quinta-feira, 27 de maio de 2010

A Síndrome de Burnout: limites/possibilidades do fazer pedagógico


 Jéferson Dantas *



          A priori, poderíamos dizer que a Síndrome de Desistência do/a educador/a ou Síndrome de Burnout é um sintoma bastante presente na vida de qualquer trabalhador/a em educação. Deve-se perceber, todavia, que esta síndrome é multidimensional, ou seja, carrega consigo pelo menos três elementos essenciais: 1) Despersonalização; 2) Exaustão emocional e 3) Falta de envolvimento pessoal no trabalho. Logo, estes três elementos coadunados revelam uma “situação em que os trabalhadores sentem que não podem dar mais de si em nível afetivo e percebem esgotada a energia e os recursos emocionais próprios, devido ao contato diário com os problemas, endurecimento afetivo, ‘coisificação’ da relação e tendência de uma ‘evolução negativa’ no trabalho”, conforme pesquisa desenvolvida por Wanderley Codo no final da década de 1990.

          Os/as educadores/as, embora tenham controle sobre o seu trabalho (todas as etapas do processo de produção do conhecimento), sofrem psiquicamente quando não conseguem atingir os seus objetivos pedagógicos. Este sofrimento quando não encontra um restauro imediato, tende a internalizar no/a educador/a uma sensação constante de impotência diante das demandas estruturais e conjunturais em seu ambiente de trabalho. Como nos ensina Paulo Freire, precisamos fugir do discurso fatalista dos governos neoliberais e acreditar numa força capaz de arregimentar uma “nova rebeldia (...) a ética universal do ser humano e não a do mercado, insensível a todo reclamo das gentes e apenas aberta à gulodice do lucro. É a ética da solidariedade humana”. Dizer isso é radicalizar o espírito dos/as educadores/as. Mostrar-lhes que os caminhos – embora áridos – dependem de organização pessoal e material.

          Além disso, atender públicos escolares tão díspares, com perfis sociais tão diversificados exige dos trabalhadores em educação uma formação que vá além daquela recebida nos bancos de uma universidade (formação inicial). A formação continuada possibilita ao/à educador/a estar atento ao seu tempo, ser protagonista e ao mesmo tempo coadjuvante no momento das decisões coletivas. Diante disso, os/as educadores/as não podem se isolar. A criação é um processo muito rico, embutido nos planejamentos coletivos e em consonância com o PPP (Projeto Político Pedagógico) da unidade escolar. Um ambiente de trabalho criativo é dotado de possibilidades pedagógicas. Mas, acima de tudo, é um ambiente onde os trabalhadores em educação se sentem à vontade para trocar idéias; onde impera a construção do conhecimento e a ludicidade necessárias para se promover um espaço sadio de interatividade intelectual.

          A Síndrome de Burnout, nesta direção, só poderá ser combatida de maneira orgânica. Atacar seus pontos fortes (despersonalização, exaustão emocional e falta de comprometimento) exigirá uma reorganização da classe docente, um sentimento de pertencimento ao ambiente escolar. Fundamental esclarecer, porém, que não são apenas os/as educadores/as que sofrem desta síndrome. Os orientadores educacionais sofrem quando não conseguem solucionar as dificuldades de aprendizagem dos/as estudantes com históricos de multirrepetência e a própria ansiedade das famílias; os supervisores sofrem quando não conseguem auxiliar de maneira adequada os educadores no seu planejamento diário; os diretores sofrem quando precisam cuidar e evitar a depredação do patrimônio público, tentando liderar de forma mais democrática possível as demandas da comunidade escolar e local.

