quinta-feira, 28 de junho de 2012

Pedir a bênção aos mais velhos pode melhorar o processo ensino-aprendizagem



Por Ivo José Triches[1]


Lembre-se: não há nada sobre o que a Filosofia não possa se debruçar. É desse pressuposto que partirei para construir essa reflexão. Muito embora você perceba que o aspecto valorativo está presente no meu escrito, a dimensão moralista, que comumente envolve esse fenômeno, foi deixada de lado. Se não fosse assim seria doutrina e não Filosofia. Não é essa a minha intenção.
Pedir a bênção aos mais velhos é uma coisa boa ou ruim? Para mim, é boa. O próprio título deste artigo sugere isso. Razão pela qual penso que vale a pena continuar essa leitura.
Em Filosofia, analogia significa raciocínio por semelhança. Para ilustrar a importância deste hábito que há em muitas pessoas de pedir  a bênção aos mais velhos, principalmente aos nossos pais ou parentes, vou me valer desse recurso acima explicitado.
Ao olharmos para os galhos mais finos de uma árvore, mais precisamente nas extremidades deles, poderemos observar que vez ou outra saem folhas novas. Que esses galhos tendem a se expandir. Que enquanto existir vida nas árvores, novos galhos nascerão. Não há como existir um novo galho sem antes haver outra estrutura mais velha. Seja outro galho ou o tronco ou ainda, as raízes. Pois bem! Não há como existir um filho, uma nova criança, sem que houvesse antes algo que o antecedeu e que, portanto, seja mais velho.
Ao ler isso até aqui, talvez você esteja pensando: isso é lógico! O que isso tem de novidade? O que isso tem a ver com a questão da educação? Calma, tchê! Eu vou lhe explicar. Vamos em frente.
Para que exista uma folha nova na ponta de um galho novo, houve a necessidade da existência de uma energia. Essa por sua vez, partiu lá da raiz, depois passou pelo tronco, depois pelo galho, para finalmente chegar a essa folha nova. Da mesma forma, quando eu peço a bênção aos meus pais ou aos meus avós, por exemplo, eu estou buscando energia lá no “tronco”, nas “raízes”. Por que eu faço isso? Para ter força para ir adiante. Para que possamos nos energizar. Para termos nosso conatus fortalecido, como diria Espinosa (1632-1677).
Claro que quando eu faço isso por um simples hábito, sem compreender o real significado, é provável que isso seja apenas mais um gesto de cordialidade para com os mais velhos.
Da mesma forma como uma árvore, que para dar bons frutos necessita ser plantada em terreno fértil, ser bem cuidada, etc., nós, ao pedirmos a benção para aquelas pessoas que admiramos, que foram e são exemplo de consciência moral (pessoa que se esforça para ser ética), estaremos nos abastecendo das melhores coisas a fim de termos força para prolongarmos nossa existência.

