quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Dos amores de nossas mães


“Uma garotinha, perguntada onde era sua casa, respondeu: onde minha mãe está” (Keith L. Brooks)

            Escrever sobre o amor de nossas mães é um grande desafio. O amor materno é sempre sagrado, capaz de abarcar as dimensões humanas mais ricas e contraditórias. Sua pureza se confunde com “amor radical”, nem sempre compreendido por sua incondicional capacidade de perdoar, de re-atar, de re-considerar, de re-aprender a viver do jeito que é possível, apesar dos pesares.

            Somente as mães conhecem realmente seus filhos e suas filhas. Por conhecê-los tanto e tão bem, são capazes de reconhecer os seus desejos e potencialidades, mas também os seus limites e fragilidades. Não raras vezes, são mal interpretadas porque dedicam mais atenção e apoio para um dos seus filhos ou filhas que, justamente, mais necessita de sua ajuda e presença.

            Nossas mães aprenderam e ensinaram que ser justo é dar a todos e todas as mesmas medidas, as mesmas proporções, dividindo tudo em partes iguais. O bolo de mãe, o melhor de todos, é sempre dividido em partes iguais para cada um de seus filhos e filhas. Parece que esta é sempre a fórmula mais justa de dividir os bens e artigos que possuem materialidade. Mas valerá esta mesma regra para “distribuir” carinhos, afagos, apoio e atenções? Para as mães, não. Para os filhos, sim.  

Sem perceber, nossas mães fortaleceram nossos egoísmos e caíram numa cilada que, não raras vezes, volta-se contra elas na medida em que os filhos, sempre diferentes, exigem que sejam tratados de maneira igualitária. Mas como tratar de forma igual filhos tão diferentes, com diferentes necessidades de compreensão, de apoio, de ajuda de todas as ordens, inclusive ajudas financeiras?

Em toda família com mais de um filho há um que precisa de uma presença, vigilância e cuidado maior do que o outro. Não é verdade que as mães amam diferente a cada um de seus filhos ou filhas e amam em diferentes intensidades, mas é fato que as mesmas dedicam-se aos filhos na proporção da necessidade que os filhos revelam para elas. Por isso mesmo, não se justificam as birras e incompreensões para com elas.

             Não adianta a gente querer esconder de nossa mãe aquilo que a gente é. A mãe da gente não precisa de faro nem de varinha mágica para descobrir o que se passa com a gente. Seu olhar e sua presença transpassam a nossa vida, tornando esta mesma vida como que uma extensão de si mesmas.
            Celebremos, pois, o amor sagrado de nossas mães. Saibamos reconhecer que o bem maior, nossa vida, foi gerado por elas. Saibamos reconhecer que, com a pureza de seu amor, as mães jamais seriam capazes de atrapalhar os nossos planos, desde que estes, uma vez verdadeiros, nos ajudem a ser o que a gente é.

            Todas as mães são únicas. São mães a seu modo por conta de nós, seus filhos. Elas nos geraram, mas não puderam prever como a gente iria ser. Embora insistam em dividir o bolo em partes iguais, por força do hábito, elas nos provam de que fazer justiça não é dividir em partes iguais, mas dar a cada um e cada uma conforme as suas necessidades.
            Vida longa e saudável a todas as mães brasileiras!


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Filhos humanizam



Nei Alberto Pies

 “Os anos deixam rugas na pele, mas a falta de entusiasmo
deixa rugas na alma” (Michael Lynberg)


A paternidade e maternidade estão permanentemente submetidos à avaliação e análises, feitas por todos nós. Somos homens e mulheres que assumiram um compromisso denso com filhos e filhas. E vivemos tempos em que se torna difícil compreender as mudanças culturais que operam neste mundo de ligeiras transformações. Ser pai e ser mãe é mais do que um ofício; é assumir uma missão, criando condições de aconchego e de vôo, como fala Padre Zezinho. Somos pais e mães menos presentes na vida cotidiana de nossos filhos. Por isso mesmo, a convivência com eles pode e deve ser, por excelência, um convite e uma oportunidade para a humanização (nossa e deles).

O ser humano não nasce lapidado, não nasce pronto. Faz-se no tempo, na experiência e na vida concreta. Esta vida concreta é feita de oportunidades. Umas nós mesmos as construímos, sobretudo em nossos espaços de convivência familiar. Outras, o mundo as oferece, de forma permanente. E acontecem longe do controle e da vontade dos pais e mães. Por isso mesmo, educar os filhos e filhas não é uma exclusividade das famílias. A educação das crianças, adolescentes e jovens deve ser também uma responsabilidade compartilhada por todos nós, por toda comunidade.

Certas coisas aprendemos a partir da experiência concreta. Quando éramos apenas filhos, não possuíamos noção da idéia de “pertença” e proteção, tão intrínsecas à vida dos verdadeiros pais e mães. Achávamos que éramos superprotegidos, que nossos pais "desperdiçavam" tempo e cuidado para com a gente. Finalmente, achávamos que o que nos faltava era a liberdade. Com a paternidade e a maternidade passamos a compreender o valor dos “investimentos” afetivos, culturais, emocionais e porque não econômicos que pais e mães fizeram e fazem em função de seus filhos. Filhos não tem mesmo condições para compreender estes valores, mas deveriam aceitar a idéia de que pais e mães só querem proteger, porque ainda os consideram seres frágeis e suscetíveis a muitos perigos que os rondam enquanto forem crianças, adolescentes ou jovens. E que estes perigos são reais, e existem.

