têm a sensação de que sairão perdendo. Assim, “alunos decidem não trabalhar para que seu desempenho não comprometa seu valor, sua igualdade fundamental, eles ‘escolheram’ ser reprovados na escola, o que os poupa de serem atingidos por seu fracasso” (Idem, p. 59).

          Desse modo, a escola democrática de massa não conseguiu cumprir o seu pressuposto, ou melhor, continuou reproduzindo os arbitrários culturais existentes na sociedade capitalista. Na análise de Dubet não são mais as desigualdades sociais que selecionam os alunos fora de sua escolarização, “desde então são os próprios mecanismos escolares, as notas e as decisões de orientação que fazem o ‘trabalho sujo’. De fato, a escola não é mais percebida como um refúgio de justiça num mundo injusto” (2008, p. 32-33). Dubet também denuncia a ‘farsa meritocrática’, já que os resultados escolares dos estudantes estariam associados diretamente ao seu trabalho e esforço. Destarte, ‘falta de trabalho’, ‘falta de atenção’, ‘falta de seriedade’ (em outras palavras, o discurso da ‘carência’) “são as explicações mais banais das desiguais ‘performances’ dos alunos, em todo caso, aquelas atribuídas aos próprios alunos. [...]. Assim, o aluno que fracassa aparece como o responsável pelo seu próprio fracasso [...]” (Idem, p.40-41).

          A ‘igualdade das oportunidades’ tratada por Dubet não pode ser compreendida pela ‘crueldade das provações do mérito’ – e isto lembra em muito o princípio escolanovista no Brasil durante a década de 1930 -, mas ela é necessária na lógica da mobilização de princípios de justiça e exigências morais fundadas numa sociedade democrática. Assim, “a igualdade das oportunidades é consubstancial ao princípio de liberdade individual que dá a cada um o direito e o poder de mediar seu valor em relação ao dos outros e que a igualdade de acesso aos estudos é decisiva [...]” (2008, p. 49).  O sociólogo francês ainda faz uma importante e assisada observação em relação à ação dos professores em tal contexto marcado pela meritocracia e o insucesso escolar: “Os professores [...], sabem quem serão os eleitos e quem serão os perdedores [...]. Mas todos são levados a acreditar e a manter a ficção, pois, sem ela, o trabalho pedagógico não seria mais possível e toda a arquitetura da igualdade e da liberdade desmoronaria” (Idem, p. 53).

          Por fim, ainda que Dubet se debruce teoricamente numa perspectiva microsociológica, o autor não se esquece dos ensinamentos marxistas: “É preciso constatar que o marxismo não foi substituído por uma concepção estrutural homogênea [...] das desigualdades, explicando ao mesmo tempo as condutas dos atores e o funcionamento do sistema” (2003, p. 68). Todavia, Dubet procura ampliar o debate sobre as desigualdades sociais em contextos aparentemente democratizantes como é o caso da escola. Para tanto, demonstra como os mecanismos perversos de avaliação escolar e uma ‘inclusão desigual’ podem ser trágicas para crianças e jovens que não apresentam os códigos culturais esperados pela escola. Acima de tudo, o sociólogo escancara a lógica reducionista do aparato jurídico burguês que ao tratar ‘desiguais como iguais’ omite elementos fundantes de diferenças econômicas, de raça, de gênero e de classe, reforçando ideologicamente a prática meritocrática como um valor intrínseco, sem qualquer mediação histórica.

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1 Historiador e Doutorando em Educação (UFSC). Autor do livro Competências e Habilidades e a formação docente no contexto das Leis 5.692/1971 e 9.394/1996 em Santa Catarina (CBJE, 2009). E-mail: clioinsone@gmail.com

2 Responsável pela formulação teórica da ‘Sociologia da Ação e dos Movimentos Sociais’.

3 Modernidade que veio acompanhada de três importantes processos revolucionários: a Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688); a Revolução Francesa (1789) e a Independência estadunidense (1776), além dos desdobramentos do capitalismo industrial entre os séculos XVIII e XIX.


          PARA SABER MAIS:

DUBET, François. As desigualdades multiplicadas. Traduzido por Sérgio Miola. Ijuí/RS: Ed. Unijuí, 2003.

DUBET, François. O que é uma escola justa? – A escola das oportunidades. Traduzido por Ione Ribeiro Valle. São Paulo: Cortez, 2008.



Jéferson Dantas também é um dos autores
do SER - Sistema de Ensino Reflexivo,
pela Editora Sophos.

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para conhecer mais sobre o livro
Dialogando com a História

(Coleção Didáticos Reflexivos do SER).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Somos nossa dignidade


"Não há democracia sem respeito aos direitos humanos, assim como não é possível garantir quaisquer direitos fora do regime democrático." (Margarida Genevois)

Festejar os 61 anos da DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos) significa re-significar o sentido dos próprios direitos humanos. Nascidos num contexto de barbárie, após a II Guerra Mundial, a humanidade aspirou novos valores para conduzir a historia da humanidade: a paz, a dignidade humana, a justiça social, o desenvolvimento, a democracia. No atual contexto brasileiro, é preciso reconhecer que ainda precisamos ensinar e promover muito nossa cidadania, para promover direitos humanos.