          Enfim, no epicentro de todos estes tensionamentos, uma das saídas possíveis para amenizar a síndrome, é compreender que a insatisfação do trabalho docente não pode ser desconectada de todas as demais instâncias deliberativas da escola e das políticas públicas educacionais implantadas até o momento (condições de trabalho, planos de carreira, salários dignos). O percurso é sinuoso, repleto de percalços e resistências. Mas pode ser menos doloroso psiquicamente se o/a trabalhador/a em educação puder ter momentos de discussão na escola, onde suas angústias possam ser canalizadas a partir de toda uma dinâmica dialética. A desistência sistemática dos/as educadores/as – e de educadores/as jovens, sobretudo – infelizmente, só agravará o quadro já caótico do ensino público no país.


PARA SABER MAIS

CODO, Wanderley (Coordenador) Educação: carinho e trabalho- Burnout, a síndrome da desistência do educador, que pode levar à falência da educação. 2ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes/ Brasília: CNTE: UnB: Laboratório de Psicologia do Trabalho, 1999.

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* Professor universitário e Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: clioinsone@gmail.com. Consultor e articulador pedagógico na comissão de educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC).

Jéferson Dantas também é um dos autores
do SER - Sistema de Ensino Reflexivo,
pela Editora Sophos.

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para conhecer mais sobre o livro
Dialogando com a História
(Coleção Didáticos Reflexivos do SER).



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quinta-feira, 20 de maio de 2010

À Diversidade das aptidões

“Sabemos que vivemos em um mundo globalizado onde a competência significa ser útil no papel em que desenvolve, ou dotado de outras habilidades além das que tem?”
A diferença entre as capacidades naturais dos diversos homens é, na realidade, muito menor do que aquilo que podemos pensar; e a grande disparidade entre os diversos talentos que parecem distinguir os homens das diversas profissões quando chegam à maturidade é normalmente muito menos uma causa do que um efeito da divisão do trabalho. Mais do que a natureza, parecem ser os hábitos e a educação que explicam a diferença existente entre os caracteres mais díspares, por exemplo, entre um filósofo e um carregador. Quando vieram ao mundo, e durante os primeiros seis ou oito anos da sua existência, eram talvez muito parecidos; nem os pais, nem os companheiros de brincadeira teriam podido notar grandes diferenças entre eles. Mas nessa idade, ou pouco depois, as crianças empregam-se em diferentes ocupações; começa-se então a notar uma diversificação dos respectivos talentos, que vai tomando incremento, até dar origem. Esta tendência, além de procurar uma notória diferença de talentos entre os homens das diversas profissões, também a torna útil. Por natureza, um filósofo não é tão diferente de um carregador em capacidade e aptidões. Os talentos mais díspares são úteis uns aos outros isto porque os diferentes produtos das suas respectivas aptidões, devidos à tendência geral para trocar e comprar passam a fazer parte de uma mesma reserva à qual os homens podem ir buscar tudo aquilo de que necessitam.

“Se não existisse em cada homem a tendência para a troca e para compra, este ver-se-ia obrigado a produzir todas as coisas necessárias e úteis para a sua vida. Todos teriam os mesmos deveres e realizariam o mesmo trabalho; nessa condições, nunca poderia existir a enorme diferença de ocupações que, por si só, dá origem à diversidade das aptidões”.

Thamário Everley Conrado Pereira é acadêmico de Direito, da Faculdade Alfredo Nasser e membro ativo do Pajupu (Programa de Assessoria Jurídica Popular Universitária)
Email: t.everley_stylenet@hotmail.com

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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Somar - viver melhor.

A filosofia é sempre uma atividade perigosa, porque nos instiga a pensar.
          "Pensar bem, para viver melhor", era desejo dos gregos. Para alcançar o real desenvolvimento humano, recomendavam a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça. Na Grécia Antiga competia-se em tudo, sobretudo no campo das idéias e dos destinos da cidade (polis), tendo em vista ser cidadão (capaz de governar e ser governado). Neste sentido, herdamos o desafio de formarmos seres humanos preparados para viver a vida e a cidadania.