 Por sua vez, a sabedoria popular encarregou-se de nos ensinar que “filhos a gente não cria para a gente. Filhos, a gente cria para o mundo”. Diz Padre Zezinho que “não dá para ninar um filho a vida inteira. Um dia a aguiazinha fica madura e precisa voar sozinha e fazer seu próprio ninho. Tem que haver mais do que asas de mãe naquela vida. Existe vento forte lá fora e alguém tem que empurrá-las para voarem sozinhas. Filho que não entende isso chega aos 32 anos dependendo da mesada do pai. Pai que não entende isso vai amar errado. Há um tempo para o aconchego e outro para o vôo para longe. Ou isso, ou não haverá mais águias..”.

 O ambiente familiar é um espaço privilegiado de promoção de vida, dignidade e de humanidade. Aqueles e aquelas que, convivendo, compõem um ambiente de relações afetivas e próximas, podem construir a mais rica experiência do amor. Mas há que se considerar ainda os filhos e filhas dos outros e outras. Aqueles que não possuem um ambiente familiar que os promova e os proteja. De quem a responsabilidade? Se filhos do mundo, também filhos nossos. São de nossa responsabilidade também.

Rugas no corpo são inevitáveis com o passar do tempo. Rugas na alma não colam naqueles que são entusiastas da vida, do amor e do ambiente familiar. Nossas famílias devem ser lugares de aconchego e de vôo. Aconchego e vôo são da essência humana; constroem felicidade.


Nei Alberto Pies,
professor e ativista de direitos humanos

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Da força do amor



Nei Alberto Pies
O amor é doação. Tudo o que contradiz a doação, machuca”.

O amor é uma das ideias mais revolucionárias, capaz de garantir condições de vida em segurança. O medo, valor tão propagado e vivenciado por conta da violência cotidiana, não pode nos apequenar diante dos desafios de sempre construir vida na dignidade, a partir de relações de respeito, consideração e apreço de um para com o outro. O medo nos protege e não irá nos desencorajar para a vivência e a convivência humana.

Nossa civilização “encaixotou” o afeto. O afeto estimula a criarmos as condições para nossa plena realização. O ser humano é um ser em construção, por isso mesmo exige investimentos afetivos a vida toda. O cuidado, como algo essencial e que constitui a nossa condição humana, deve ser resgatado se quisermos devolver à humanidade o verdadeiro sentido de sua existência.

Não sobrevivemos se não somos bem cuidados. Na escala dos seres vivos, somos os mais dependentes de todos. Saímos da barriga da mãe, caímos nos braços de uma família. Aos poucos vamos crescendo e nos integrando aos grupos sociais da escola, da vizinhança, dos amigos, dos colegas de trabalho. E cada fase de nossa vida exige que sejamos cuidados e que saibamos cuidar, da gente e dos outros.

A necessidade do cuidado e as carências afetivas, próprias do ser humano, não constituem nenhuma fraqueza. O que nos torna fortes e capazes de superar as contradições é a coragem de assumirmos nossas carências, pois estas é que nos desafiam para o crescimento e discernimento pessoal, afetivo e social. As relações que se constituem na partilha, na compreensão, na doação, na gratuidade e na confiança são oportunidades que muitos constroem por acreditarem que sua realização depende da integração, convivência e complementariedade a serem construídas junto com os outros. São também excelentes oportunidades de vivenciar a doação, pois vida existe se for compartilhada.

Redescobrir-se em permanente relação com os outros é a grande contribuição que cada um pode oferecer
para a elevação de uma consciência de humanidade. Reconhecer e vivenciar valores como a solidariedade, a amizade, o amor, a partilha e a alteridade pode nos possibilitar um mundo com menos violentos e menos violentados.

A solução para os problemas de convivência social não passa pela construção de novos presídios e nem pelo endurecimento de nossas leis. A solução passa pela promoção da vida e da humanidade, através do cultivo de relações de respeito, amor e afeto. Passa também pela promoção da justiça. Romantismo? Não para os que acreditam que o amor é sempre maior do que o medo e a dor. O amor sempre foi a inspiração dos grandes mestres como Jesus Cristo, Madre de Calcutá, Gandhi, Dallai Lama, Chico Xavier e outros tantos mais. Aprendamos com eles se quisermos sobreviver plenamente realizados e livres.
 
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

ISSO PODE SER UM BÁLSAMO À SUA ALMA: multum, non multa, ou seja, muito, não muitas coisas.


Jeferson Ricardo S. Flores1 e Ivo José Triches2


O filósofo e político romano Plínio (Caius Plínius Caecillus Segundos), foi o autor deste provérbio que inspirou este nosso escrito. Tal provérbio foi extraído do Dicionário de máximas e expressões em latim, cuja autora é Christa Pöppelmann. No Brasil foi publicado pela Editora Escala.

Na ciência da Administração muito já se escreveu e se escreve até hoje sobre a importância do foco. Há inclusive livros com esse título. Contudo, lermos isso diretamente na língua da sabedoria – o Latim - é mesmo um bálsamo à nossa alma.

Isso, de certo modo, evidencia que escrever ou falar sobre essa temática, não é nenhuma invenção moderna. Que os antigos já haviam percebido o quanto é relevante nós não querermos “abraçar o mundo”. Que é melhor concentrarmos nossas energias em uma ou duas coisas. 