1.  A influência da benção no processo ensino-aprendizagem

Sou educador há 23 anos. Já exerci muitas atividades nos diferentes níveis da educação. Fui servidor público concursado como professor de Filosofia por dez anos. Nesse tempo fui diretor de escola pública por 04 anos, professor de diferentes disciplinas das humanidades em faculdade, fui professor da rede privada e hoje sou professor, diretor adjunto de uma escola particular. Por que estou lhe escrevendo isso? Para poder lhe dizer o seguinte: sabe qual foi a grande lição nesses anos todos? Que todas as vezes (todas mesmo!) que convivi com alunos indisciplinados, com pouca vontade de estudar, com problemas de dependência química e cujos pais foram chamados à escola e, ao tomarem ciência do que seus filhos estavam aprontando, tomaram partido do seu filho, o mesmo só piorou.
 Entretanto, todas as vezes que os pais, ao tomarem conhecimento, passaram a se unir com a escola em face das medidas necessárias a fim de que seu filho mudasse suas atitudes, o educando passou a ter um desempenho melhor nas atividades propostas, suas notas melhoraram etc.
Para fundamentar melhor minha tese aqui proposta, que consiste em demonstrar que aluno que pede a bênção aos mais velhos poderá ter um desempenho melhor no processo ensino-aprendizagem, vou lançar mão da seguinte afirmação de Émile Durkheim (1858-1917): ”as paixões humanas só se detêm diante de um poder moral que a ele respeite”. Isso está no livro de Raymond Aron, “Etapas do Pensamento Sociológico”, da Companhia das Letras, na parte que começa sua abordagem sobre Durkheim.
Como partilhei acima, minha experiência de 23 anos demonstrou-me que os pais que tomam partido dos seus filhos diante de uma situação de conflito, essa criança só tende a piorar. Por quê? Porque o filho pensa que pode fazer o que lhe der na “telha”. Que sempre haverá alguém que irá defendê-lo. Assim, pensa não haver limite para suas escolhas.
Contudo, aquela criança que pede a bênção, de modo geral, vai desde cedo aprendendo que há alguém a quem deve respeitar. Que colocará freio em suas escolhas. Que uma escolha só é boa se for baseada no seguinte pressuposto: eu só farei aos outros, aquilo que gostaria que fosse feito comigo.
Evidentemente que isso só tem sentido se essa bênção for solicitada àquele ou àquela que procura ter consciência moral, como já demonstrei na primeira parte deste escrito.
Outro aspecto que podemos destacar é que pedirmos a bênção é sinal de respeito aos mais velhos e por isso os tememos. Que temos receio de decepcioná-los. Isso pode implicar num esforço contínuo por parte daquele que é abençoado. Ele se esforçará para que suas atitudes sejam coerentes. Logo, um estudante pode ficar preocupado em proporcionar bons resultados nos estudos, tendo em vista a aprovação por parte daquele que o abençoou.
Por isso estou convencido de que, independentemente do grau de instrução que alguém possa ter, pedir a bênção aos mais velhos é uma atitude louvável, que tende a melhorar nosso endereço existencial.
Aquilo que convencionei chamar de espiritualidade desfetichizada, pode ser fortalecida pelo carinho e afeto que poderemos ter pelos mais velhos. Considerar suas experiências de vida para não repetirmos os erros que porventura eles tenham cometido, me parece ser um gesto de sabedoria.
Nesse sentido, esse gesto de pedir a bênção é beber no próprio poço. É uma oportunidade de lembrarmos que temos uma história e que poderemos tomar consciência do por que estamos na história. Isso é possível para aqueles que conseguem ver isso como um gesto privilegiado de nos conectarmos com a substância primeira de onde somos originários.
Conseguirmos compreender que tudo está imbricado, que somos interdependentes e que esse gesto de pedir a bênção pode ser mais uma oportunidade de nos fortalecermos, é próprio daqueles que escolheram a humildade como fonte de inspiração de sua conduta.

2.  Um pouco da minha história e da força da bênção em minha vida

Tudo o que lhe escrevi até aqui teve como fonte originária o que aconteceu comigo há poucos dias. Eu pude pedir a bênção ao meu único tio-avô com quem tenho forte ligação. Trata-se do meu tio Luiz. Ele tem 84 anos e vive no interior do estado da Bahia. Ajudou-me quando eu tinha dezesseis anos de idade.  Foi ele um dos que teve misericórdia de mim. Eu ainda não sabia ler direito, apenas soletrava. Já havia reprovado quatro vezes. Estava na quinta série e trabalhava em uma fábrica de carrocerias em Medianeira, Paraná, perto de onde moro hoje, Cascavel. O reumatismo tinha voltado. Eu já havia desistindo de estudar. Ele chegou e disse a minha mãe: - “Não adianta, ele não vai conseguir trabalhar no pesado. Terá que trabalhar em escritório”. O que foi que ele fez? Pagou-me um curso de datilografia e eu voltei a estudar à tarde. Com a ajuda dos meus pais, e de mais uma professora de português, a qual não esqueço, nunca mais eu reprovei.
Quando nesta semana eu pude falar pelo telefone com ele, quando pedi a bênção a ele, me energizei de tal forma que encontrei elementos para lhe escrever essas coisas.
Portanto, esse simples gesto que está sendo esquecido por muitos poderia ser revitalizado como uma forma de frearmos o vazio ético que toma conta de boa parte de nossas crianças e jovens em nossos dias.
Como há outros elementos a serem considerados, penso que essa reflexão poderá ser complementada por você e por outros profissionais da educação que vivem dias difíceis frente ao processo ensino-aprendizagem.


