quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Professor – um profissional ímpar

ELZA MARIA BRITO PATRÍCIO*
PROFESSORA UNIVERSITÁRIA

Sabemos claramente a dimensão educativa, a extensão do papel do professor, e de sua importância na sociedade, poderemos tornar o trabalho de educar bem mais significativo. Mesmo constatando que, de um modo geral, não haja reconhecimento compatível com a valiosa missão do professor e sua indispensabilidade no processo de desenvolvimento e construção do ser humano, em todas as etapas da vida, isso não deve ser razão para nos desestimular-mos, se realmente estamos convictos da opção profissional que fizemos. Diante da pergunta: é possível imaginar uma sociedade sem educação, portanto, sem professor? Dir-se-ia que não. 
 As competências mais ferais para a vida e a rapidez com que tanta coisa se transforma, exige aprendizado contínuo, numa gradativa promoção de conhecimentos, o que se desencadeia, sem dúvida, no interior das instituições educacionais nos diversos níveis de ensino e muitas são as razões para se considerar a relevante função do professor. 
Destacam-se algumas delas na sua parceria com o alunado: ampliação e diversificação de conhecimentos, aprendizagem de tantas habilidades, desdobramento de valores, entendimento da cultura sob vários prismas, valorização das diferenças individuais, preparação para o futuro com indicativos que proporcionem condições para optar pela profissão que vai abraçar, enfim, uma gama de ações que, reflexivamente, serão mediadoras de tantas outras ações na pluralidade dos contextos sociais. É necessário que os professores, mesmo considerando as grandes diferenças existentes entre cada um dos seus alunos, a heterogeneidade existente nas turmas, a falta de base conceituais relativas a estudos anteriores, acreditem no potencial dos seus alunos e, por conseguinte, levem em conta: as experiências deles, os conhecimentos adquiridos, os valores internalizados, o despertar de novos modos de pensar, fazendo um esforço conjunto para produzir novos saberes, debruçar-se sobre os desafios que o mundo lhes apresenta, estando sempre atentos aos anseios expectativas dos alunos. 
Assim sendo, o professor, com sua formação, seu modo de ser, todos os objetivos de suas experiências, todas as situações vivenciadas por ele, todo o nível de preparação e competência e m sua área de saber, todas as relações que estabelece durante o processo educacional, têm uma determinada significação, portanto, são permeados por um grande índice de valoração, sendo, os valores éticos, os que devem nortear suas atividades, porque, subjacente a elas estão a consciência dos direitos e dos deveres, a responsabilidade, o comprometimento, as tomadas de posição, avaliação e reavaliação, a busca de realização pessoal, social e profissional, enfim, tudo que evidencia o seu ser-com-os-outros. 
Estamos diante de algumas exigências básicas que revelam uma necessária interação entre alunos e professores e, por conseguinte, uma relação dialógica e dialética, nesse processo de ensino-aprendizagem, na superação da visão simplista de mundo, para a aquisição de uma compreensão realmente construída e reconstruída da realidade. Um outro ponto a considerar, é a questão da competência que precisa ser constantemente nutrida com a atualização de conhecimentos, na medida em que nos sentirmos comprometidos com a formação de tantos seres humanos desde a mais tenra idade... Por fim, além das dimensões ética e epistemológica, considera-se como aspecto fundamental do ser-professor, que ele assuma democraticamente sua práxis educativa, compreendendo a relevância e a amplitude do seu trabalho, sabendo-se copartícipe da formação de tantas pessoas, que por suas “mãos” estarão se tornando politizados, dotados de senso crítico, para poder, conscientemente, exercer sua cidadania.

Admitimos ser oportuno destacar a afirmação do Prof. Dr. Pedro DEMO: “É preciso rever o perfil do professor para sedimentar a competência renovada e renovadora crítica, capaz de estabelecer e restabelecer o diálogo inovador com os desafios do futuro”. Compete a nós, portanto, resgatar o lugar do professor na sociedade, como profissional que contribui decisivamente para o crescimento intelectual, moral, político e crítico dos estudantes e que lhes proporcione a real e concreta participação na caminhada para as tão almejadas transformações histórico-sociais, políticas, científicas e tecnológicas que o mundo hoje reclama.
Parabéns a todos os professores, em especial pelo dia 15 de outubro!


* Professora de Filosofia, aposentada da UFMA.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O PENSAMENTO COMO DIFERENCIAL

No colégio todas as turmas têm aulas semanais de Filosofia, a ciência que estimula a sabedoria

