quinta-feira, 24 de novembro de 2011

FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO FÍSICA?

Cláudia Becker da Cunha*

“Na formação permanente dos professores, o momento fundamental
é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje
ou de ontem que pode melhorar a próxima prática.”
(Paulo Freire)

Como implantar uma Educação reflexiva na prática escolar? Como trabalhar Filosofia com as crianças nas aulas de Educação Física?

Estamos sempre nos questionando qual a metodologia ideal, a proposta pedagógica correta para trabalharmos com nossas crianças, mas por falta de referências, de uma formação continuada acabamos repetindo a forma como fomos ensinados. Mas a partir da participação do curso realizado pelo Sistema Reflexivo de Ensino, passei a ver a minha prática com outro olhar. Percebi que os jogos lúdicos, as brincadeiras, as atividades realizadas nas aulas de Educação Física também poderiam ser conduzidas de modo que as crianças pudessem desenvolver o pensar, expor as suas histórias, as suas descobertas, mesmo não sendo uma disciplina de filosofia. É claro que para que as crianças desenvolvam uma atitude filosófica, a experiência do filosofar, o professor precisa de leitura filosófica, alguns conceitos básicos de filosofia, e também a priori possa tornar-se reflexivo, que é um processo, mas necessário que se dê o primeiro passo.

Normalmente ouvimos pouco as crianças, as silenciamos, matamos a sua curiosidade. Pensamos que aluno bom ou turma boa é quando opera o silêncio, a disciplina, a apatia, o medo. Reclamamos de turmas barulhentas, com dificuldade de concentração. John Dewey já dizia que criança aprende fazendo. Precisamos construir uma Escola dinâmica, ativa, que dê voz e vez aos alunos. O desafio é organizar, disciplinar o falar e o ouvir, para que cada um fale e seja ouvido por todos.

Leciono Educação Física para alunos da Educação Infantil até o Fundamental Final (8ª série) numa Escola Municipal do interior de Leoberto Leal, Santa Catarina. Desenvolvi uma atividade com a turma do 1º ano, que sentados em círculo na quadra esportiva, teriam que passar a bola para o colega do lado depois de fazer perguntas sobre o que vinha a mente, sobre os mais variados assuntos. Na primeira rodada, senti a timidez de se expressarem, a dificuldade de elaborarem as questões, e com mais desenvoltura e espontaneidade no segundo e no terceiro momento. No início as crianças acharam estranha a brincadeira, mas depois se divertiram com ela. Surgiram questões interessantes, como: Por que perguntar? Por que estudar?

Percebi que subestimamos a capacidade e a criatividade de nossos alunos. Expliquei a eles o significado da brincadeira, destacando a importância de perguntar, pois aguça a nossa curiosidade, nos faz querer aprender, entender, serem pessoas melhores e agir com mais segurança, não sendo alvos fáceis de espertalhões e enganadores. O questionar nos torna críticos, incomoda. Aprender que não existe pergunta “boba” para quem quer saber, a não ter medo ou vergonha. Questionar nos faz pensar, rever, repensar, avaliar, analisar, refazer.

Outra atividade desenvolvida foi com a turma do pré-escolar, quando corremos todos juntos ao redor da quadra por alguns minutos como sempre fazemos, sendo diferente naquele dia, pois resolvi ler a conhecida fábula da lebre e a tartaruga, enquanto descansávamos na sombra da árvore projetada na quadra de esportes. Ao terminar a leitura também procurei incentivá-los a fazer perguntas e a entender o significado da história. Comecei perguntando quem ganhou a corrida? Por quê? Quem ganha é o mais forte ou o mais inteligente? Eles respondiam conforme o seu entendimento e também passaram a fazer algumas perguntas. Todos queriam falar alguma coisa, expressar a seu modo. Foi muito divertido, gratificante e produtivo.