[1]Ivo José Triches é escritor, palestrante e Diretor das Faculdades Itecne de Cascavel. Autor do blog www.itecne.edu.br/ivo  também é formado em Filosofia. Fez três Especializações e fez o Mestrado.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Sabor e saber - ligados a Educação[1]


Profª.Cíntia Borher Soares
Tutora do Sistema S.E.R. de Ensino

Qual seria o ponto de partida para uma boa prática pedagógica? Um trecho do texto de Rubem Alves fez como que minha “máquina de pensar” fosse ligada
”Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim "affetare", quer dizer "ir atrás". É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado.”[2]
O educador deve provocar a fome em seus alunos, para que o aprendizado ocorra da melhor forma possível e que o despertar da necessidade venha acompanhado pelo prazer de saciá-lo.
O aroma que vem antes do prato chegar a mesa, que invade o espaço e desperta o apetite é o melhor recurso que existe para uma boa refeição. O educador deve ficar atento aos gostos e preferências de seu público antes de servir o cardápio, pois alguns podem ter vivenciado experiências não muito positivas, o que pode trazer uma rejeição, antes mesmo da prova. Conhecer o aluno é um ponto importante para a realização de um bom trabalho.
Em seguida, deve-se apresentar um prato cheio de cores e sabores, pois antes de comer com a boca, comemos com os olhos. O educador deve oferecer aos seus alunos um bom material, contextualizado com sua realidade e com estratégias que podem detalhar os conceitos mais complexos, simplificando assim o entendimento. É através do material disponibilizado que o aluno terá contato com o conteúdo, por isso ele deve ser agradável e ao mesmo tempo eficaz.
O momento da prova do prato também deve ser cauteloso, pois a temperatura e o paladar diferenciam de pessoa para pessoa. O educador deve levar em consideração que cada um tem uma maneira própria de aprender e assimilar o conteúdo. Fazer generalizações pode comprometer o desenvolvimento do grupo!
Fazer provocações e despertar o interesse de provar o que, a princípio, não lhe agrada também é uma maneira de desenvolver nos alunos novas habilidades para que não corra o risco de apenas reforçar as aptidões que já foram desenvolvidas (novos conhecimentos). Pedro Demo, diz que devemos estimular a produção de conhecimento pelo próprio aluno, por meio da pesquisa, para que o aluno torne-se autônomo. Deixar com que cada um expresse sua opinião sobre o prato apresentado, é uma forma de fazer com que o aluno interaja e coopere na construção e ressignificação do conteúdo. Vygotsky nos mostrou que é a través da fala e da interação com o outro que chegamos ao pensamento, e que são os próprios alunos que formam seus conceitos sobre as coisas. O educador deve então, propiciar a negociação e a apropriação do significado, colocando o pensamento da turma em movimento.
A escolha do tempero (técnicas didáticas), a combinação dos ingredientes (domínio do conteúdo) e a temperatura ideal do prato (mobilização do grupo) são técnicas fundamentais para chamar a atenção para a degustação do prato (processo ensino-aprendizagem). Mas como nem sempre se pode passar pelas mesmas experiências que os alunos, deve-se tentar se “colocar verdadeiramente no lugar do outro, de ver o mundo como ele o vê” (Rogers apud Capelo, 2000).
Fomentar o debate, auxiliar e estar presente nos momentos que se faz necessário, incentivar cada um a tornar-se responsável pelo seu desenvolvimento e pela motivação geral do grupo, estar atento e sensível as variações que podem acontecer durante a ação e principalmente estar consciente da mudança de paradigmas e condições do ambiente dos alunos. O educador deve estar completamente envolvido com a turma e com os conteúdos de forma que anteveja possíveis problemas e situações para que possa (junto com o aluno) driblá-las. Para isso a confecção de um planejamento flexível acompanhado de leituras pertinentes ao tema, pode somar aos bons momentos de aprendizagem.
A distância existente entre os participantes não pode ser uma limitação. Criar estratégias para que a distância diminua, gerando laços de afinidades e afetividade com o aluno é essencial para o envolvimento. Um convite para a degustação de um prato é uma boa oportunidade para conhecê-los! E também uma ótima chance de trocar receitas, pois com esse contato descobrimos que por mais que estudamos temos sempre muitas coisas novas para aprender.
Cuidar para que essa distância não aumente no dia-a-dia também faz parte do papel do educador, lembre-se que “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Foi dessa maneira que conduzi o Curso 2 : Crianças brincam, falam, perguntam e pensam: filosofar desde a Educação Infantil e o 1º ano, na modalidade a distância no Ambiente Virtual de Aprendizagem do S.E.R. (Sistema de Ensino Reflexivo). Espero que meus alunos tenham saboreado tanto quanto eu. Desejo um bom apetite a todos.