Direitos humanos são uma construção histórica e se fazem através de muita organização e luta. A diversidade (da vida, dos pensamentos e das culturas) estão na base de sua construção. Somos iguais, e diferentes. E o reconhecimento das necessidades humanas significa reconhecer em cada um e cada uma a idéia de que todos somos "sujeitos de direitos". Somos sujeitos de direitos, capazes de nos reconhecermos nos outros, e com eles, na interação, agir para transformar realidades de discriminação, preconceito, privilégios, domínio ou exploração, exclusão.

As nossas maiores lutas, individuais ou coletivas, visam o reconhecimento de nossa condição humana e as nossas potencialidades. Por conta disso, direitos humanos pressupõe dignidade, esta palavra de tão difícil conceituação, mas de fácil percepção quando ausente nas vidas humanas. Reconhecidos, estamos em condições de realizar o nosso maior desejo humano: a felicidade. Sim, pois é para isto que vivemos, que lutamos e que sonhamos, a vida inteira.

A cultura brasileira, entendida como nosso modo de ser, pensar e agir coletivos, ainda carrega ranços que não nos permitem plena liberdade e plena cidadania. Muitos brasileiros entendem direitos como favores, ou como sorte. Como uma democracia recente, carecemos de habilidades políticas para vivermos bem a nossa democracia. Os gregos concebiam democracia como a arte de governar e ser governado. Neste contexto, compreende-se, de fundamental importância, o papel da educação. O cidadão, imbuído de sua condição de portador de direitos e o Estado promovendo os direitos humanos, através de políticas públicas, extensivas a todos e todas.

A educação em direitos humanos significa educar para a democracia, oportunizando que os cidadãos tenham noção de seus direitos e deveres e que lutem por eles. É papel da escola, e da educação, contribuir para a compreensão do mundo, para uma melhor inserção nele. A cultura de direitos humanos sugere condições em que ocorram a tolerância, o diálogo, a cidadania, a diversidade. Deve também permitir a liberdade de organização e luta aos grupos organizados em torno de seus direitos. Deve exigir um Estado protetor e promotor de direitos humanos, e não violador da vivência da cidadania e das liberdades.

A consciência, quando transformada em luta (diária, cotidiana, permanente) garantirá a exigibilidade de nossos direitos. Esta luta não é solitária, como ensina Gonzaguinha: "... aprendi que se depende sempre. De tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho, por mais que pense estar".

A dignidade, da qual todos somos portadores, abre horizontes para a necessidade do outro. Eu, você e nós só seremos felizes se pudermos compartilhar vida plena, na humanidade que reside em cada um e cada uma de nós, sendo iguais nas nossas diferenças

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Qual diferença a partir de uma Educação Reflexiva?




Prof. Dr. Silvio Wonsovicz *

Sinto-me honrado por participar do encerramento da Semana da Educação do Município de São José com um tema tão importante para nós educadores que estamos nas escolas, que temos uma responsabilidade enorme enquanto cidadãos e, que passamos por tantas dificuldades. Nós que vivemos grande parte de nossa vida profissional e produtiva no ambiente ESCOLA. Lugar onde nos realizamos como indivíduos e realizamos muito com muitos outros indivíduos.

– “Dos Saberes Acadêmicos aos Saberes Cotidianos, uma Prática Possível” – Tema das conferências, palestras, oficinas, discussões aqui apresentadas. Objeto de nossas angústias, quando expressamos (e quem de nós um dia já não disse – “Na teoria é muito bonito, quero ver na prática”). Portanto fazendo parte de nossas discussões teóricas e práticas nos conselhos de classe, no dia a dia da sala de aula, da hora do intervalo, da nossa vida na escola enquanto profissionais da educação.

Quero iniciar minhas reflexões nessa Mesa de Encerramento que tem como tema: “A Diferença se faz pela Educação” com uma história chamada – “Faça o que eu faço” atribuída a Gandhi


Faça o que eu faço
Uma mãe levou o filho até Mahatma Grandhi e implorou-lhe:
- Por favor, Mahatma, diga a meu filho para não comer mais açúcar...
Depois de uma pausa, Gandhi pediu à mãe:
- Traga seu filho de volta daqui a duas semanas. 
Duas semanas depois, ela voltou com o filho. Gandhi olhou bem fundo nos olhos do garoto e lhe disse:
- Não coma açúcar...
Agradecida, porém perplexa, a mulher perguntou a Gandhi:
- Por que me pediu duas semanas? Podia ter dito a mesma coisa a ele antes!
E Gandhi respondeu-lhe:
- Há duas semanas, eu estava comendo açúcar.
Extraído do livro “Como atirar vacas no precipício”



Atribuir que A Diferença se faz pela Educação é colocar o ponto de transformação da sociedade em um elemento indefinido - Educação.