Uma das razões que enfraqueceu o império napoleônico, foi o fato dele ter iniciado várias frentes de batalha ao mesmo tempo. Há outros exemplos na história que evidenciam isso. 
Por que de modo geral quando assumimos muitas coisas ao mesmo tempo, não fazemos nada direito? Porque isso dispersa nossa energia, nossa concentração, nossa integridade. Ficamos energeticamente volúveis, vulneráveis, instáveis. Portanto, sujeitos às interferências, às falhas, aos equívocos. Ajustar bem o seu foco, mesmo que tenha mais de uma atividade para fazer é primordial. Isso te dá força concentrada, potência, fluxo energético.

Se você partir do pressuposto de que a principal de todas as escolhas é escolher-se, é fundamental que seu foco esteja nessa direção. Escolher uma profissão porque lhe fará ganhar mais dinheiro ou lhe proporcionará mais status, fará com que seja muito difícil você manter o foco nisso.  Isso porque ao longo dos dias compreenderá que o fardo é muito pesado. O custo será maior que o benefício à sua alma. 

Para que compreenda melhor o que estamos querendo dizer, lançaremos mão de uma analogia. Escolher-se é fazer aquilo que faz bem à sua alma. À medida que você começa a se especializar nisso, perceberá que é semelhante àquele que cava um poço. Quanto mais ele cavar, mais conhecerá desse poço, mas isso não significa que não possa também conhecer o que há ao redor desse poço, do lado de fora, etc. Em outras palavras, não dá para querer fazer mestrado, lecionar, coordenar um curso de graduação, ser presidente de partido político, ter filhos para cuidar e estar terminando uma especialização ao mesmo tempo. Notoriamente que isso não é uma ciência exata ou radical, 08 ou 80, mas saber com clareza o que se quer, como se quer chegar lá, do que devemos abrir mão é muito importante.

Para nós, tão difícil quanto escolher-se é sustentar a escolha, ou seja, é fazer as renúncias necessárias para que você realize o que quer, consiga o que quer conforme o foco inicialmente escolhido. A opção que se apresenta fora do foco é como se fosse um teste, uma “tentação” para verificar até que ponto você está ou não comprometido com aquilo que deseja. 

O que acontece, numa explicação do ponto de vista energético, é que o foco é uma concentração de energia em direção a determinada situação desejada e para isso, ganhamos impulso, potência e velocidade rumo ao que queremos.

1. Diante da escolha há dúvidas

Cremos que para você também seja assim: às vezes nos vemos em situações conflitantes, que geram crises ou dificuldades de escolha e posicionamento. Por diversas vezes entendemos que quando nos posicionamos, situações e oportunidades diferentes aparecem, o que faz com que fiquemos confusos. Como se fossem sinais de caminhos alternativos e nós, por imaturidade e pouca clareza destes processos, acreditamos que seja possível seguir os dois ou vários caminhos em paralelo sem maiores consequências. É a falta de uma consistência e clareza do foco principal em nossa vida que faz com que titubeemos e acabemos cedendo ao aceitar outras opções e escolhas que não são as nossas ou que estejam alinhadas ao nosso foco. 

Entendemos que é fundamental você perceber que há estradas que às vezes você precisará percorrer por tempos mais ou menos longos em paralelo, que serão compartilhadas com outros companheiros de jornada, mas que, em algum momento talvez você venha a se desligar desse comboio para pegar outra estrada, um atalho, enfim, um trevo que te leve a outro lugar existencialmente melhor.

Use sua energia para construir, nem que seja para se reconstruir, nem que seja para planejar, afinal, construção pressupõe também planejamento e projetos.  Veja o exemplo do leão: ele é manso, porque guarda todas as suas energias para o foco dele, aquilo que ele sabe fazer melhor do que ninguém: dar o bote no momento certo, rugir de forma estrondosamente potente, enfim, ser o rei da selva. Em quê você quer concentrar toda a sua energia?

2. Considerações finais

O fato é que não dá para “assobiar e chupar cana”. Estamos convencidos que é melhor nos especializarmos em uma determinada profissão, por exemplo, que nos faça bem e termos a coragem de dizermos não a tudo aquilo que serve como tentação de uma vida fácil. 
Saber dizer não é fundamental para aquele que deseja ter foco na vida. Se ao escolhermos fazer algo que seja bom para nós e bom para a humanidade, então nossas alegrias não serão egoísticas e passageiras. Ao servirmos a humanidade, qualquer que seja a forma e o tamanho da contribuição, nos eternizaremos no coração daqueles para os quais contribuímos para que pudessem escolher-se também.

Nosso desejo é que esse provérbio seja um encarte para sua alma. E o que isso significa? Aprendemos recentemente com Lúcio Packter – propositor e principal sistematizador da Filosofia Clínica, que isso é semelhante à casca de um ovo, ou seja, fazer um encarte na alma é envolvê-la com algo que sirva para evitar que ela se disperse com coisas que nos causarão dores existenciais. Por isso é bom ao menos uma vez por mês dizer a si mesmo: multum, non multa. Isso tem o efeito de um encarte e ajuda a manter-se no foco.



1 Jeferson Ricardo S. Flores é formado em Administração com MBA em Gestão Empresarial e Especialização em Inteligência Multifocal; atualmente cursa Filosofia Clínica no Centro de Cascavel Paraná.
2 Ivo José Triches é formado em Filosofia. Possui três Especializações e Mestrado. Atualmente é Diretor do colégio e da Faculdade Itecne de Cascavel. É também o Professor titular do Centro de Filosofia Clínica em Cascavel no Paraná.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

REFLEXÃO SOBRE O DIA DA “CONSCIÊNCIA NEGRA”.