[1] Esse texto está em meu blog sobre Mediação Pedagógica em EAD http://cintiamediacao.blogspot.com.br
[2] Texto de autoria de Rubem Alves intitulado como A ARTE DE PRODUZIR FOME. Disponível em: http://www.magiadamatematica.com/uerj/licenciatura/02-fome1.pdf

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Como superar uma grande paixão!




Por Ivo José Triches[1]


Refletir sobre esse assunto é para mim um dos mais apaixonantes. Espero que ao terminar de lê-lo você possa dizer que valeu a pena ter parado suas atividades para dedicar-se a essa leitura.
Claramente há uma intencionalidade principal neste escrito. Qual? Contribuir para melhorar o endereço existencial daqueles que necessitam dessa reflexão. Será que conseguirei atingir tal intento? Veritas filia temporis (a verdade é filha do tempo). Boa leitura!
1.   A base teórica deste artigo
Só eu sei o quanto eu não sei, mas do pouco que aprendi até hoje, não conheci nada tão significativo quanto a teoria de Espinosa (1632-1677) quando o assunto é a questão das paixões.
Se você já leu outros artigos meus, deve ter percebido que Espinosa já foi citado várias vezes. Ocorre que de fato esse pensador passou a influenciar muito a minha forma de pensar desde o dia que comecei a aprender aspectos do seu pensamento. Estou lendo suas obras. Li vários comentadores, principalmente a Marilena Chauí e Cláudio Ulpiano.
Na graduação em Filosofia praticamente não me lembro de ter visto algo sobre ele. Contudo, quando fui professor da Rede Estadual de Educação do Paraná tive o privilégio de ter conhecido um professor que marcou a minha vida. Foram dois encontros apenas. Foi Cláudio Ulpiano (UFF). Já falecido justamente por uma paixão da tristeza que o acompanhou por muitos anos, qual seja, o cigarro.
Evidentemente que abordarei aqui a questão da paixão amorosa. Entretanto, antes de chegar a ela torna-se necessário lhe apresentar alguns conceitos que são fundamentais na teoria espinosiana para que você de fato entenda essa temática, bem como possam orientar suas ações, se assim lhe convier. São eles:
- Conatus: força intrínseca a todos os seres que nos chamam para a vida. Em outras palavras: é a luta pela existência. Ninguém deseja conscientemente morrer. Por que nós somos mais assustados que os jacarés? Porque nossa visão é mais limitada. Temos o controle de no máximo 180º. Ao passo que o jacaré tem os olhos em cima da cabeça. Enxerga mais. Ele só reage se o seu conatus estiver ameaçado.
Outro exemplo: quando eu era pequeno, lembro-me que havia um homem muito mau lá na Linha Famoso, município de Descanso, Estado de Santa Catarina. Foi lá que passei os primeiros anos de minha infância, razão pela qual amo tanto o sítio.  Esse homem matava os outros com facilidade. Vivia envolvido em confusão. Quando ele ia à bodega tomar uma pinga, nunca ficava de costas para entrada do bar. Por quê? Porque tinha medo de ser ceifado. Ele matava o conatus dos outros e por isso temia que o seu fosse abatido.
Por isso que a expressão: “encostar a cabeça no travesseiro e dormir em paz” faz todo o sentido. Portanto, para Espinosa a regra é clara, ou seja, se nas minhas ações eu buscar fortalecer o meu conatus e também o conatus daqueles que me rodeiam, certamente minha capacidade de existir aumentará. No entanto a recíproca é verdadeira.
A partir desse pressuposto ele vai produzir o seu conceito de Ética que não é o foco aqui. Em outro momento escreverei sobre esse tema.
Hoje em dia fazemos o uso do conceito depressão com facilidade. Isso quando queremos nos referir a alguém que está triste, que não vê perspectiva em face do futuro, etc. Pois bem! Para Espinosa, essa pessoa está com o seu conatus enfraquecido. E por quê? Certamente porque está envolta em muitas paixões da tristeza. As pessoas – não todas - com as quais ela convive, podem estar com muitas paixões da tristeza também. É possível que estejam puxando essa pessoa para baixo, com “cabos de aço”, como bem sinaliza Lúcio Packter sistematizador da Filosofia Clínica. Desse modo é necessário entendermos o que são paixões e como elas se classificam, segundo Espinosa.