Há crianças e adolescentes que não têm acesso à Filosofia. Por isso, desde 2006, uma medida do CNE (Conselho Nacional de Educação) torna obrigatória a inclusão da disciplina de Filosofia no ensino médio. No Colégio Objetivo a proposta é mais abrangente. Começa no 1º ano do fundamental, em que os alunos são estimulados a aprender a pensar. Todas as turmas têm uma aula semanal da disciplina.
Embora muita gente pense que a Filosofia “não serve para nada”, esta ciência (disciplina) é tão importante como fora no tempo de sua origem, e sempre será. A Filosofia é uma ciência “sem muros” que capacita o indivíduo a tomar decisões mais coerentes com o que se quer e espera da vida e do mundo.
De acordo com Carlos Alberto Alves, assessor pedagógico de Filosofia do sistema de ensino adotado pelo colégio, da editora Sophos, o processo de educar as crianças adolescentes e jovens para o bem-pensar merece atenção especial. “É super importante, na sociedade atual, pois colabora no processo de transformação daquilo que fere a própria sociedade, principalmente onde se vive; capacita o educando, desde a infância para o bem pensar, pensar por si mesmo (e não que os outros pensem por ele), para a capacidade de fazer perguntas sobre tudo”, argumenta.
O ensino de Filosofia, desde a educação básica, também é defendido pelo pensador norte-americano Matthew Lipman. Ele diz acreditar que a disciplina oferece um espaço onde os valores podem ser submetidos à crítica. Para ele, tal ensino estimula o “pensar bem”, além de iniciar a criança e o jovem à investigação reflexiva e dialógica. Lipman
defende ainda a necessidade de manter vivo, em crianças e jovens, o interesse pelas temáticas filosóficas, a criação de referências e de valores humanos importantes, como a verdade, o significado e a comunidade; valores que, articulados e expressivos, podem desenvolver o pensar reflexivo.
Para a mestra em educação, Vanja Ferreira, articulista do Portal da Educação, as escolas não estão ensinando a pensar, a questionar e a refletir – habilidades que são princípios para a transformação e a permanente possibilidade de mudanças.
“A Filosofia, na escola, desde os anos iniciais, desperta a admiração, capta a nossa atenção e interrogamos insistentemente, exigindo uma explicação sobre todos os temas estudados, seja em qual disciplina for”, defende.
O filosofar sabemos que, antes da reflexão filosófica, o ser humano se contentava com as explicações oferecidas pela forma mítica, em que os deuses ou seres extraordinários eram responsáveis por todos os acontecimentos. Chega um momento histórico quando pessoas começam a questionar tais explicações por vários fatores, como por exemplo, o contato com outros povos que leva à descoberta de que para os mesmos fatos (origem do mundo, um desses fatos) tinham explicações diferentes e aí, vão propor com base na razão – e não mais nos deuses – explicações que possam ser válidas universalmente.
“A partir disto, muitas discordâncias, discussões, debates, críticas, vão surgir (conforme podemos conferir nos registros sobre o que pensaram muitos filósofos); o que faz com que o pensamento racional tenha seu processo de evolução”, explica Alves. Segundo o assessor filosófico, mesmo diante de toda evolução humana, científica e tecnológica, o ser humano muitas vezes torna-se um ser alienado, manipulado, deixando-se levar pelos outros e por aquilo que a “sociedade” muitas vezes lhe “impõe” em diversas áreas. “Isto
acontece em todas as fases da vida – até mesmo desde a infância, quando podemos observar colegas que fazem a cabeça um dos outros para atitudes erradas (na escola
isso é visível também); a falta de segurança para tomar decisões; atitudes precipitadas
que depois de feitas é que vão perceber a conseqüência e, não querendo exagerar, até mesmo lançar-se no mundo das drogas simplesmente por uma influência aparentemente amigável e pela falta de saber lidar com problemas da vida”. Carlos afirma que nestes casos a pessoa não aprendeu a buscar alternativas racionais e se deixa levar somente pela emoção, pelo momento ou situação em que vive ou enfrenta (raiva, desespero etc.).
Valorizando o saber além de estimular o aluno ao pensar e a lidar com a razão, a reposta da disciplina de Filosofia, na educação básica, leva a uma convivência mais democrática, dentro e fora das salas. “Se propõe uma educação para a criação de pessoas com atitudes sociais, que respeitem o outro e que estejam preparadas para considerarem seus pontos de vista e sentimentos a ponto de alterarem suas próprias opiniões a respeito de assuntos de significância e de permitirem conscientemente que suas próprias perspectivas sejam a decisão do CNE (Conselho Nacional de Educação) que, por unanimidade, definiu que as escolas de ensino médio deveriam oferecer as disciplinas de Filosofia e Sociologia aos alunos foi publicada em 2008 pelo MEC (Ministério da Educação). A medida tornou obrigatória a inclusão das duas matérias no currículo do ensino médio em todo o País, ampliando o que já era praticado em 17 Estados.
De acordo com o relator da proposta, o conselheiro César Callegari, a decisão visa estimular os estudantes a desenvolverem o espírito crítico. "Isso significa uma aposta para que os alunos possam ter discernimento quando tomam decisões e que sejam tolerantes porque compreendem a origem das diversidades", disse.
Na avaliação do titular da Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), Francisco das Chagas, a medida deve ampliar o número de vagas para profissionais de filosofia e sociologia. "A falta de professores em algumas situações também vai se adequar porque, com o ensino obrigatório das duas disciplinas, os cursos de graduação formarão mais profissionais para atuar no setor", disse.
Para o professor de filosofia Aldo Santos, de São Paulo, a decisão promove uma mudança na estratégia educacional que desenvolve o pensamento, a reflexão e a ação dos estudantes. "O jovem vai entender o seu papel na história e saber que ele pode ser um agente transformador na sociedade", analisou. (Fonte: Uol Notícias) *COLABOROU: Carlos Alberto Alves alteradas por terceiros”, pontua Vanja Ferreira.
Carlos Alves diz que não encara a Filosofia como a “salvadora da pátria”, mas como um “instrumento” capaz de ajudar a realizar a transformação necessária.
“Tal diferença podemos perceber logo nos primeiros anos de um trabalho filosófico bem realizado com as crianças e adolescentes que investigam, discutem, filosofam sobre temas atuais e necessários como a justiça, a liberdade, o medo, as regras, o conhecimento, a lógica, a moral, a ética e a política e, a partir daí, vão traçando perspectivas de uma vida pessoal e social muito melhor”.




DESDE O INFANTIL I, O LÚCIDO...

A professora Andresa Schiavone lembra bem como eram as aulas de Filosofia em seus tempos de estudante. “Não havia uma metodologia clara e a gente não conseguia trazê-la [a Filosofia] para o contexto”.
Hoje Andressa tem a missão e transmitir os valores e estimular a reflexão, por mais desafiadora que seja, aos seus alunos da educação infantil 1, que têm entre 3 e 4 anos.
A Filosofia chega aos pequenos por meio de teatros e histórias, sempre relacionando com os demais conteúdos transversais. A abordagem acontece pelo lado lúdico.
Na educação infantil e no fundamental 1 o ensino de filosofia é responsabilidade da professora regente de cada turma. O programa proposto pelo sistema de ensino é abordado não como conteúdo curricular, mas como proposta de reflexão e estímulo ao questionar. Também não são atribuídas notas. “A Filosofia só recebe a conotação de disciplina a partir da 5ª série”, explica a coordenadora Priscilla Paixão.

...NO ENSINO MÉDIO, ITEM OBRIGATÓRIO.

A decisão do CNE (Conselho Nacional de Educação) que, por unanimidade, definiu que as escolas de ensino médio deveriam oferecer as disciplinas de Filosofia e Sociologia aos alunos foi publicada em 2008 pelo MEC (Ministério da Educação). A medida tornou obrigatória a inclusão das duas matérias no currículo do ensino médio em todo o País, ampliando o que já era praticado em 17 Estados.
De acordo com o relator da proposta, o conselheiro César Callegari, a decisão visa estimular os estudantes a desenvolverem o espírito crítico. "Isso significa uma aposta para que os alunos possam ter discernimento quando tomam decisões e que sejam tolerantes porque compreendem a origem das diversidades", disse.
Na avaliação do titular da Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), Francisco das Chagas, a medida deve ampliar o número de vagas para profissionais de filosofia e Sociologia. "A falta de professores em algumas situações também vai se adequar porque, com o ensino obrigatório das duas disciplinas, os cursos de graduação formarão mais profissionais para atuar no setor", disse.
Para o professor de filosofia Aldo Santos, de São Paulo, a decisão promove uma mudança na estratégia educacional que desenvolve o pensamento, a reflexão e a ação dos estudantes. "O jovem vai entender o seu papel na história e saber que ele pode ser um agente transformador na sociedade", analisou. (Fonte: Uol Notícias)



quinta-feira, 25 de novembro de 2010

PENSAR SOBRE O PENSAR

Gígi Anne Horbatiuk Sedor
Doutora em Filosofia, Coord.ª Pedagógica do S.E.R., professora na UDESC.