Ana Belfort*

Dia da “CONSCIÊNCIA NEGRA”, da “Raça Negra”. Raça? Mas que raça? Afinal, temos somente uma raça. A raça de Seres Humanos. E... até onde vai minha concepção, todos nós, negros, pardos, claros, mulatos, índios, nativos..., pertencemos ou descendemos dessa mesma raça, a de seres humanos. Ou não?

Parabéns a todos os seres humanos que detém a cor de canela, aos negros, pretos, mulatos e a nós os pardos, mas que temos o sangue negro porque descendemos dessa gente negra honrada e corajosa. Seres humanos esses que um dia foram feitos escravos, não porque eram fracos, mas porque eram de fato “seres humanos”. Ao contrário dos “desumanos” brancos armados até os dentes ou abarrotados de dinheiro e poder, que a meu ver, são de fato os bárbaros, embrutecidos pela ganância, poder e ambição.
O dia da consciência negra, não paga e nem “apaga” o estigma destinado a tais pessoas. Coloco-me, radicalmente, contra a política de cotas, porque penso só aumenta a visão preconceituosa que presenciamos no dia a dia. Porque cotas? Somos potencialmente idênticos uns aos outros em inteligência e racionalidade? O que nos “diferencia” não é senão a coragem, a determinação e a persistência com que avançamos em busca de nossos projetos e sonhos?

Porque não citar a visão Kantiana [Imanuel Kant filósofo alemão do século XVIII] que diz: o que fundamenta o direito natural do homem, em qualquer de suas representações: homo sapiens ou mesmo homo demens, homo faber ou homo ludens, homo socialis, politicus; tecnologicus; mediaticus,vale dizer que todo direito, natural ou positivo e, feito pelo homem e para o homem, é que constitui o valor mais alto de toda a dimensão humana.

Grande exemplo disso é o admirável Joaquim Barbosa, Ministro do Supremo Tribunal Federal, que calou a boca de muitos brancos ilustres, e que com coragem e competência, colocou uma corja de bandidos de colarinho-branco na cadeia. Nós sabemos que para resolver a exclusão e o racismo não existe uma estratégia somente, talvez a luta e o grito sejam necessários em algumas situações extremas. A grande mudança talvez seja “perceber” a situação e descobrir qual vai ser a estratégia adequada, e não achar que existe apenas uma estratégia, a da luta e do grito. Fica ai a reflexão... Uma pequena reflexão a todos os leitores do Dia D...reflexões filosóficas.


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Professora de Filosofia
Especialista em Ética e doutoranda de Estudos Clássicos Filosóficos
ana-belfort@hotmail.com – Manaus/AM.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Quando eu podia, não quis. Agora que eu preciso, não posso!



Escrito por Ivo José Triches [1]

Ama-se o que se conquista com esforço”.
Aristóteles


O título deste artigo “fala” por si só. Contudo, antes de começar a refletir sobre o mesmo. Pretendo lhe dizer como cheguei a ele.
Eu e meu amigo – Marcelo A. B. Moraes que é professor em Campo Largo, Paraná – estávamos vivenciando a nona dimensão do conceito de práxis-orgânica, qual seja, o alterdidatismo. Sobre a semântica desses conceitos você encontrará muitas informações no meu segundo livro: Um caminho para viver melhor.

 Naquele momento de formação compartilhada meu amigo pegou o livro que estava lendo, cujo título é: Qual é a tua obra? Do filósofo M.S. Cortela. Pediu-me para ler o penúltimo parágrafo do livro. Nele havia uma citação de outro Filósofo. Trata-se do Beneditino F. Rabelais. Esse por sua vez é do Século XVI.  E que citação era? Rabelais disse assim em sua obra Gargântua Pontagruel: “conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não quiseram quando podiam”.

Depois desse momento de diálogo com meu amigo, comecei a partilhar com outras pessoas o que havia aprendido. Todos ficaram mesmo pensativos. Diziam que tal citação se aplicava em algumas situações de sua vida. Nessa história toda acabei por mudar sua afirmação. Disse na verdade, a mesma coisa, invertendo o sentido da frase. 



A RELAÇÃO ENTRE O QUE RABELAIS DISSE COM O QUE MEU PAI ME FALOU 

 Recentemente eu ouvi do Fernandão, hoje técnico do Internacional de Porto Alegre, a seguinte expressão: “inteligente é o que aprende com seus próprios erros, mas sábio é aquele que aprende com os erros dos outros!”. Isso me fez pensar muito. Eu comecei a associar essa sua afirmação como muitas falas do meu pai que já partiu. Seus acertos e erros ao longo dos seus 70 anos vividos marcou não apenas a mim, mas, certamente, meus quatro irmãos e as cinco irmãs que tenho. 

Esta reflexão que hora lhe apresento versa basicamente sobre uma de suas afirmações que vem ao encontro do que aprendi com Rabelais como  escrevi acima.
Faz dez meses que meu pai partiu. Uma semana antes da sua morte estive com ele. Ele encontrava-se fortemente abatido por uma doença de origem oncológica, teve um momento de pequena melhora. 