- O que são as paixões para Espinosa? São as vibrações, afecções que o nosso conatus sente. Elas são exteriores ao sujeito. A etimologia deste conceito é grega. Pathos = sofrer, deixar-se levar por... Daí deriva em nossa língua portuguesa a palavra patologia. De forma breve: a ciência que estuda as doenças. Associado a isso é relevante destacar que Platão considerava a paixão amorosa uma enfermidade do coração. Da mesma forma que nosso corpo sofre quando estamos com gripe, nosso coração padece quando estamos apaixonados. Uma visão negativa do conceito, evidentemente. Já para Espinosa esse conceito passa a ter uma conotação diferente.
Há sim uma ligação da etimologia dessa palavra com o significado atribuído por Espinosa, mas é apenas parcial. Isso porque para ele as paixões se classificam em dois grupos. As da tristeza e as da alegria.
O que são as paixões da Tristeza? São afecções, vibrações que o nosso conatus sente. Isso já foi dito acima você talvez esteja pensando. Uma vez existindo esse tipo de paixão em nós, nosso conatus ficará enfraquecido. Ele também definiu como paixões fracas. E por quê? Porque ao permitirmos que elas existam em nós, nossa capacidade de existir ficará diminuída.
Para mim isso está claro. Um ator social que se deixa levar pelas forças que vem de fora, que vive a partir das paixões da tristeza, vive menos até cronologicamente.
Como o texto ficaria excessivamente longo, não abordarei cada paixão como tenho o hábito de fazer em minhas aulas. Citarei apenas as principais. São exemplos de paixões da tristeza: o vício, a inveja, o ciúme, a mágoa, o ódio, etc.
Ao fazermos uma ligação com os seus três conceitos de conhecimento, poderemos afirmar, com segurança, que uma pessoa tomada por paixões da tristeza está apenas no primeiro. No nível da consciência (o segundo é o da razão e o terceiro o da ciência intuitiva). Ele compreende que sofre, mas escolhe não romper com essa lógica. Isso porque pensa no hedonismo que suas paixões lhe proporcionam. Não se dá conta que tem um caminho fácil no começo e espinhoso depois.
Para ilustrar isso vou exemplificar com a situação de muitos estudantes hoje. Há pessoas que fazem curso à distância do conhecimento. Preferem aqueles que são rápidos. Cujo diploma possa ser obtido sem grande esforço. Alguns desses cursos são ofertados na modalidade presencial, mas não há comprometimento por parte do estudante e, muitas vezes, das instituições também.
Assim o caminho que foi mais fácil no começo, tornar-se-á o mais difícil depois. Ele passou pelo curso, mas o curso não passou por ele. Não ocorreu a transcendência. Na hora que for chamado à responsabilidade terá grande dificuldade. Eu já presenciei isso com vários professores e professoras ao longo desses anos como Educador.
Isso implica em dizer que uma pessoa assim, deixa-se levar pelas forças que vem de fora. É um corpo marcado por outros corpos, como bem salientou Cláudio Ulpiano. Outro exemplo: o fiel que age conforme as orientações do seu líder religioso. Passemos agora a conhecer outra possibilidade de ser.
O que são as paixões da alegria? São as afecções ou vibrações que nosso conatus está afeto. Se em ti coabitarem mais paixões da alegria, você viverá mais até cronologicamente. Terá menos dores existenciais. Espinosa dizia que o homem forte é aquele que vive a partir das paixões da alegria. Seria o homem ético para ele. O homem da moral é aquele que vive a partir das paixões da tristeza.
Eu defino a felicidade como um estado de contentamento da alma. Ela é possível? Sim. No entanto dependerá das escolhas que fizermos. Não dá para desejar a felicidade permitindo que as paixões da tristeza tomem conta da minha existência. São exemplos de paixões da alegria: a virtude, a admiração, a amizade, a misericórdia, a bondade, o perdão, etc.
O que é a Liberdade para Espinosa? Consiste na capacidade que um ser tem de agir sem restrições. Partindo desse pressuposto podemos dizer que Deus é livre. E o homem? Pois então! Para ele o homem só consegue conquistar a sua liberdade se chegar ao terceiro conceito de conhecimento, qual seja, o da consciência intuitiva.
Liberdade e pensamento são dois conceitos importantíssimos na teoria espinosiana. O homem, por ser dotado de razão, é capaz de chegar ao conhecimento das coisas. A partir daí, se assim desejar, poderá ser o fundamento do seu próprio fundamento moral. Poderá inventar-se. Ele tem seu poder ampliado, e começa mudar o que vem de fora. Sendo, portanto, portador de liberdade.
A partir dos conceitos apresentados acima, chegamos, finalmente, próximo da compreensão de como poderemos superar uma grande paixão. Vamos adiante?