 
Uma boa metáfora para pensarmos sobre o pensar é tomá-lo como uma espécie de viagem, como o exercício de percorrer caminhos, de ver a paisagem que surge, de contemplá-la, de interrogar-se sobre o visto, de planejar um outro trajeto futuro...
Caminhemos com José Saramago1:
A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.
1 SARAMAGO, José. Viagem a Portugal. Lisboa: Editorial Caminho, 1984.


Bom também é lembrarmos que a Filosofia não é uma viagem que se faz sozinho, pelo contrário, ela é espaço do diálogo de muitas vozes, de muitos olhares, de tantos que percorrem seus caminhos, entrelaçando os saberes e ousando transcender o já sabido, o já vivido, construindo nova morada para o homem novo. Ouçamos o que nos conta João Cabral em seu poema “Tecendo a manhã”1:

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Obs.: Busque mais informações no livro O Meu quintal – 1º ano (do Ensino Fundamental) da
Coleção Filosofia o Início de uma Mudança – a explicação do Galo, da Coruja, do Beija-flor e do Quero-quero
como símbolos da Filosofia. Também poderá solicitar junto a secretaria@portalser.net
 
1 MELLO NETO, João C. de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966.

Sejamos companheiros nessa viagem, viajemos juntos, em longa, atenta e saborosa conversação filosófica. Que em nosso diálogo possamos tecer um amanhã luminoso!


POR UMA FILOSOFIA VIVA NA ESCOLA!




quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Valor da Filosofia *


Tendo agora chegado ao término de nossa breve e incompletíssima revisão dos problemas da filosofia, será conveniente considerar, para concluir, qual é o valor da filosofia e por que ela deve ser estudada. É da maior importância considerar esta questão, em vista do fato de que muitos homens, sob a influência da ciência e dos negócios práticos, propendem a duvidar se a filosofia é algo melhor que inocente mas inútil passatempo, com distinções sutis e controvérsias sobre questões em que o conhecimento é impossível.

Esta visão da filosofia parece resultar, em parte, de uma concepção errada dos fins da vida humana e em parte de uma concepção errada sobre o tipo de bens que a filosofia empenha-se em buscar. As ciências físicas, por meio de invenções, é útil para inumeráveis pessoas que a ignoram completamente; e por isso o estudo das ciências físicas é recomendável não somente, ou principalmente, por causa dos efeitos sobre os estudantes, mas antes por causa dos efeitos sobre a humanidade em geral. É esta utilidade que faz parte da filosofia. Se o estudo de filosofia tem algum valor para outras pessoas além de para os estudantes de filosofia, deve ser somente indiretamente, através de seus efeitos sobre as vidas daqueles que a estudam. Portanto, é em seus efeitos, se é que ela tem algum, que se deve procurar o valor da filosofia.

Mas, além disso, se não quisermos fracassar em nosso esforço para determinar o valor da filosofia, devemos em primeiro lugar libertar nossas mentes dos preconceitos dos que são incorretamente chamados homens práticos. O homem prático, como esta palavra é freqüentemente usada, é alguém que reconhece apenas necessidades materiais, que acha que o homem deve ter alimento para o corpo, mas se esquece que é necessário prover alimento para o espírito. Se todos os homens estivessem bem; se a pobreza e as enfermidades tivessem já sido reduzidas o mais possível, ainda ficaria muito por fazer para produzir uma sociedade verdadeiramente válida; e até no mundo existente os bens do espírito são pelo menos tão importantes quanto os bens materiais. É exclusivamente entre os bens do espírito que o valor da filosofia deve ser procurado; e somente aqueles que não são indiferentes a esses bens podem persuadir-se de que o estudo da filosofia não é perda de tempo.
A filosofia, como todos os outros estudos, visa em primeiro lugar o conhecimento. O conhecimento que ela tem em vista é o tipo de conhecimento que confere unidade sistemática ao corpo das ciências, bem como o que resulta de um exame crítico dos fundamentos de nossas convicções, de nossos preconceitos, e de nossas crenças. Mas não se pode dizer, no entanto, que a filosofia tenha tido algum grande êxito na sua tentativa de fornecer respostas definitivas a seus problemas. Se perguntarmos a um matemático, a um mineralogia, a um historiador, ou a qualquer outro cientista, que definido corpo de verdades foi estabelecido pela sua ciência, sua resposta durará tanto tempo quanto estivermos dispostos a lhe dar ouvidos. Mas se fizermos essa mesma pergunta a um filósofo, ele terá que confessar, se for sincero, que a filosofia não tem alcançado resultados positivos tais como tem sido alcançados por outras ciências. É verdade que isso se explica, em parte, pelo fato de que, mal se torna possível um conhecimento preciso naquilo que diz respeito a determinado assunto, este assunto deixa de ser chamado de filosofia, e torna-se uma ciência especial. Todo o estudo dos corpos celestes, que hoje pertence à Astronomia, se incluía outrora na filosofia; a grande obra de Newton tem por título: Princípios matemáticos da filosofia natural.
De maneira semelhante, o estudo da mente humana, que era uma parte da filosofia, está hoje separado da filosofia e tornou-se a ciência da psicologia. Assim, em grande medida, a incerteza da filosofia é mais aparente do que real: aquelas questões para as quais já se tem respostas positivas vão sendo colocadas nas ciências, ao passo que aquelas para as quais não foi encontrada até o presente nenhuma resposta exata, continuam a constituir esse resíduo a que é chamado de filosofia.
Isto é, no entanto, só uma parte do que é verdade quanto à incerteza da filosofia. Existem muitas questões ainda - e entre elas aquelas que são do mais profundo interesse para a nossa vida espiritual - que, na medida em que podemos ver, deverão permanecer insolúveis para o intelecto humano, a menos que seus poderes se tornem de uma ordem inteiramente diferente daquela que são atualmente. O universo tem alguma unidade de plano e objetivo, ou ele é um concurso fortuito de átomos? É a consciência uma parte permanente do universo, dando-nos esperança de um aumento indefinido da sabedoria, ou ela não passa de transitório acidente sobre um pequeno planeta, onde a vida acabará por se tornar impossível? São o bem e o mal importantes para o universo ou somente para o homem? Tais questões são colocadas pela filosofia, e respondidas de diversas maneiras por vários filósofos.
Mas, parece que se as respostas são de algum modo descobertas ou não, nenhuma das respostas sugeridas pela filosofia pode ser demonstrada como verdadeira. E, no entanto, por fraca que seja a esperança de vir a descobrir uma resposta, é parte do papel da filosofia continuar a examinar tais questões, tornar-nos conscientes da sua importância, examinar todas as suas abordagens, mantendo vivo o interesse especulativo pelo universo, que correríamos o risco de deixar morrer se nos confinássemos aos conhecimentos definitivamente determináveis.