Naquele momento ele ainda podia andar, mesmo de forma lenta. Então fizemos uma pequena caminhada a sós. Entre outros temas que fizeram parte do nosso diálogo, eu lhe perguntei: - “pai, existem mais mulheres ou homens viúvos”? Ele me respondeu: - “mais mulheres, claro” Então eu lhe fiz mais uma pergunta: - “e por que muitos homens partem antes das mulheres”? Eis a resposta: - “porque os homens facilitam em quase tudo”.

Querido leitor ou leitora, essas palavras não saem mais da minha memória. Depois de ter compreendido e sistematizado o que está hoje no título deste artigo, comecei a fazer as conexões entre ambas. Dei-me conta que há uma relação de semelhança entre o que meu pai disse e o escrito de Rabelais.

Ambas as afirmações podem ser aplicadas nas mais diferentes situações de nossa existência. 

Compreendi que meu pai estava se referindo a ideia de que os homens, de modo geral, são mais viciosos do que as mulheres. Por quê? Porque muitos homens se deixam dominar pelos objetos mais facilmente. Como exemplo: a pinga, jogo, carne gorda, cerveja, mulheres, a gula, carro, etc.

Evidentemente que há mulheres viciosas, só que, de modo geral, elas se cuidam mais. Eu conheço homens que fetichizam carros. Compram carros potentes a preço alto. Pegam uma “bíblia” para pagar (o tal do carnê). Pior: do antigo e novo testamento. Pagam um seguro caro. No primeiro chiado diferente que ouvem, levam imediatamente para o mecânico. Ao passo que o seu próprio “carro” (seu corpo) está com a “lataria” e com o “motor” com problemas e ele nada de ir ao médico. Moral da história: depois vêm as consequências. 

 Lembro-me de uma entrevista que o ex-senador Vilson Kleinübing deu à Folha de São Paulo pouco tempo antes de morrer. O repórter perguntou o que ele pensava do cigarro. Disse: “foi a pior besteira que eu fiz”. Certamente essa sua fala se aplica nas duas frases acima explicitadas.

Creio que você já deve ter pensado que isso se aplica também em alguma circunstância de sua vida. Apenas para explicitar um pouco mais, penso que essa afirmação de Rabelais se aplica à vida de muitos que passaram pela escola. Quando podiam estudar, não quiseram. Fizeram pouco caso dos professores. 

Estes por sua vez, tomados pela preguiça não estudaram. Depois na hora de um concurso público ou no momento de um processo seletivo para conquistar um bom emprego na iniciativa privada, não tiveram condições de passar. 

A minha dor existencial como educador hoje é ver que muitos estão fazendo curso à distância do conhecimento, mesmo na modalidade presencial. Querem cursos rápidos. Sem grande esforço. Não há milagre. Se quisermos de fato ter muitos conhecimentos, o esforço é inevitável. Observe ao seu redor: aquele que escolhe o caminho mais fácil hoje terá o caminho difícil amanhã.  Entretanto, aquele que escolhe o caminho mais difícil hoje, no dia de amanhã o caminho será mais leve. De modo geral é assim. Ao menos é o que constato de forma empírica.

Em relação à obesidade isso não é diferente. Quantos que hoje tomados pela preguiça e pelo vício da gula estão muito acima do peso? Claro que há pessoas que sofrem desse mal por questões orgânicas, mas o fato é que eu conheço inúmeras pessoas que simplesmente fizeram de vida um culto às emoções. Desejam o hedonismo imediato sem pensar nas consequências. 

Em face deste assunto do parágrafo anterior, também me dei conta que estava errando. Como pretendo até 107 comecei refletir: como chegarei até lá se não mudar meus hábitos alimentares? E ainda, se não cuidar da lataria e do motor do meu carro? Ora, para cuidar do motor (coração) estou fazendo atividades aeróbicas. Para deixar “lataria” (restante do corpo) em bom estado de conservação, estou fazendo alongamento e musculação. 

Por fim, mas não por último minha intenção central neste artigo é contribuir com sua formação. Que você cuide do seu corpo e de sua alma, desejando que isso que meu pai e que Rabelais afirmaram nunca se apliquem em sua vida. Sugiro que volte ao início e releia a frase de Aristóteles. Ela também é de grande valia. Vale a pena repetirmos a mesma aos nossos alunos e ou aos nossos filhos.



[1] Ivo José Triches
Especialista em Filosofia Pensamento Contemporâneo pela PUC-Pr;
Em Filosofia Política pela UFPR;
Filosofia Clínica pelo Instituto Packter
Mestre em Mídia e Conhecimento pela UFSC.
Professor e membro do Conselho Gestor do ITECNE.
Diretor do Colégio e das Faculdades Itecne de Cascavel

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A felicidade está no ser, não no ter

Ana Karolina Brandl

No mundo em que vivemos hoje, as pessoas vivem em busca de felicidade. O mundo em que vivemos está violento, cheio de medo, triste, não há mais respeito entre as pessoas, como consequência a felicidade acaba desaparecendo.

Todos nós queremos felicidade plena, mas a felicidade está em apenas alguns momentos, como Freud afirma: “O propósito de que o homem seja feliz não está contido no plano de Criação”. Freud com essa afirmação diz que Deus não nos criou com felicidade plena, nos criou para desfrutarmos de felicidade momentânea.

Para sermos felizes precisamos fazer coisas que gostamos podemos buscar a felicidade com outras pessoas, mais ser feliz depende de nós mesmos.