2.  A superação de uma grande paixão segundo Espinosa

De pronto enfatizo que eu também partilho dessa resposta apresentada por ele. Por isso no título não destaquei Espinosa.
Na sua obra chamada ÉTICA, mais precisamente na Quarta Parte na VII proposição ele afirma: “Uma paixão não pode ser reprimida nem suprimida senão por outra paixão contrária e mais forte do que a paixão a suprimir”.
Ao partir dessa afirmação vou – de forma breve – lhe apresentar como  as paixões amorosas eram vistas no séc. XVII. Na verdade, até hoje o sexo é visto, por muitos, como coisa suja, causa dos nossos pecados, etc.
Na época de Espinosa isso não era diferente. Quando alguém sofria os efeitos da paixão deveria sufoca-lá através da ascese, ou seja, do exercicio espiritual. Ao se autoflagelar[2], tomar banho frio, não tocar no corpo, acreditava-se que o homem chegaria mais próximo de Deus. O discurso era (e é, para muitos): o “importante é salvar a minha alma”. Para isso o corpo necessita padecer. Uma visão maniqueísta que Espinosa refuta com veemência. Ele nos diz que o fato de existir em mim o desejo por alguém, isso não se constitui em um mal nem em um bem. Dependerá de como eu agirei em face dessa paixão.
Se uma paixão ao realizar-se aumentar em mim a capacidade de existir isso se constituirá em um bem. Porém, se os resultados decorrentes da busca pela realização da referida paixão enfraquecerem o meu conatus, evidentemente, que a mesma será um mal. Nas palavras de Espinosa: “Uma paixão, na medida em que se refere à alma, é uma ideia pela qual a alma afirma uma força de existir de seu corpo, maior ou menor que antes. Portanto, quando a alma é dominada por alguma paixão, o corpo, ao mesmo tempo, é afetado por uma afecção que cresce, ou aumenta, ou diminui a sua potência de agir. Demais essa afecção do corpo recebe de sua causa a força de preservar no seu ser; ela não pode, pois, ser reprimida, nem suprimida, senão por uma causa corporal que afete o corpo contrariamente a ela, mais forte, e então, a alma será afetada pela ideia de uma paixão mais forte e contrária à primeira, isto é, a alma experimentará uma paixão mais forte, e contrária à primeira, que excluirá ou suprimirá a existência da primeira, e por isso, uma paixão não pode ser suprimida nem reprimida, a não ser que o seja por uma paixão contrária e mais forte”.  Ele escreve isso ainda dentro da proposição VII.
Imaginemos agora que uma pessoa se apaixone perdidamente por outra, mas não há a mínima possibilidade que tal paixão seja correspondida. Há basicamente duas possibilidades:
A primeira é que ela fique sofrendo e insistindo na tentativa de obter êxito. Se ela não conseguir tal intento as dores existenciais serão enormes. Ela sofrerá e fará o outro sofrer à medida que ficará perturbando a alma dessa pessoa. Isso poderá lhe causar danos irreparáveis tanto a ela que está afeta a essa paixão e depois nos outros envolvidos no processo;
A segunda possibilidade é que ela decida deixar que a pessoa amada siga seu caminho. Ao fazer isso, poderá canalizar todas as suas forças em outra atividade que seja socialmente aceita. A partir disso lentamente o tempo se encarregará de apagar as dores da paixão não correspondida. Ela perceberá que sua potência de agir será aumentada. Seu conatus voltará a estar fortalecido e novos dias virão.
Creio que tenha sido dessa afirmação acima de Espinosa que Freud construiu o seu conceito de sublimação. A Marilena Chauí afirmou no livro Espinosa, uma Filosofia da Liberdade que Marx e Freud produziram parte de suas ideias à luz do pensamento de Espinosa.
3.  Considerações finais
O lado bom de conhecermos a temática das paixões sob a perspectiva espinosiana é que as mesmas são tratadas sem o aspecto moralizante da grande maioria das religiões. Ao tentarmos compreender esse fenômeno sob o olhar circunscrito à razão, ficamos livres da culpa e da especulação que tanto mal fazem à alma humana.
Partilho daqueles que veem em Espinosa um pensador “embriagado de Deus”. Se partirmos do pressuposto de que Deus é vida e de que as paixões da alegria apresentadas por Espinosa são fontes da nossa longevidade, podemos inferir que há uma aproximação entre o que ele escreveu e o verdadeiro espírito de Jesus Cristo. Afinal uma das partes mais lindas do evangelho é a afirmação: “Eu vim para que todos tenham vida...”.
Evidentemente que conseguirmos substituir o vício pela virtude; a inveja pela admiração; o ciúme pela bondade e ou tolerância; a mágoa pelo perdão; a arrogância pela humildade, não é uma tarefa tão simples.
Contudo isso é possível. No último parágrafo de sua obra ÉTICA, Espinosa faz uma analogia com a joia. Diz-nos que da mesma forma que não é tão simples encontrarmos uma joia, mas ao encontra-lá não desejamos perdê-la, também não é fácil conseguirmos substituir as paixões da tristeza pelas da alegria. Entretanto à medida que conseguimos tal feito, não desejamos que esse novo momento acabe, porque o bem que elas nos proporcionam é incomensurável.
Espero que esse escrito tenha contribuído com sua formação e que suas escolhas sejam sempre as melhores.