          Como viver? é uma das perguntas mais importantes a serem respondidas nos dias atuais. Se “é preciso saber viver”, as formas de construir nossa vida sempre passam ou pelo individualismo ou pela coletividade. A sabedoria de nosso poeta maior Gonzaguinha revela que aspiramos por humanidade, construída por várias e distintas mãos, e que somos marcados uns pelos outros. Disse o poeta: “e aprendi que se depende sempre, de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente entende que nunca está sozinho, por mais que pense estar”.


          A tarefa de construir-se sujeito no mundo e sujeito do mundo não é uma responsabilidade reservada a cada um individualmente, mas enseja o modo de ser, pensar e agir no mundo, a partir da coletividade. Esta, por sua vez, deve permitir a construção de uma cidade justa, solidária, que contemple as nossas diferenças. 


          A maior riqueza da humanidade está nas diferenças culturais, que traduzem o modo de ser, pensar e agir de cada ser humano e de todos os povos. Reconhecer estas diferenças enriquece nosso conceito de humanidade. Somos diferentes nas potencialidades, nos modos de vida e nos pensamentos. As potencialidades humanas requerem reconhecimento social, seja pelos méritos pessoais ou méritos coletivos. Por isto que justiça não pode supor relações subalternas, mas o tratamento da igualdade a partir das diferenças.


          Em 2010, ocorre a terceira Olimpíada Filosófica do Rio Grande do Sul, na PUC-RS, em Porto Alegre, com o tema É preciso saber viver? O que precisamos saber para cuidar da vida? Se ninguém pode dar aquilo que não tem, todos nós somamos talentos e possibilidades para tornar nossa vida a melhor possível, respeitando os limites da gente e os limites dos outros.


          O formato das olimpíadas filosóficas pressupõe o diálogo sobre as possibilidades de uma vida mais justa, feita através da liberdade, e considerando a possibilidade da felicidade de todos e todas. As olimpíadas permitem transformar a rebeldia saudável dos jovens em atitudes cidadãs, a partir do conhecimento gerado pelo reconhecimento das idéias de todos. O convite que se faz aos jovens estudantes é que se superem a si mesmos, com novas formas de agir e pensar, num espírito de cooperação e amizade. Se a filosofia é arte de pensar, os jovens aproveitam suas idéias e seus pensamentos para conquistar novas amizades e novas percepções de vida e de mundo. A humanidade se faz em movimento, de pessoas e de idéias.




Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.

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quinta-feira, 6 de maio de 2010

A invenção da verdade denunciada por Nietzsche

Autor: Matheus Arcaro
(fonte no final do texto)

Verdade! A musa a ser conquistada pela Ciência, pela Filosofia e, porque não por nós, pessoas comuns que no dia a dia tomamos-na como parâmetro para as nossas decisões, para rumar o nosso pensamento.

Mas, a verdade é real? É engendrada? Como ela nasce, afinal?

Questões como estas impulsionaram o jovem Nietzsche em sua pesquisa que culminou no breve, porém rico ensaio intitulado “Sobre a mentira e a verdade no sentido extra-moral”.