Muitas pessoas acreditam que a felicidade esta nos bens materiais, no dinheiro, nas mansões, no luxo. Muitos têm tudo, tem dinheiro, carros de luxo e não são felizes. A felicidade esta nos momentos mais simples, com os amigos, com a família, fazendo coisas que você gosta com pessoas que você gosta. Os momentos mais simples são aqueles momentos que você jamais vai esquecer.

Quando você esta bem consigo próprio, esta fazendo coisas que gosta, esta perto de pessoas que ama, você é feliz. Muitas vezes você é feliz e não sabe, por ter ganância de sempre quere mais e mais, e não dar valor ao que já tem.
A felicidade esta no ser, não no ter.


Aluna: Ana Karolina Brandl - 3º ano II
Prof.  Arisnaldo Adriano Da Cunha - arisnaldoadriano@yahoo.com.br

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O ENSINO MÉDIO EM DEBATE


Jéferson Dantas[1]



O Ministério da Educação (MEC) chegou a uma óbvia conclusão: poucos jovens no Brasil ascendem ao ensino médio, o que significa que esta etapa de escolarização representa pouco mais de 40% da população escolar que inicia o ensino fundamental. Aliás, ao se discutir com profundidade o ensino médio devia-se também analisar em que medida o ensino fundamental tem conseguido motivar a continuidade dos estudos de crianças e jovens, principalmente oriundos da classe trabalhadora com poder econômico restrito. Em Santa Catarina, após a divulgação dos últimos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), houve certo alarde do poder público estadual em divulgar por meio de diversas mídias o quanto o estado apresenta uma educação de qualidade. Ora, ao se fazer tal análise, torna-se crucial que se quantifique e se qualifique tais indicadores, pois as metas a serem atingidas pelo IDEB ficam escamoteadas no interior de escolas públicas bem classificadas (que são poucas) e várias unidades de ensino com índices bem abaixo da média; isto se deve à elevada rotatividade de professores, péssimas condições de trabalho, salários aviltantes e ausência de formação continuada em serviço oferecida pelo Estado.

Nesta direção, recentemente o MEC sinalizou mudanças efetivas no currículo do ensino médio, antenadas com o que estava previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1999, que recomendava que esta etapa da educação básica fosse dividida em três grandes áreas: 1) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; 2) Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; 3) Ciências Humanas e suas Tecnologias. Teoricamente, tais mudançasque deverão estar atualizadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médioterão de incentivar e/ou fomentar a interdisciplinaridade e a pesquisa por parte dos estudantes, pois os conteúdos não estarão mais organizados de forma monodisciplinar. Isto implica numa mudança na organização da atividade docente, pois os professores precisarão se encontrar mais no ambiente escolar para planejarem de forma coletiva, o que é muito auspicioso. Há, contudo, receios nada infundados de que tal organização curricular se assemelhe àquele difundido pela Lei 5.692/1971 do período da ditadura militar (1964-1985), em que as Licenciaturas Curtas se alastraram em detrimento das áreas de conhecimento específicas. Em outras palavras, pode-se incorrer em generalizações epistemológicas.
O MEC, ao propor a unidade entre ciência, tecnologia e cultura, rebate os críticos de que isto criará mais divisionismos disciplinares nesta fase da educação básica. Defende-se, pois, que no ensino médio se privilegie uma educação atenta às demandas da juventude, quais sejam: o uso da tecnologia, comportamento ético, sustentabilidade e promoção dos direitos humanos. Além disso, as escolas teriam maior flexibilidade para alterarem seus currículos em conformidade com as especificidades regionais. Isto trará mudanças importantes para o ensino médio noturno (flexibilização da carga horária), apontado como ogrande gargalo, que grande parte dos/as estudantes está no mercado de trabalho, sendo mais suscetíveis ao abandono escolar.

Por outro lado, sabe-se que uma reorganização curricular não é independente de questões estruturais presentes nas escolas públicas brasileiras, notadamente. Se os planos de carreira continuarem sendo desmotivadores para os futuros professores, não será uma mudança curricular que demudará o status do ensino médio, pois a classe docente precisa ser respeitada e valorizada para se tornar agente desta mudança. Tais estudos provenientes do MEC vêm desde 2010, mas necessitam ser mais problematizados no interior das escolas. Caso contrário, será mais uma medida reformista e sem efeito prático. Desde a década de 1990 a educação básica vem se tornando cada vez mais um rol de enunciados de temas transversais do que, propriamente, uma etapa de apropriação dos conhecimentos científicos elaborados pela humanidade. Com estas modificações em curso, há a possibilidade de se melhorar o aumento de matrículas e o índice de aprovados no ensino médio, o que não significa, em princípio, que teremos estudantes capacitados para o mundo do trabalho ou mesmo para enfrentarem os processos seletivos de ingresso numa universidade.


[1]              Historiador e Doutor em Educação (UFSC). Articulador e consultor pedagógico na Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (Florianópolis/SC). E-mail: clioinsone@gmail.com

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A superação da relação entre AÇÃO POLÍTICA E PAIXÃO ERÓTICA (Parte 2): a alta política


Por José Luiz Ames e Ivo José Triches[1]

Inicialmente é importante destacar que a melhor compreensão deste texto dar-se-á se você ler o artigo anterior que publicamos com o seguinte título: ação política e paixão erótica: a política pequena.
Obs. Você encontrará esse texto neste espaço ou no blog: www.itecne.edu.br/ivo

1 – Retomando a essência do artigo anterior

As relações que ocorrem no âmbito da política pequena são semelhantes às que ocorrem com aquele ator social que age a partir da paixão erótica. Deixa-se dominar pelos seus instintos vegetativos. Deseja o poder com a mesma intensidade que deseja obter o prazer a qualquer custo como bem demonstramos no texto anterior.