Muitos filósofos, é verdade, sustentaram que a filosofia poderia estabelecer a verdade de certas respostas a tais questões fundamentais. Eles supuseram que o que é mais importante no campo das crenças religiosas pode ser provado como verdadeiro por meio de estritas demonstrações. A fim de julgar tais tentativas, é necessário fazer uma investigação sobre o conhecimento humano, e formar uma opinião quanto a seus métodos e suas limitações. Sobre tais assuntos é insensato nos pronunciarmos dogmaticamente. Porém, se as investigações de nossos capítulos anteriores não nos induziram ao erro, seremos forçados a renunciar à esperança de descobrir provas filosóficas para as crenças religiosas. Portanto, não podemos incluir como parte do valor da filosofia qualquer série de respostas definidas a tais questões. Mais uma vez, portanto, o valor da filosofia não depende de um suposto corpo de conhecimento definitivamente assegurável, que possa ser adquirido por aqueles que a estudam.

O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. O homem que não tem umas tintas de filosofia caminha pela vida afora preso a preconceitos derivados do senso comum, das crenças habituais de sua época e do seus país, e das convicções que cresceram no seu espírito sem a cooperação ou o consentimento de uma razão deliberada. Para tal homem o mundo tende a tornar-se finito, definido, óbvio; para ele os objetos habituais não levantam problemas e as possibilidades infamiliares são desdenhosamente rejeitadas. Quando começamos a filosofar, pelo contrário, imediatamente nos damos conta (como vimos nos primeiros capítulos deste livro) de que até as coisas mais ordinárias conduzem a problemas para os quais somente respostas muito incompletas podem ser dadas. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.

Além de sua utilidade ao mostrar insuspeitadas possibilidades, a filosofia tem um valor - talvez seu principal valor - por causa da grandeza dos objetos que ela contempla, e da liberdade proveniente da visão rigorosa e pessoal resultante de sua contemplação. A vida do homem reduzido ao instinto encerra-se no círculo de seus interesses particulares; a família e os amigos podem ser incluídos, mas o resto do mundo para ele não conta, exceto na medida em que ele pode ajudar ou impedir o que surge dentro do círculo dos desejos instintivos. Em tal vida existe alguma coisa que é febril e limitada, em comparação com a qual a vida filosófica é serena e livre. Situado em meio de um mundo poderoso e vasto que mais cedo ou mais tarde deverá deitar nosso mundo privado em ruínas, o mundo privado dos interesses instintivos é muito pequeno. A não ser que ampliemos o nosso interesse de maneira a incluir todo o mundo externo, ficaremos como uma guarnição numa praça sitiada, sabendo que o inimigo não a deixará fugir e que a capitulação final é inevitável. Não há paz em tal vida, mas uma luta contínua entre a insistência do desejo e a impotência da vontade. De uma maneira ou de outra, se pretendemos uma vida grande e livre, devemos escapar desta prisão e desta luta.

Uma válvula de escape é pela contemplação filosófica. A contemplação filosófica não divide, em suas investigações mais amplas, o universo em dois campos hostis: amigos e inimigos, aliados e adversários, bons e maus; ela encara o todo imparcialmente. A contemplação filosófica, quando é pura, não visa provar que o restante do universo é semelhante ao homem. Toda aquisição de conhecimento é um alargamento do Eu, mas este alargamento é melhor alcançado quando não é procurado diretamente. Este alargamento é obtido quando o desejo de conhecimento é somente operativo, por um estudo que não deseja previamente que seus objetos tenham este ou aquele caracter, mas adapte o Eu aos caracteres que ele encontra em seus objetos. Esse alargamento do Eu não é obtido quando, tomando o Eu como ele é, tentamos mostrar que o mundo é tão similar a este Eu que seu conhecimento é possível sem qualquer aceitação do que parece estranho. O desejo para provar isto é uma forma de egotismo, é um obstáculo para o crescimento do Eu que ele deseja, e do qual o Eu sabe que é capaz. O egotismo, na especulação filosófica como em tudo o mais, vê o mundo como um meio para seus próprios fins; assim, ele faz do mundo menos caso do que faz do Eu, e o Eu coloca limites para a grandeza de seus bens. Na contemplação, pelo contrário, partimos do não-Eu, e por meio de sua grandeza os limites do Eu são ampliados; através da infinidade do universo, a mente que o contempla participa um pouco da infinidade.

Por esta razão a grandeza da alma não é promovida por aquelas filosofias que assimilam o universo ao Homem. O conhecimento é uma forma de união do Eu com o não-Eu. Como toda união, ela é prejudicada pelo domínio, e, portanto, por qualquer tentativa de forçar o universo em conformidade com o que descobrimos em nós mesmos. Existe uma tendência filosófica muito difundida em relação a visão que nos diz que o Homem é a medida de todas as coisas; que a verdade é construção humana; que espaço e tempo, e o mundo dos universais, são propriedades da mente, e que, se existe alguma coisa que não seja criada pela mente, é algo incognoscível e de nenhuma importância para nós. Esta visão, se nossas discussões precedentes forem corretas, não é verdadeira; mas além de não ser verdadeira, ela tem o efeito de despojar a contemplação filosófica de tudo aquilo que lhe dá valor, visto que ela aprisiona a contemplação do Eu. O que tal visão chama conhecimento não é uma união com o não-Eu, mas uma série de preconceitos, hábitos e desejos, que compõem um impenetrável véu entre nós e o mundo para além de nós. O homem que se compraz em tal teoria do conhecimento humano assemelha-se ao homem que nunca abandona seu círculo doméstico por receio de que fora dele sua palavra não seja lei.