[1]Ivo José Triches é escritor, palestrante e Diretor das Faculdades Itecne de Cascavel. Autor do blog www.itecne.edu.br/ivo  também é formado em Filosofia. Fez três Especializações e fez o Mestrado.
[2] Sugiro que assista ao filme O Nome da Rosa. É um retrato da Baixa Idade Média e que perdura até nossos dias. No movimento Opus Dei e em muitas congregações religiosas, isso é uma realidade até hoje.  Ainda: para os carismáticos na Igreja católica e para muitas religiões evangélicas, o sexo é visto até hoje como algo negativo, pecaminoso, etc.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Como seria o mundo sem religião?




Geancarlos Farinon Flores de Matias[1]
Ivo José Triches[2]


Max Weber (1864-1920), que foi um grande sociólogo alemão afirma que não há como pensarmos em uma história com base no “se”. Contudo, apenas a título de especulação esse escrito foi feito. Como de fato seria a nossa realidade se não houvesse a religião? O que você lerá a partir de agora são apenas algumas aproximações.
Em tempos convulsivos como os que vivemos, onde há relativismo e nevoeiros ideológicos, as grandes forças culturais do passado (especialmente as religiões tradicionais) já não conseguem se impor como referência. Não só as religiões, mas também a família, o estado, as artes de um modo geral, parecem ter esgotado a capacidade de influir e determinar valores de vida, princípios morais ou regras de comportamento. Aliás, isso só foi possível anteriormente, em muitas ocasiões, de forma extremamente autoritária.
O Fenômeno religioso tem existência garantida no seio das diferentes culturas, porque se buscarmos na própria palavra religião, que vem do latim: RELIGIO formado pelo prefixo RE (outro vez, de novo) e o verbo LIGARE (ligar, unir, vincular), perceberemos que a religião deste modo é um vínculo entre o mundo profano e o mundo sagrado. No fundo é a busca de reconectar o homem ao transcendente. De modo geral, as religiões tem por finalidade a tarefa de tornar o homem mais humano.
Como é notório, um dos papéis da religião é mostrar ao mundo o sagrado, dando a ele seu significado. A partir deste pressuposto ela proporciona o respeito às normas, às regras e aos valores sob o aspecto da moralidade. Sua importância é defendida por Émile Durkheim (1858-1917). Segundo ele é fundamental para manter o tecido social agregado. 
        Nas mais diferentes religiões o que se vê é a procura contínua em demonstrar suas verdades. Para isso, elas lançam mão dos dogmas, estes por sua vez se caracterizam por serem os princípios fundamentais e indiscutíveis de uma determinada doutrina e ou teoria.
 Em geral, elas procuram apresentar explicações para a ordem, a forma, a vida e a morte dos seres, oferecendo aos humanos a esperança de vida após a morte.