* Aluna do EaD do S.E.R. no 2º semestre/2011, participou do Curso 2 – “Crianças brincam, falam perguntam e pensam: filosofar desde a Educação infantil e o 1º ano”. Professora da Escola Municipal do interior de Leoberto Leal em Santa Catarina. Sendo a tutora a Prof. Cintia Borher Soares do Col. Miraflores no Rio de Janeiro.

 
quem ganhou a corrida? Por quê? Quem ganha é o mais forte ou o mais inteligente? Eles respondiam conforme o seu entendimento e também passaram a fazer algumas perguntas. Todos queriam falar alguma coisa, expressar a seu modo. Foi muito divertido, gratificante e produtivo.

Alunos da Ed. Infantil da Escola Municipal do interior de Leoberto Leal em Santa Catarina


             Alunos do 1º ano da Escola Municipal do interior de Leoberto Leal em Santa Catarina


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Roda da Conversa: filosofando com crianças pequenas

Profª. Vanessa Brianti Hinuma

Brincadeiras, agitação, entrada na escola. O dia a dia em uma escola de educação infantil é muito diferente e muitas vezes ouvimos falar que crianças pequenas são imaturas, que não sabem o que dizem, mas com determinadas intervenções e questionamentos podemos perceber que as crianças pensam, refletem e agem. Filosofando e construindo conhecimento.

            Pensando em tudo isso, a rotina em minha sala de aula com o Maternal (crianças de 3 e 4 anos) inclui a roda da conversa. Esta é bem longa, construímos e refletimos sobre vários conhecimentos e acontecimentos. Todos os dias, conversamos sobre um tema. Por exemplo, se estamos trabalhando a Água, conversamos sobre a preservação dela, seu uso consciente. Se estamos trabalhando sobre folclore, conversamos e analisamos o brincar de pipa, o perigo do uso do cerol. E não sou só eu que trago os temas. Há fatos que acontecem com as crianças que também discutimos. Abro a roda para eles elencarem temas também. Então, crianças que no começo do ano quase não falavam, agora ampliaram o seu vocabulário e opinam sobre os temas. 

            E uma dessas rodas da conversa nós estávamos trabalhando sobre o circo. Então levei a imagem de um leão preso em uma jaula muito triste. E comecei a questionando se o leão estava triste ou alegre? As crianças, em coro, responderam que estava triste. Então indaguei: - Por que será? Onde ele mora? Onde ele está? Ele está gostando deste lugar?

            Através destes questionamentos, as crianças foram respondendo que ele não estava gostando, que ele estava preso. Então perguntei porque ele estava preso. Um menino falou que ele fez algo errado e prenderam ele. Todos riram e perguntei se existe prisão de animais. E um outro menino respondeu: - O Zoológico, oras! Questionei se os animais que ficam no zoológico  é porque fizeram algo errado. Em coro todos falaram que não.

            Lancei mais uma informação. Este animal era de circo. Todos falaram que gostam de circo. Então pedi para pensarem se o leão estava gostando. Eles disseram que não, que ele estava triste e que tinha um homem que batia nele. Falei mais uma informação: - Por isso que é proibido ter animais no circo. Porque eles sofriam muito, apanhavam e até passavam fome. Os homens não os tratavam bem. 

            Desta forma, veio a conclusão que os animais estavam sendo maltratados nos circos e que isso é crime. Um aluno falou que se visse alguém bater em algum animal ele ia chamar a polícia. Falei que era bom pedir para o papai e a mamãe ligar se isso acontecesse. 

            Como vemos, a roda da conversa, por acontecer todos os dias dá subsídios para as crianças pensarem e refletirem sobre determinados assuntos. No início do ano eles conseguiam falar apenas frases curtas. Só com o cotidiano filosófico e reflexivo que construiremos uma educação para o pensar. Isso é construído dia a dia. Não conseguiremos rapidamente e de um dia para o outro.

            As crianças pequenas refletem e mostram a sua opinião. Só depende do ambiente e das intervenções que a professora propicia.


Vanessa Brianti Hinuma, pedagoga formada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pós graduada em Gestão Educacional pela mesma universidade. Atua como professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Hortolândia - SP

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Verdade ou amor?