A verdadeira contemplação filosófica, pelo contrário, encontra sua satisfação no próprio alargamento do não-Eu, em toda coisa que engrandece os objetos contemplados, e desse modo o sujeito que contempla. Na contemplação, tudo aquilo que é pessoal e privado, tudo o que depende do hábito, do auto-interesse ou desejo, deforma o objeto, e, portanto, prejudica a união que a inteligência busca. Levantando uma barreira entre o sujeito e o objeto, as coisas pessoais e privadas tornam-se uma prisão para o intelecto. O livre intelecto enxergará assim como Deus poderia ver: sem um aqui e agora; sem esperança e sem medo; isento das crenças habituais e preconceitos tradicionais: calmamente, desapaixonadamente, com o único e exclusivo desejo de conhecimento - conhecimento tão impessoal, tão puramente contemplativo quanto é possível a um homem alcançar. Por isso, o espírito livre valorizará mais o conhecimento abstrato e universal em que não entram os acidentes da história particular, que ao conhecimento trazido pelos sentidos, e dependente - como tal conhecimento deve ser - de um ponto de vista pessoal e exclusivo, e de um corpo cujos órgãos dos sentidos distorcem tanto quanto revelam.

A mente que se tornou acostumada com a liberdade e imparcialidade da contemplação filosófica preservará alguma coisa da mesma liberdade e imparcialidade no mundo da ação e emoção. Ela encarará seus objetivos e desejos como partes do Todo, com a ausência da insistência que resulta de considerá-los como fragmentos infinitesimais num mundo em que todo o resto não é afetado por qualquer uma das ações dos homens. A imparcialidade que, na contemplação, é o desejo extremo pela verdade, é aquela mesma qualidade espiritual que na ação é a justiça, e na emoção é o amor universal que pode ser dado a todos e não só aos que são considerados úteis ou admiráveis. Assim, a contemplação amplia não somente os objetos de nossos pensamentos, mas também os objetos de nossas ações e nossos sentimentos: ela nos torna cidadãos do universo, não somente de uma cidade entre muros em estado de guerra com tudo o mais. Nesta qualidade de cidadão do mundo consiste a verdadeira liberdade humana, que nos tira da prisão das mesquinhas esperanças e medos.

Enfim, para resumir a discussão do valor da filosofia, ela deve ser estudada, não em virtude de algumas respostas definitivas às suas questões, visto que nenhuma resposta definitiva pode, por via de regra, ser conhecida como verdadeira, mas sim em virtude daquelas próprias questões; porque tais questões alargam nossa concepção do que é possível, enriquecem nossa imaginação intelectual e diminuem nossa arrogância dogmática que impede a especulação mental; mas acima de tudo porque através da grandeza do universo que a filosofia contempla, a mente também se torna grande, e se torna capaz daquela união com o universo que constitui seu bem supremo.


* Bertrand Russell - 1912, Oxford University Press, 1959, reimpresso em 1971-2 - Tradução: Jaimir Conte

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Filosofia em clínica psicopedagogica?

Fátima Regina de Queiroz Porto

Sim, evidentemente não é possível fazer o mesmo trabalho que pode ser feito em grupo, onde o aproveitamento é muito maior. Porém no espaço individual o conteúdo do texto é muito rico e permite que dificuldades diagnosticadas anteriormente, através dos testes específicos da psicopedagogia, possam ser tratadas, em grande parte.

É preciso dizer que o uso dos textos, depende de quais dificuldades foram encontradas e requer um critério de objetivos para o que se deseja alcançar com o texto. Da mesma forma que surgem questões no grupo, elas também se apresentam no espaço individual, apesar de que dependem muito da realidade vivenciada pela criança, e como já foi dito de suas necessidades especificas. Perde-se a riqueza da variedade de perguntas de um grupo.
Numa experiência pessoal, com o livro - O Meu Quintal (Coleção Filosofia o Início de uma Mudança) - podemos perceber que o texto atende as necessidades de uma adolescente com 14 anos, que apresenta algumas dificuldades de aprendizagem, como leitura, entendimento de texto, escrita, raciocínio matemático, noção de espaço e tempo.
Evidentemente, o texto vai para muito além dessas questões, mas possibilita que muitos links interessantes sejam feitos, porque a coerência, clareza da história contribuem de forma consistente. Quintal é um lugar, onde várias coisas, seres e pessoas se encontram. A noção de espaço que precisa ser trabalhada começa neste ponto, mas esse espaço não e apenas físico, mas pode estar na minha mente, assim temos outra dimensão, como temos também a questão do diálogo no quintal que pode ser transferido. 


Na leitura do texto, podemos observar que os destaques feitos, não alcançam todos os itens, como acontece numa sala de aula normal, porém a percepção de que algo mais está acontecendo está presente sempre, mesmo que a criança não saiba expressar, por isso devemos nos preparar para criar os caminhos que a ajudem a fazer as ligações mais importantes para atender suas necessidades. Este é o objetivo principal, usar filosofia para atingir os pontos que contribuem para o desenvolvimento da criança, especialmente nas áreas em que ela vivencia suas dificuldades pessoais. 


O que de mais importante posso observar é que a filosofia leva a reflexões muito mais interessantes, do que o uso de textos comuns, tradicionais, separados, diferentes em cada sessão, porque a intencionalidade por trás dos textos filosóficos é muito ampla e proveitosa, não se restringe a alguns temas apenas. O manual que este livro trás, é muito bom, e com certeza ajuda, mas é preciso também, tanto no trabalho individual como em grupo, ter em mente que o ser humano é muito dinâmico, o que significa que pode surgir algo novo que não foi tratado. Por exemplo, foi possível perceber a dificuldade com o calendário através desse texto, que não havia sido detectada antes.


Foi possível observar relações familiares, bem como a percepção e palavras diferentes, seus significados mais amplos que apenas a descrição do dicionário. Outra observação interessante é uma conclusão a partir da questão levantada pela própria adolescente de que a coruja fica sempre fazendo perguntas, a conclusão foi: “Se não pergunta não aprende”. Pode parecer pouco, mas dentro da realidade dessa pessoa é uma conclusão necessária e importante para sua vida pessoal, que a ajuda a sair um pouco de seu silencio interior, para caminhar na direção do outro buscando através de perguntas o aprender. Criando um vinculo com a aprendizagem através do perguntar. Para quem tem dificuldades de aprendizagem, perguntar é fundamental. Além do exercício da leitura, entendimento do texto e vários espaços para se trabalhar espaço, tempo, mudanças.
Enfim ter como referencial este livro tem trazido muitas contribuições positivas, além de uma forte crença que o trabalho da filosofia com crianças, é algo muito mais amplo ainda, e que estamos caminhando, mas com certeza temos muito a descobrir.