Antes, contudo, de analisarmos esse problema cabe uma breve contextualização de sua filosofia: Nietzsche é um pensador de combates. Suas obras são grandes máquinas de guerra prontas a destruírem o edifício lógico-moral, sustentado pelo platonismo e sua vertente ordinária, o cristianismo. Sua obra é escrita com “sangue e máximas”, marcadamente assistemática. A primeira grande “contradoutrina” de Nietzsche surge na pretensão de se opor à “metafísica racional” e instaurar a “metafísica do artista” que concebe a Arte como a atividade libertadora do homem; apenas a arte possibilita uma experiência da vida em sua plenitude. A Arte é o outro lado, um solo “extra”, “para além” da tradição filosófica e suas facetas lógicas e morais. Afirma Nietzsche: “A arte é a única força superior contraposta a toda vontade de negação da vida”.
Com estas curtas pinceladas, podemos partir para o problema da verdade.
Nietzsche começa afirmando que o intelecto humano é totalmente sem finalidade e gratuito perante o todo, frente à natureza. “Se pudéssemos entender-nos com a mosca, perceberíamos que ela sente em si o centro voante deste mundo”. Acreditamos que, por nosso intelecto, somos seres superiores. Mas ele é apenas um meio de conservação do homem, ser mais fraco, menos robusto, ao qual que está vedada a luta pela existência com chifres ou presas. O indivíduo, para conservar-se, para existir socialmente, precisa usar o intelecto. Precisa de um acordo de paz para que a “guerra de todos contra todos” desapareça de seu mundo. Esse pacto é o primeiro passo para o impulso à verdade, que nada mais é do que um tratado de paz. Concebendo a verdade como possibilitadora da vida social, Nietzsche chega a um primeiro contraste entre verdade e mentira: o mentiroso usa as designações válidas, as palavras para fazer aparecer o não-efetivo como efetivo; ele diz, por exemplo: ‘sou rico’, quando para seu estado seria precisamente ‘pobre’ a designação correta.

O que caracteriza ainda mais a verdade como uma criação puramente humana são as conseqüências advindas tanto da verdade como da mentira. O que o homem odeia é ser prejudicado tanto por uma, quanto por outra. Se o resultado da mentira é benéfico, então a verdade, em oposição, não é desejada e, até mesmo, repelida.

Central no texto “sobre a mentira e a verdade no sentido extra-moral” é a contraposição entre Metáfora e Conceito. Conceito, segundo a tradição, é o que define a substância. É ele que possibilita a descrição, a classificação e a previsão dos objetos cognoscíveis. O conceito, de modo geral, é a essência necessária, pela qual não pode ser de modo diferente. Para Nietzsche, a metáfora é a imagem do próprio mundo. Conceituar é congelar; é reduzir as muitas possibilidades a um único significado. Por um ato arbitrário de persuasão, ou seja, pela linguagem, introduz-se uma das muitas possibilidades da “metaforicidade” do mundo. Por trás disso, está a vontade de conservação, ordenação e pacificação, que não são naturais do mundo.

“Todo conceito nasce da igualação do não igual. Uma folha nunca é igual outra folha e, no entanto, o conceito de folha abandona arbitrariamente essas diferenças, essas individualidades e desperta a representação da folha, uma espécie de folha primordial, segundo a qual todas as folhas são tecidas.
Dividimos as coisas por gêneros, designamos a árvore como feminina e o vegetal como masculino. Que transposições arbitrárias! Que preferências unilaterais ora por esta, ora por aquela propriedade do objeto.”

A verdade nada mais é do que um batalhão de metáforas, metonímias, antropomorfismos que, após um longo uso, parecem sólidas, canônicas, obrigatórias. As verdades são ilusões, são conceitos que se esqueceram da sua origem metafórica.


O homem, falando a verdade, mente da maneira designada, inconscientemente e segundo hábitos seculares. Justamente por esse esquecimento, chega ao sentimento de verdade.
Quem está contaminado pela frieza dos conceitos, dificilmente acreditará que até o conceito aparentemente mais verdadeiro, como ósseo, por exemplo, não passa de um resíduo metafórico.
Eis a imagem: a verdade é como alguém que encontra um tesouro atrás de um arbusto. Tesouro este que ele mesmo escondeu. Defino o camelo como animal mamífero e, depois de inspecionar um camelo declaro: Vejam, um animal mamífero! Informação antropomórfica sem um único resquício de verdade!

Criticando a verdade, Nietzsche nos mostra a decadência de uma sociedade cientificista. Esta confiança ignorante nos preceitos e valores científicos constitui-se na negação do que o homem possui de mais humano. E, por negar sua humanidade, Nietzsche diagnostica o homem moderno como doente, propondo a arte como um medicamento capaz de levar a cura.

Fonte: http://oqueinspira.blogspot.com
Publicado e divulgado sob autorização do autor.

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