*Jackislandy Meira de M. Silva


Talvez alguém dissesse: “Que dilema desgraçado”. Não é desgraçado porque não é sem graça. É um dilema até certo ponto, pois depende muito da valoração de cada um. Para quem a verdade vem primeiro, o amor será sempre um pouco sem graça. Aos que enxergam o amor mais na frente, a verdade é que se torna sem graça. Ora, que seria do amor se não tivesse graça? O que pensar da verdade sem um pouco de amor? E o que dizer, então, do amor sem verdade?

Essa relação entre verdade e amor nas situações conflitantes do dia a dia não é de fácil compreensão, tampouco de fácil realização. Quase sempre ficamos em maus lençóis. Como falar a verdade sem desgraçar alguém? Como promover a verdade sem causar ódio ou dano às pessoas? E o que fazer quando amamos demais, ao ponto de nos abestalharmos? O amor nos deixa tolos, abobados e bestas?

Tomemos muito cuidado com o que estamos fazendo conosco e aos filhos no tocante à educação. Os filhos precisam respeitar e vislumbrar nos pais um modelo de comportamento ético. Pais infiéis geram filhos infiéis. Pais mentirosos geram filhos mentirosos. Pais ignorantes geram filhos ignorantes e assim por diante. Numa época em que as famílias de modelo patriarcal estão em demolição pela ausência da figura do pai, no sentido de sua omissão e de sua liderança, as famílias acabam se maternalizando por demais, uma vez que a liderança e a disciplina, tão próprias aos pais para formar os filhos em geral, ficam restritas aos zelo das mães, que não poupam esforços e sacrifícios para fazer as vezes do próprio pai dentro da família. Porém, mesmo que a família nuclear esteja bem composta, o que está se tornando cada vez mais raro, pois encontramos, com mais frequência, as famílias fragmentadas, ainda assim não se percebe uma preocupação explícita dos pais em disciplinar os filhos; combinar horário; afastar a mentira; falar com autoridade; cumprir regras; fidelidade no matrimônio; compromisso com Deus... 

Atitudes como estas, cada vez menos presentes no convívio familiar, demonstram que acima do amor deve vir o compromisso com a verdade, que está na linha da lei e da formação da personalidade. Imagine a primeira reação de um filho ao flagrar os pais na mentira. 

Todos nós devemos aprender mais com a verdade, e não fugir dela. Engraçado, não suportamos a verdade. No mais das vezes, preferimos o amor à verdade. Queremos muito mais massagear o nosso ego com carinhos e afagos, ouvindo o que se gosta, afirmando o que se pensa, do que ouvir a verdade; que precisamos corrigir isso ou aquilo, pedir desculpas quando ofender alguém, assumir as consequências pelos malfeitos. Não podemos mais deixar pra lá, esquecer e fazer de conta que nada aconteceu. Errou, tem que aguentar as consequências, a fim de se evitar não repetir os erros.

Em decorrência disso, estamos produzindo pessoas menos resistentes às adversidades da vida, ao sofrimento, à dor. O erro está justamente na formação. Não devemos somente passar a mão na cabeça dos filhos toda vez que eles errarem e chorarem, mas precisamos mostrar-lhes, pelo diálogo e pela conduta, que é possível aprender com os erros, e que o sofrimento é uma ótima escola.

O fato é simples: Poucos de nós suportam a verdade. Entre o amor e a verdade é preciso considerar algo. Nem um dos dois é suficiente e absoluto para viver bem. Só o amor nos deixa tontos, meio que vulneráveis diante das atrocidades da natureza humana. Só a verdade pode gerar homens totalitários e absolutos, incapazes de recuar, de relevar, de se soltar um pouco, de se despreder das convicções e assumir que precisa mudar.