 

Fátima Regina de Queiroz Porto
Filosofia e Psicopedagogia
fatimarqp@gmail.com
 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Escola, poder e democracia.

“Os homens constroem paredes demais
e pontes de menos” (D.Pire)


A escola pública e democrática é hoje uma conquista institucionalizada, mas que, na prática, ainda está longe de ser realidade plenamente vivenciada na escola. A escolha democrática das direções escolares ainda não permitiu condições democráticas de organizar as escolas a partir de uma base curricular, das propostas pedagógicas, das metas e da organização do quadro dos professores (distribuição da carga horária e disciplinas).    
A escola, lugar de significativas e distintas aprendizagens, é também um grande laboratório de exercício de poder. Cotidianamente, através das relações interpessoais, ela administra as suas tensões internas, fortemente influenciadas pelo poder externo (dos governos e da comunidade). E, o professor, uma peça fundamental, nem sempre é considerado em sua dimensão de pessoa humana e de sujeito, portador de desejos, direitos e dignidade.
Além de sua estrutura administrativa, a escola é um lugar onde se constroem vínculos. Estes vínculos determinam a qualidade das relações entre professores, funcionários, equipe diretiva, alunos e pais. A maior diferença da escola pública, em relação às demais, reside no fato de sua gestão ser pública e democrática. E é nesta que, para além de professores, cresce a exigência por educadores. “Todo professor deve ser um verdadeiro educador. Um mestre da vida e do saber. É mestre porque é homem de fé, que acredita em si e nos outros, que confia e ama seus discípulos” (Maximiliano Menegolla)
    Professores não são números. Professores são sujeitos, seres humanos, com suas opções pedagógicas e ideológicas. Aliás, o exercício de seu ofício não lhes permite neutralidade, pois a educação é, por natureza, um ato político. Suas práticas pedagógicas resultam de suas trajetórias pessoais, de seus compromissos com o ser humano e de seus conhecimentos e aperfeiçoamento profissional.
    Algumas instituições de ensino público, por suas práticas contraditórias e autoritárias, minimizam o alcance e a importância das conquistas democráticas. É claro que exercitar cotidianamente a democracia, como se faz na escola, não é uma tarefa fácil. Por isso que, para muitos, ela não passa de “verborragia”. Para outros, incansável exercício, prática de inclusão e respeito a todos, mesmo enfrentando as contradições do discurso e da prática.
    Alguns colegas, agora diretores ou diretoras, “constroem paredes demais e pontes de menos”. Usam do poder que lhes foi delegado para desconsiderar seus professores e ofuscar a democracia, por todos pretendida e proclamada.“O lugar onde o professor não é visto como pessoa, mas simplesmente como um profissional qualquer, deve ser chamado de pensionato, refeitório..., mas não chamem de escola, onde se educa e se ensina”.(Menegolla)
    O exercício do poder democrático é um dever da escola e um legado que ela deve deixar para seus alunos e para a sociedade como um todo; esta é sua contribuição para a consolidação da democracia no Brasil. Qualidade na educação será uma realidade quando tratarmos gente como gente deve ser tratada e quando tomarmos a democracia como a base de nossas relações.

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.
pies.neialberto@gmail.com

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ética, política e participação.

ELZA MARIA BRITO PATRICIO*
PROFESSORA UNIVERSITÀRIA




Ética e Política são dois campos de investigação da Filosofia que nasceram na Grécia Antiga, existindo entre as duas uma inseparabilidade, considerando que a política precisa se desenvolver como um sistema normativo, fundado em valores e critérios que regulam um conjunto de ações envolvendo o coletivo, o que implica compreender que elas não estão isentas de deveres, e naturalmente, devem respeitar os direitos. Enquanto atividade coletiva, a Política pressupõe exigências éticas no seu desenvolvimento, embora haja confrontos de grupos antagônicos, o que potencializa o choque entre os princípios ético-morais da formação dos indivíduos e leva claramente a um desvirtuamento do poder.

Constata-se que as alianças políticas, não são construídas muitas vezes, visando ao bem comum, á coletividade, ao contrário, levam em conta os interesses particulares e a busca de satisfação deste ou daquele grupo político que deseja se manter com privilégio na esfera de poder e camuflar suas reais intenções. Por incrível que pareça, a bandeira da ética é empunhada por todos e as posições se embaralham: uns, com postura astuciosa, procurando sustentar o processo eleitoral; outros, procurando tomar medidas mais incisivas contra a corrupção incrustada em várias instituições do Estado e nos Órgãos Executivos.

No entanto, o que se vê é uma degeneração político-moral e, dentre muitos deslizes, destacam-se os desmatamentos e prevaricações, improbidade administrativa, falcatruas, atos abusivos do poder, que representam “as doenças” do sistema político. Vale ressaltar que sendo a política divulgada pelos meios de comunicação, acentuando-se os pontos precários, esta acaba sendo avaliada negativamente pelo comportamento amoral de muitos políticos que pertencem a diversas esferas do poder; contudo, essa generalização é perigosa e desencadeia uma insatisfação com a própria classe política, surgindo uma forte tendência para o voto nulo.


Seria essa a decisão mais acertada? A nosso ver, essa atitude indica a renúncia injustificada á participação no processo democrático, um descomprometer-se, um jogar no “lixo” um direito e um dever e isso só beneficiaria os que comentaram desvios de conduta no exercício do poder. E por falar em participação, como seria a sua efetivação? Enquanto seres sociais precisamos amadurecer o nosso entendimento de ser-cidadão e, de forma deliberada, racional e reflexiva, saber co-participar e assim nos constituirmos como seres políticos, na medida em que toda ação que gera conseqüências no coletivo, tem o caráter de politização e deverá estar pautada em princípios de natureza ética que envolvem valores de justiça, de liberdade, de responsabilidade.