Regra de ouro: o egoísmo é o axioma determinante da política pequena ao passo que o altruísmo é axioma da alta política.

2 – Algumas razões que possibilitam a superação da política pequena

A superação da estreita relação que há entre ação política e a paixão erótica ocorre quando um político age a partir da alta política.
O que é a alta política? A resposta desta questão já está implícita na regra de ouro acima. Um político que age a partir dessa perspectiva age pensando antes de tudo no bem da coletividade. Quando dizemos que um político é estadista, estamos nos referindo a alguém que pensa, antes de mais nada, no bem da sociedade.
Uma das coisas mais difíceis para um gestor público é conciliar o interesse coletivo com o interesse individual. Aquele que pretende agir a partir da perspectiva da alta política, na dúvida precisa tomar partido em favor da coletividade.

Regra de diamante: na alta política a construção do novo ocorre sem negar tudo o que os outros fizeram ou fazem.

Você que nos lê pode observar ao seu redor. O quê? É muito comum, quando chegam os pleitos eleitorais, a oposição procurar negar tudo o que já foi feito por parte daquele que está governando.
Dá a impressão de que a situação é do eixo do mal e que aqueles que querem assumir o poder são perfeitos. Ledo engano. Cometerão erros e acertos como os que já estão governando. Isso porque a imperfeição é condição humana. Muitos só sabem jogar pedras. Quando se tornam vitrine, cometerão erros ainda maiores. Notoriamente que nossa intenção aqui não é generalizar.

Regra de ouro: o criador nos fez diferentes para que juntos pudéssemos chegar mais próximos da perfeição.

Nós, de fato, podemos fazer algo ainda melhor do que já foi feito, mas para isso se desejarmos agir a partir da perspectiva da alta política necessitaremos ter a ética perto de nós. Esse é assunto a seguir.

3 – A ética como elemento constitutivo da alta política.

Refletir sobre o tema das relações entre ética e política não apenas é desafiador teoricamente, como urgente para a prática política no contexto atual. Um bom começo talvez possa ser perguntar-nos sobre aquilo que transforma uma ação qualquer em ação política. Podemos chamar de ação política a que cria o social. Quer dizer, é política a ação que assume como seu o ponto de vista da criação; que pretende moldar ou criar o universo que afeta não sua vida subjetiva, mas o da coletividade.
Há política quando nos fazemos sujeitos de uma realidade; isto é, quando não a tomamos por dada, ou por independente da ação humana, mas a concebemos como resultando dessa ação – e, melhor ainda, nos propomos a agir, moldando o mundo. Quando se define a ação como política, não tem mais sentido falar do lugar do governante ou de quem o contesta a fim de lhe ocupar a posição. O que importa é, muito antes, uma atitude criativa de quem se torna sujeito de sua vida, e não mais o lugar: a postura, e não a posição, eis o que conta.
Como exercer a ação política com ética? A primeira e fundamental maneira é através do exercício das funções públicas em conformidade com a lei. E quando uma lei é justa? Quando ela é boa para todos. Essa resposta nos foi dada por Condorcet, por ocasião dos acontecimentos da Revolução Francesa (1743 - 1794).
A lei é a medida externa, visível, pela qual os atos são medidos. Agir de modo ético na vida pública é cumprir a lei. No entanto, a eficácia da lei fica comprometida por alguns fatores, dentre os quais destacamos três. Primeiro: a mentalidade de que o importante não é cumprir a lei, e sim evitar ser flagrado na infração. Por exemplo, enriquecer por meio do tráfico de influência, sonegar impostos, arrecadar verbas através da coação e expectativa de ganhos (ilegais) futuros: vê-se problema nisso apenas na possibilidade de ser descoberto e não na prática enquanto tal. Segundo: a certeza da impunidade, seja pelo uso de artifícios jurídicos, seja por acordos de quadrilha, como se desenha costumeiramente nos casos de corrupção. Terceiro: manobras e pressões em benefício próprio. Vê-se que quem partilha dos privilégios do poder pode fazer pressão para desviar a atenção de um problema, retardar ou até anular uma ação investigativa que vise apurar os fatos de maneira incontrovertível.
Onde estão as principais falhas (responsabilidades) dos governantes? Apenas de forma indicativa, vamos referir duas que parecem fundamentais.
Primeira: na convicção de que existiriam quadros partidários moldados por princípios éticos tão profundos que os “blindariam” contra toda possibilidade de corrupção. Alguns partidos cultivam a imagem de “partido da ética na política”. Em geral, a imprudência de pensar que existem quadros político-partidários imunes às tentações do dinheiro fácil está na origem da corrupção.

Regra de ouro: quanto mais imune alguém se considera tanto mais exposto ao risco ele se torna.