É importante destacar que ao longo do tempo na história ocidental, a religião através de sua vinculação com a política, foi considerada por muitos como o ópio do povo. O edifício teológico-político, como bem enfatizou Espinosa (1632-1677), transformou-se em um poder tirânico. Contribuiu e contribui até hoje para o processo de alienação e perpetuação da injustiça social no mundo.
Destaco que Karl Marx (1818-1883) deixou sua contribuição no tocante a esse tema também. Ele escreve a partir da leitura de Espinosa. Marilena Chauí nos diz que o conceito de alienação e de ideologia em Marx foi na verdade um prolongamento do pensamento de Espinosa. Isso está no livro Espinosa uma Filosofia da Liberdade.
Na procura contínua em mostrar as ilusões necessárias para suportar uma realidade que por si só não basta, as religiões se utilizaram, muitas vezes, da credulidade popular para oprimir e escravizar, manter privilégios e explorar, recorrendo a mentiras, as falsificações, aos oportunismos, as alianças mais objetas com os poderosos. Inclusive a violência e a crueldade. Isso tudo para assegurar benefícios materiais em detrimento da miséria, da ignorância e do sofrimento dos crédulos.
Como a melhor forma de se perder um argumento é generalizá-lo, nós não estamos afirmando que todos os líderes religiosos agem conforme nossa afirmação acima, apenas estamos evidenciando que essa é uma realidade ainda hoje. Vide os empresários da fé que estão por quase toda parte.
A história das grandes religiões, portanto, comprova quanto o conteúdo ideológico manipula, quase sempre de forma perversa, consciências e valores, para satisfação de interesses e privilégios que contradizem o que se apregoa como valor de vida. Mas em meio a estas perversidades, a existência das religiões no mundo também edificam, civilizam, educam e glorificam a espécie humana. Quem conhece a história dos reis de Roma, certamente, confirmará isso que afirmamos neste parágrafo. O cristianismo contribuiu e contribui até hoje para o processo de humanização do homem.
Certamente nas demais religiões também há uma intencionalidade semelhante ao cristianismo
Observe que é a contradição que faz do fenômeno religioso um mistério a exigir permanente estudo.
Portanto, se o mundo com religião é ruim e difícil, imagine sem religião! A existência teria outro significado.
 A questão que deixamos para reflexão é a seguinte: como o mundo ocidental, é na sua grande maioria cristão, será que é possível pensarmos em uma sociedade constituída por cristãos sem igreja? Como seria o mundo? Melhor ou pior do que é hoje?


[1] Geancarlos Farinon Flores de Matias é formado em filosofia pela faculdade Bagozzi, especialista em MBA Gestão de Pessoas pela Faculdade Bagozzi. Diretor do Colégio imaculada Conceição em Videira –SC. Também é palestrante.

[2]Ivo José Triches é escritor, palestrante e Diretor das Faculdades Itecne de Cascavel. Autor do blog www.itecne.edu.br/ivo  também é formado em Filosofia. Fez três Especializações e fez o Mestrado.