Verdade demais pode afastar os amigos da gente, uma vez que ninguém é perfeito. Amor demais pode nos arrastar para a bobagem, na medida em que se perde a admiração e o brilho. Em geral, é muito perigoso quando escolhemos uma em detrimento da outra. O mais razoável seria escolhermos uma e outra em nossas ações, e não uma à outra. Verdade e amor não se excluem, mas se completam admiravelmente.
Depois desse devaneio sobre a verdade e o amor, você ainda concorda com a tão honrosa expressão atribuída a Aristóteles: “Amicus Plato, sed magis amica veritas” - “Amigo de Platão, mas mais amigo da verdade”?

*Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e
Especialista em Metafísica

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

De corrupção e faxina


Prof. Nei Alberto Pies
Ativista de Direitos Humanos

“A política não é a arte do que é possível fazer, mas sim de tornar possível o que é necessário fazer”.
 (Augusto Boal, dramaturgo brasileiro)

Nem a faxina e nem a corrupção são invenções femininas. A corrupção é um evento de natureza essencialmente humana, que decorre como fruto das oportunidades, elaboradas ou fortuitas, do caráter dos oportunistas ou dos interesses escusos ou mal intencionados. Jamais acabaremos com a tão disseminada “praga” da corrupção que corrompe os espaços da esfera pública e privada. O que podemos fazer é “torná-la cada vez mais difícil de ser praticada”, como pensa a nossa presidenta da República Dilma Rousseff. 

Quem cunhou o termo “faxina” para denominar os esforços que governo, parlamentares e organizações da sociedade estão empenhando pelo controle da corrupção o fez sem considerar o significado do próprio conceito e sem pensar nas conseqüências nele implicadas. A verdadeira faxina é praticada todos os dias, nas nossas ruas e casas, por milhares de mulheres e homens no Brasil que, de forma digna, fazem deste ofício o sustento e alento de suas vidas. Estes, sim, “faxinam” os nossos lixos e restos.

É difícil falar de faxina sem recorrermos a uma casa. Ocorre que existem implícitas em toda faxina diferentes modos de conceber a arrumação como a limpeza de uma casa. Há quem prefira casas esterilizadas, semelhantes a um centro cirúrgico ou cenário de novela. Há outros, no entanto, que preferem casas que promovam a vida e a festa, muito antes da arrumação. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “A casa arrumada” afirma que:
“casa com vida é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar. Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha. Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo? Tá na cara que é casa em festa”.
Faxinar pressupõe, por isso mesmo, “limpar o ambiente” com a certeza de que o mesmo logo mais estará sujo. E não é isto que se deve fazer para combater a corrupção.

O fato é que, no nosso jeito brasileiro, em cada momento histórico, vamos fabricando expressões lingüísticas para deixar tudo como está ou para zombar de quem está fazendo alguma coisa. Sempre arrumamos formas de não assumir nossa responsabilidade individual diante dos problemas enfrentados por todos. Fica muito mais fácil e cômodo ignorarmos a “corrupção nossa de cada dia”, aquela que enxergamos e da qual temos conhecimento, focando como se a mesma se concentrasse na Capital Federal, Brasília. É sempre menos comprometedor faxinar do que combater.

 No Brasil, não vivemos a cultura da radicalidade. Pela radicalidade, buscaríamos as soluções para nossos problemas a partir da raiz de sua existência.  Radicalidade é a nossa predisposição para a mudança efetiva e comprometida das realidades. Mas será que temos alguma predisposição para mudar o curso das coisas que movem a nossa vida social? A quem interessa combater a corrupção?

A corrupção gera-se em contextos circunstanciais, quando há oportunidades reais para que alguém, a partir de sua posição ou poder, apodere-se injustamente de algo que não lhe pertence. Não há como deter controle absoluto sobre as condutas pessoais e nem sobre a corrupção, mas há muito para fazer para resgatarmos valores como a ética, a justiça, a responsabilidade social, o zelo e a consideração pelas coisas públicas, a dignidade humana, o valor da política. Estes, sim, podem constituir uma nação mais cidadã e mais livre. São o verdadeiro antídoto para combater a corrupção.