Dizer que um país só irá alcançar um bem estar social, econômico pela Educação é genérico e vago. Que Educação? Qual diferença? Para que? Com quem?

Somos nós educadores os responsáveis primeiros para que isso venha acontecer – só teremos uma diferença acontecendo na educação se ela realizar-se conosco em primeiro lugar. É Gandhi dizendo não coma açúcar com propriedade depois de duas semanas em que deixou de comer açúcar.

- Onde quero chegar com minha breve reflexão?

Na valorização e importância de nós educadores, tomarmos a escola e a Educação nas mãos e dizermos, com competência quais conteúdos, reflexões e ações queremos concretizar na Comunidade em que a Escola está inserida.

- Como isso?

Precisamos nos dar conta de que somos os agentes responsáveis para que nossa ação faça diferença. Como? Nos apropriando cada vez mais dos conhecimentos e saberes acadêmicos para entendermos e apoderarmo-nos dos saberes e entendimentos do cotidiano de nossos alunos e comunidade em que estamos. Em outras palavras – Estudarmos, estudarmos e estudarmos....

Precisamos, como educadores, ser cientistas, investigadores, leitores, construtores de idéias e teorias, escritores de nossa prática. Agora isso precisa ser feito em Comunidade de Aprendizagem Investigativa escolar – isto é envolvendo todos educadores e os saberes, sozinhos nossa teoria e prática passam a ser estéreis... não darão frutos ou esses podem não ter sementes... Aí voltamos as velhas colocações:
- O que fulano (a) quer com tudo isso?
- Você já faz demais pela valorização que lhe dão...
- Ele (a) está começando na carreira, por isso toda motivação...

Mas não é sobre isso que quero refletir nesse momento. Quero levantar questões para continuarmos a pensar no nosso dia a dia, na minha sala de aula, na minha escola, no conselho de classe, com o aluno ou pai que me afronta, na sociedade que não me valoriza e (muitas vezes eu mesmo não me valorizo) mas preciso perguntar:



O  Que é e como educar hoje?
Minha resposta, construída em cima de minha prática: Educar hoje é preparar indivíduos e grupos, dentro de uma Investigação Ética responsável.

Como?

  • Através de um Humanismo com espírito livre, isto é, com responsabilidade “Buscamos e sonhamos que nossos alunos participem desse mundo como autores”
  • Pensando melhor a linguagem e aprimorando o raciocínio;
  • Abrindo espaços para o diálogo constante;
  • Acreditando numa Educação que leve para a Reflexão...


Para que?
“Para nunca aceitar de imediato os fatos, a realidade como nos apresentam. Precisamos pensar maiores considerações para iniciarmos o processo de aceitá-las ou não.”

- A Diferença se faz pela Educação quando construirmos em cada sala de aula e na escola a Comunidade de Aprendizagem Investigativa.

A existência da Comunidade de Aprendizagem Investigativa vincula-se a alguns fatores essenciais:
* Escola, sala de aula..., aberta ao novo;
* Profissionais de educação efetivamente “habilitados”;
* Educandos como sujeitos aprendentes.

Objetiva-se nessa COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM INVESTIGATIVA:
1. Ao invés de conteúdos, habilidades, participação, socialização dos saberes;
2. Ao invés das verdades prontas, hipóteses e reflexões;
3. Ao invés do ensino magistrocêntrico, o trabalho em equipe, a participação efetiva de todos.


Para encerrar uma história convidando a nos educadores fazermos diferença pela Educação


Você é uma maravilha
Cada segundo que vivemos é um momento novo e único do universo, um momento que nunca mais existirá... 
E o que é que ensinamos aos nossos filhos? Ensinamos a eles que dois mais dois são quatro e que paris é a capital da frança. 
Quando ensinaremos a eles o que eles são? 
Deveríamos dizer a cada um deles: sabe o que você é? Você é uma maravilha. Você é único. Em todos os anos que se passaram, nunca houve outra criança como você. Suas pernas, seus braços, seus dedos inteligentes, a maneira como você se move. 
Você pode se tornar um Shakespeare, um Michelangelo, um Beethoven. Você tem capacidade para qualquer coisa. Sim, você é uma maravilha. E quando crescer, como então poderá fazer mal a uma outra pessoa que, como você, é uma maravilha? 
Você deve trabalhar - todos devemos - para tornar o mundo digno de suas crianças. 
(Livro: Canja de galinha para a alma. De Jack Canfield & Mark Victor Hansen, Ediouro, 2002)

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* Artigo para Mesa Redonda no encerramento da Semana da Educação promovido pela Secretaria de Educação de São José/SC -  30 de julho de 2009.