Segunda: na deliberada manutenção das estruturas de corrupção construídas ao longo do tempo em nosso país. Quais estruturas? Destacamos quatro que nos parecem mais perniciosas.
Primeira: a estrutura de cargos de livre provimento do poder executivo. Em todas as esferas da administração pública, os governantes estão autorizados a preencher um número considerável de cargos obedecendo unicamente critérios de conveniência política.
É ali que, em geral, são acomodados os candidatos derrotados nas eleições, os militantes mais dedicados, os parentes mais próximos, etc., numa verdadeira partidarização das agências do Estado. Tudo funciona como moeda de troca para, na melhor das hipóteses, angariar apoios a fim de alcançar maioria na esfera legislativa. Em muitos casos, porém, é o caminho pelo qual se instalam as estruturas de fraude e corrupção.
A solução desse tipo de problema não requer, necessariamente, uma “privatização” das instituições públicas desses subsistemas — que podem envolver saúde, transportes, educação, canais de televisão pública, etc. —, mas pode passar pelo estabelecimento de um sistema gerencial de gestão, bem como por um controle público desses setores por parte dos órgãos de fiscalização.
Requer, porém, uma redução drástica no número de tais cargos para algo em torno de 5% em relação ao existente. A estrutura de cargos do Estado deve ser deixada aos cuidados de funcionários de carreira escolhidos por mérito, ou seja, teríamos a meritocracia como norte da gestão pública.
Segunda: as emendas individuais ao Orçamento. O expediente é utilizado sob o pretexto de atender as necessidades das comunidades às quais o parlamentar está vinculado. Na prática, porém, é um instrumento que alimenta o clientelismo político. Por um lado, o parlamentar utiliza os recursos públicos para obter vantagens pessoais, ainda que, no melhor dos casos, isso signifique apenas o voto dos eleitores.
 Por outro lado, o governante se serve do expediente como moeda de troca, na base da máxima “é dando que se recebe”: troca apoios no parlamento por liberação de recursos para as emendas dos parlamentares. Extinguindo-se esse expediente, impede-se a ação corruptora dos governantes e o clientelismo dos parlamentares. O Orçamento deve ser do município, do estado ou da união, e não deste ou daquele parlamentar. Agir em conformidade com essa ideia é agir  a partir da alta política.
Terceira: a estrutura partidária. Os representantes são eleitos dentro de partidos e a partir de um programa de ação. Podem, porém, trocar livremente de legenda e ignorar o programa de ação proposto sem que lhes acarrete qualquer punição. Essa sistemática tem servido para práticas descaradas de corrupção: o poder executivo algumas vezes compra (por vezes literalmente!) a maioria parlamentar na dimensão que lhe convém. Os recursos do tesouro financiam as trocas de partido e os votos aos projetos do executivo.
Para estancar esta fonte de corrupção, impõe-se uma reforma que obrigue a fidelidade partidária que puna com perda do mandato a troca; que institua o financiamento público das campanhas proibindo qualquer doação privada de pessoas e empresas; e que crie uma cláusula de barreira pela qual só podem ter representação legislativa partidos com determinado porcentual de votos.
Quarta: os órgãos de fiscalização. Os Tribunais de Contas, encarregados de acompanhar e fiscalizar as contas da Administração Pública tornam-se, muitas vezes, suspeitos devido à forma como são designados seus membros e é mantida sua estrutura. Escolhidos pelo chefe do poder executivo, sua manutenção depende diretamente da ação do governante. Poderíamos acrescentar a isso as Comissões Parlamentares de Inquérito. Levantamento publicado pela revista Veja (ano 45, n.19 p.70) mostra que os deputados criaram 29 CPIs no período compreendido do segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula com um total de 969 indiciados. No entanto, nada aconteceu a nenhum deles, reforçando a sensação de impunidade de que falamos acima.
A ética dos princípios (a que orienta nossas ações cotidianas) nos acostumou à ideia de ver o mal unicamente nas ações individuais. Ainda que, a princípio, seja verdade que é sempre um sujeito que age (e não uma instituição ou estrutura social), este modo de pensar nos faz acreditar em soluções falsas.
 Sempre que surgem denúncias de corrupção nos quadros políticos institucionais, a solução que todos esperam é de que esta pessoa, quando ocupa algum cargo público, deve ser substituída por outra e punida na sua falha. Ainda que isso seja necessário, é um equívoco pensar que resolve o problema.
Onde está o equívoco dessa solução? Em não perceber que a corruptibilidade humana não oferece segurança alguma de vitória sobre o mal com a simples substituição das pessoas. Falta articular a punição dos culpados à mudança nas estruturas facilitadoras da corrupção, como aquelas que apontamos acima.
Isso, evidentemente, não equivale a dizer que a correção ética individual é indiferente. Pelo contrário, a formação ética sólida é imprescindível. O que ressaltamos é que unicamente a consciência ética individual não garante uma vida pública assegurada contra a corrupção.

Regra de diamante: O que protege a vida pública são as instituições e os mecanismos de controle das ações dos indivíduos.

Portanto, é preciso que existam regras claras e objetivas que impeçam os indivíduos a agir segundo seu arbítrio subjetivo, ou segundo aquilo que lhes aconselha seu convencimento ético interior, tão somente. A integridade das instituições públicas não é assegurada pela presença de pessoas eticamente íntegras e sim por mecanismos que as protejam do assalto dos indivíduos.
Evidentemente que existem outras razões que possibilitam a superação da relação entre ação política e paixão erótica, mas essas você poderá acrescentar a partir de sua reflexão.
Nossa reta intenção é escrevermos para que tais escritos façam bem a quem os ler. Esperamos que tenha sido esse o caso.


[1] José Luiz Ames é doutor em Filosofia, professor da Unioeste. E-mail: profuni2000@yahoo.com.br
Ivo José Triches é diretor das Faculdades Itecne de Cascavel e Professor Titular do Centro de Filosofia Clínica de Cascavel. E-mail: ivo@itecne.com.br  blog: www.itecne.edu.br/ivo