Diante de tais considerações, não podemos nos eximir de tantas questões de natureza política, nem nos retirar do processo decisório; não devemos ser passivos nem silenciosos, porque, quanto menos participarmos, mais as decisões serão tomadas pelas “engrenagens da máquina governamental” em todos os níveis. Será que nós, que compomos a sociedade, estamos abdicando do nosso direito de participação? Precisamos, sim, procurar entender para poder sugerir, discordar, atuar como sujeitos do processo democrático, conquistar espaço, enfim, exercer nossa cidadania.

Afinal, é necessário ter consciência de que na sociedade, seja a alimentação, a saúde, a moradia, tudo depende das decisões políticas. Assim sendo, neste momento ímpar de votação, na maior eleição de nosso país, convém examinarmos criteriosamente os problemas nacionais e estaduais, ter discernimento para fazer objetivamente as devidas ponderações, construir nossa compreensão e escolher com cuidado os políticos que representem uma renovação qualitativa e que possam desempenhar suas reais funções com retidão, eficiência e responsabilidade comprometidos com o coletivo, portanto, imbuídos de espírito público. Urge que a política brasileira venha instaurar uma nova forma de fazer política, tendo na ética um de seus principais pilares e operando uma grande virada cultural para que possamos alcançar um Brasil mais justo e democrático.


* Professora de Filosofia, aposentada da UFMA.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Filosofia, educação e cidadania numa sociedade em mudanças

Prof. Dr. Cipriano Luckesi

Dizer que vivemos uma sociedade em mudanças é repetir uma afirmação que qualquer sociedade poderia fazer, no momento em que se dá. Essa afirmação poderia ter sido feita em 1950 e la caberia muito bem, assim como em qualquer outro momento, devido todos os momentos históricos darem-se, por mínimo que seja, dentro de algum processo de mudança.
Por isso, prefiro falar de uma educação para o presente, que se encontra em mudanças aceleradas. Que caminhos poderia assumir uma duração para o presente, cuja filosofia norteada estivesse centrada na cidadania?
Para ensaiar responder esta questão, acredito que necessitamos de compreendermos por sociedade mudanças, por educação e por filosofia centrada na cidadania, articulando esses elementos.
Vivemos, no presente, processos acelerados em nossos modos de vida, em nossos conhecimentos, em nossos meios de comunicação, m nossos usos desses riquíssimos recursos de atuação do Ser humano, assim como vivemos a eclosão de novos entendimentos sobre a vida, a partir da abertura dos recursos da razão dialética e transdisciplinar. Além disso, nesse momento, no mundo, existe muita construção humana convivendo com muita miséria econômica, social, ética, espiritual.
É nesse contexto que nossa cidadania pode se dar e se realizar. Por cidadania quero compreender os direitos e os deveres de cada ser humano dentro da sociedade. Os direitos de existir, de sobreviver e de conviver necessitam de ser garantidos ou conquistados; assim como os deveres de respeito ao outro necessitam de ser ensinados e aprendidos. A cidadania está baseada na ética e, a meu ver, essa ética tem sua base no respeito ao direito de existir, com todas as suas nuances.
Uma educação para a cidadania numa sociedade em mudança exige uma formação do ser humano na integridade de suas dimensões e experiências, o que implica em corporalidade, psicologia e espiritualidade.
Isso exige uma visão dialética e transdisciplinar sobre o Ser humano, como pano de fundo da prática educativa.

II – Educação, Ética e Formação de Professores
O objetivo desse temas é abordar a formação de professores, que atual na educação, tendo como pano de fundo uma ética.
Assim, pretendo enfocar esse tema a partir da seguinte perspectiva: que ética pode estar na base da formação de educadores para uma prática educativa no presente?
O termo “formar” expressa a configuração daquilo que é. Aristóteles, no século IV a.C., colocou as bases das relações entre matéria e forma na constituição da realidade na qual e com a qual vivemos. No seu ver, forma é o elemento ontológico da realidade que expressa a essencialidade de cada ser. Deste modo, a idéia de formação do que é.
No caso, a formação do professor tem a ver com a constituição da qualidade do educador. Aristóteles pensava em uma “forma” metafísica, abstrata, mas nós podemos pensar numa forma constituída, forjada na história de desenvolvimento pessoal do educador; uma forma constituída existencialmente. Uma forma constituída pela ação, que, por sua vez, produziria uma ética ativa, uma ética em ação e não uma ética de princípios abstratos e absolutos.
Essa formação do educador necessita de dar-se no contexto de uma ética, devido o ser humano expressar-se como um ser que vive a partir de valores.
A ética constitui-se a partir de dois elementos fundamentais: o Eu e o Outro. O pano de fundo fundamental da ética é o respeito a mim mesmo, ao mesmo tempo que respeito ao outro. Sem respeito a mim mesmo, caio na baixa estima e, consequentemente, na autodestruição; sem respeito ao outro, chego na privação ou na promoção da invasão do outro. Assim sendo, a ética que deveria estar como pano de fundo na formação do ser educador, como, afinal, de todo ser humano, deveria basear-se no cuidado de si e na solidariedade com o outro o que daí decorre.
O educador para ser educador, necessita de reconhecer-se a si mesmo com suas necessidades reconhecer o outro com suas necessidades. Então, a partir daí, ele saberá e será capaz de atuar junto aos educadores estimulando a consciência de si do outro, o que vai implicar num modo de viver e conviver entre a singularidade e a pluralidade.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Pelo diálogo: o filosofar e a partilha...


Prof. Dr. Silvio Wonsovicz

Vamos iniciar nossas reflexões, investigações e um filosofar vivo com um texto de Fernando Pessoa, que justifica muito bem a necessidade do dialogo sempre:

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”

            O diálogo que leva ao filosofar e à partilha de pensamentos e reflexões precisa questionar que tipo de atitude estamos realizando quando conversamos.

   Com / Versar = Com, próximo de outro, num mesmo nivel + versar, dizer a palavra, expressar

Vamos pensar como entendemos e praticamos o diálogo? É como:
-   Competição ou cooperação?
-  Arena ou ágora?
-  Patriarcal ou matriarcal?
-   Totalitário ou democrático?
- Pirâmide ou rede?
-   Negação ou aceitação do outro?
-   Esperteza ou competência?
-   Utilitário ou convenção?
-   Linear ou complexo?
-  Discussão ou debate?
            Vivemos numa grande crise do modelo civilizatório. Há a defesa dos modelos de comportamento e exaltação de valores que vêm da estrutura mecânica da organização social. Temos então, valorizado pela tecnociência: a hierarquia, o controle, a estabilidade, o individualismo, a competitividade, o levar vantagem, a sobrevivência, etc. Essa forma de viver tem desencadeado enormes problemas. Os mais graves talvez sejam a exclusão social e econômica que atinge aproximadamente dois terços da população mundial; assim como as mudanças climáticas que ameaçam toda vida na Terra.
             Toda crise coloca em perspectiva um novo caminho e um novo paradigma, com novos conhecimentos, valores e padrões de comportamentos. Há quem afirme que vivemos uma crise de significado ou “doença do pensamento” – expressão colocado pelo físico quântico David Bohm.
             A saída dessa crise? A prática do diálogo para superação dos problemas atuais e resgate da convivência entre as sociedades, relacionamentos mais consistentes entre as pessoas.
             Estamos filosofando, investigando, dialogando e partilhando o que nos é mais essencial – nossa essência enquanto pessoas. Por isso somente pelo diálogo é que:
-  podemos conhecer as muitas maneiras pelas quais nos interligamos;
-  entendermos que integramos uma única realidade compartilhada;
-  percebermos a natureza contínua das mudanças que ocorrem à nossa volta;
-  compreendermos o significado daquilo que pode parecer uma desordem. Assim com e pelo diálogo poderemos ver os grandes padrões e pensamentos que permeiam nossas vidas cotidianas;
-  construirmos a Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.), em sala de aula.

O que precisa haver para que aconteça o diálogo?
             Esse exercício de colocar-se “com” os outros requer o desenvolvimento de capacidades e atitudes como:

- deixar de fazer julgamento; 
- aprender a ouvir;
 - colocar-se em uma postura reflexiva

Como fazer que em todas as nossas aulas o diálogo aconteça?
             Algumas atitudes e comportamentos para que a conversação entre nós seja mais criativa e transformadora. Para que com o diálogo possamos formar cada vez mais a C.A.I. em nossa sala de aula:
· Pensar e desenvolver o diálogo sob ideias e aprendizagens compartilhadas, possibilitando diversas respostas e colocações criativas.
· Aprender a ouvir sem resistência, principalmente os pontos de vista discordantes, assimilando os significados das palavras ditas.
· Perceber que a necessidade de resultados pode levar o diálogo para um único resultado e, desta forma, restringir o poder de criação pelo diálogo.
· Respeitar as diferenças entre os participantes, isso não pode separar as pessoas.
· Entender que os papéis e status dos participantes no diálogo não podem impedir de ouvir e falar abertamente, valorizando assim a contribuição das pessoas.
· Compartilhar responsabilidade e liderança no grupo, de modo que todos sejam estimulados a ouvir e falar, garantindo a participação.
· Falar ao grupo todo.
· Participar, quando estiver realmente confiante, pois sua contribuição será útil ao grupo.
· Expressar o que sente e imagina no momento, prestando atenção aos pensamentos dos demais participantes, para buscar ir além da compreensão do grupo.
· Encontrar o equilíbrio entre o questionamento e a defesa. Ambos são necessários para a sustentação do diálogo e a busca do significado compartilhado.
            Pelo diálogo é que filosofamos, refletimos e partilhamos um pouco de nossas verdades, para estarmos abertos às verdades dos outros. Assim ampliamos a nossa compreensão da realidade e construímos um novo pensamento, capaz de atender às nossas necessidades individuais e coletivas.

Na Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.)
surge, pelo diálogo, uma nova inteligência e ação coletiva.

Vamos fazer em sala um júri simulado ou uma prática filosófica sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?

Certamente esse tema pode gerar muita polêmica. Nessa atividade ninguém escolhe o lado, e terá que defender a posição que cair para o seu grupo. Caso alguém caia no grupo que defende a posição contrária à sua convicção, terá que defendê-la mesmo assim. Essa é uma maneira para treinar nossa habilidade de argumentação. Essa prática em argumentar é denominada prática forense (forense = fórum, tribunal), que é a defesa de alguma ideia, como os advogados fazem. Contudo, é justamente esta conotação de jogo e de disputa que distingue a prática forense da prática filosófica. Vamos ver o quadro abaixo e refletir sobre as diferenças:

Prática Forense (=júri simulado)
Prática Filosófica (=Comunidade de Aprendizagem Investigativa)
1. Há uma busca da invenção daquilo que é o certo.
1. Há uma busca da descoberta do que é o certo.
2. É um jogo. Portanto há o desejo de ganhar do outro, não se importando com a verdade.
2. Não é um jogo. Portanto não há competição. Aqueles que não pensam como eu me enriquecem.
3. Defende-se o lado para o qual fomos designados, não importando qual seja ele, ou se este lado combina com nossas convicções pessoais ou não.
3. Procura-se o compromisso com a verdade dos fatos.
4. O compromisso maior não é com a verdade, mas com a defesa de ideias estabelecidas anteriormente.
4. Não há compromissos cegos com a defesa das ideias preestabelecidas. Se os fatos comprovarem o contrário do que se pensava, muda-se de ideia.

Agora é hora de escolher entre a Prática Forense ou a Prática Filosófica para depois registrarmos as ideias sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?
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O que vem a ser “discussão”?
– O método de comunicação mais encontrado nos relacionamentos humanos. Vem do latim “discutere”, que significa fragmentar, reduzir a pedaços ou quebrar em partes. A internet está repleta de “fóruns de discussão”, muito embora em alguns casos os participantes queiram mesmo é praticar o diálogo. O uso inadequado da linguagem vem dificultar nossa capacidade de percepção da realidade complexa que nos cerca. 

Diálogo
Discussão/Debate
Ver o todo entre as partes.
Desmembrar questões e problemas em partes.
Ver as ligações entre as partes.
Ver distinções entre as partes.
Questionar pressuposições.
Justificar/Defender pressuposições.
Aprender por meio de questionamento e revelação.
Persuadir, vender e dizer.
Criar significado compartilhado por muitos.
Chegar a um acordo sobre um significado.

O que queremos nas aulas de filosofia e na Comunidade de Aprendizagem Investigativa?
– Pelo diálogo como um método de reflexão conjunta, conseguir a observação compartilhada da(s) experiência(s) para ampliar a limitada compreensão individual de mundo. Em outras palavras, a maneira como eu vejo é uma perspectiva única de uma realidade mais ampla. Posso ver com os olhos dos meus colegas, e eles podem ver com os meus, assim cada um de nós verá algo que talvez não veria sozinho.

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* Introdução do Livro - Somos cidadãos reflexivos: filósofos por natureza - 9º Ano. 7ª Ed., Coleção Novo Espaço Filosófico Criativo, 2010.