quinta-feira, 23 de setembro de 2010

BRINQUEDO É COISA SÉRIA


Adão de Souza*

“A vida social reveste-se de formas supra-biológicas, que lhe conferem
uma dignidade superior sob a forma de jogo, e é através
deste último que a sociedade exprime
sua interpretação da vida e do mundo”.
J.L. Moreno


Jogar vale a pena. O jogo faz parte da vida humana tanto no âmbito das macro relações quanto no âmbito das micro relações. Ao longo de nossa história individual e coletiva o jogo se constituiu em uma das formas de sublimação mais prazeirosa e interativa. Para termos consciência disto basta nos remetermos as primeiras relações
estabelecidas com nossos semelhantes e então veremos que estas se configuravam sob a forma de jogos, onde as regras deveriam ser respeitadas, após, uma opção de escolha, em fazer ou não parte do jogo, democraticamente escolhido pelo grupo.Nossa consciência de alteridade parece ter seus pré-supostos sedimentados neste modelo de organização lúdica que se traduz numa postura filosófica capaz de nos permitir ver o mundo numa inteireza prazerosa descompromissada com os desgastes impostos por uma ordem social ditada pela rigidez de uma sociedade tecnocrata, desumanizada e desumanizante.
O jogo humaniza. O macro social em sua forma de ser parece mesmo um tabuleiro de xadrez, esquecido sobre uma mesa onde conforme os movimentos do interesse econômico cada peça teve seu destino ditado por quem detêm o poder. Parece que a aldeia global se transformou num verdadeiro cassino onde se joga dia e noite: na família, na escola, na política, na bolsa, sem o menor compromisso com a vida. Neste contexto, passamos a ver o jogo apenas como um componente dicotômico onde os sujeitos se destroem perdendo ou ganhando sem ter, se quer, a liberdade de parar para reavaliar suas ações. Transformamos uma mediação prazerosa de nossas interações numa arma de grande potencial destrutivo, apenas porque não nos demos conta de que as regras do jogo incluem uma postura ética diante da vida.
O jogo por si mesmo não é o câncer de alto poder destrutivo, capaz e corroer a humanidade e sim nossa falta de consciência diante dele que o transformou num produto restrito aos interesses da ordem econômica vigente.
A atitude egóica produzida por uma consciência alienada de uma postura filosófica diante da vida, é a grande responsável pela conceituação e manutenção do jogo como mecanismo de destruição. Se assim não fosse, as crianças não lançariam mão deste recurso para efetivar o rompimento com a cosciência pré convencional lançando-se ao nível da consciência convencional onde se tornam capazes de abraçar as normas iniciando-se potencialmente á consciência pós convencional.
Faz-se necessário atentarmos para aquilo que a sociedade capitalista fez do jogo, na medida em que este é apresentado como um atalho para a fortuna revelando a brincadeira como um caminho de difícil acesso possível apenas a quem tem poder de barganha e esteja disposto a ganhar ou perder, inclusive a própria dignidade.
Quando o homem se posiciona de maneira filosófica e ética diante do jogo perceberá que a dicotomia entre o ganhar ou perder é uma realidade que caí por terra perante o seu potencial criador. O jogo é uma atividade capaz de promover relações, desenvolver habilidades de raciocínio e resignificar a vida nos pequenos e grandes grupos que a ele se dispõem com pré disposição para discutir as regras, a liberdade , os papéis inerentes a cada sujeito, bem como o poder construído na relação, o que pode elevar a consciência ao nível da democracia.
Sem o compromisso com a fortuna, e o poder absoluto, mediado de modo crítico e criterioso, o jogo se constituirá em um dos aparelhos mais eficazes ao exercício da democracia; seja nos lares, nas escolas, em grupos de mera convivência informal, o jogo é capaz de auxiliar na construção de uma consciência cidadã capaz de promover a vida nos mais diversos espaços da convivência humana. As interações só terão e se constituirão em vínculos afetivos de alta produtividade se forem processadas no terreno de uma consciência pós-convencional e portanto, prazerosa.
É preciso fazer do ambiente escolar um espaço de prazer e pra isto se faz necessário um esforço da comunidade no sentido de resgatar as experiências lúdicas enraizadas no seio de nossa cultura e traze-las para o seu interior a fim de que sejam socializadas aumentando o potencial crítico e criativo de nossas crianças, jovens e adultos.A negação desta verdade os levará a auto destruição pois então estaremos castrando a perpetuação dos ideais éticos, morais,filosóficos e estéticos inerente a cada criança que vê no mundo um forma de fazer filosofia.
O jogo traduzido numa estratégia capaz de mediar o processo ensino aprendizagem transformará o ambiente de sala de aula num espaço prazeroso onde podem ser resignificados em nossas consciências os ideais éticos e estéticos promovendo á luz de uma prática pedagógica o bem pensar com fins ao bem viver. O contrário disto fará de nossos educandos meros alunos, isto é; indivíduos sem luz e porconseguinte sujeitos sem rebeldia, indiferente; consciências covardes, alienadas e adormecidas.Então as consciências adormecidas em seu nível pré-convencional se apropriarão destes indivíduos e dos utensílios do mundo numa atitude egóica e prepotente fazendo emergir a tirania que nada mais é do que o principio da morte da democracia.
Parece que a presença do jogo como atividade lúdica no processo ensino-aprendizagem já se constitui algo de consenso, todavia, parece não haver uma efetiva disposição dos educadores ao exercício desta “pedagogia” encantadora contudo mesmo assim, os jogos como brinquedo ou como dramatização , continuam como possibilidades de grande potencial educativo a espera de educadores que estejam dispostos a resgatar com prazer a alegria do brincar qualificando ainda mais sua interação com a criança e esta realidade é possível, pois estudos aprofundados provam que como produto de uma cultura, o jogo e o brinquedo permitem a inserção da criança na sociedade . Entre outras informações obtidas através de estudos, sabe-se que brincar é uma necessidade básica assim como é a nutrição, a saúde, a habitação.
Não podemos nos esquecer desta verdade apontada por estudos de confiança: Brincar ajuda a criança no seu desenvolvimento físico, afetivo intelectual e social, pois, através das atividades lúdicas, a criança forma conceitos, relaciona idéias, estabelece relações lógicas,desenvolve a expressão oral e corporal, reforça habilidades sociais, reduz a agressividade, integra-se na sociedade e constrói seu próprio conhecimento. Entre outros argumentos a favor do jogo na educação é sabido também que este é essencial á saúde física e mental. Quando explorado em seu potencial simbólico o jogo permite á criança vivências do mundo adulto e isto possibilita a mediação entre o real e o imaginário.
Brincar é um direito da criança reconhecido em declarações, convenções e leis a nível mundial. De todas as razões apresentadas neste artigo que objetiva conscientizar para a importância do jogo como mediação no processo ensino-aprendizagem talvez a mais convincente seja de conteúdo triste e assustador por se tratar de uma experiência que nos aponta os jogos como a negação de uma consciência ética. Estou parecendo paradoxal e contraditório já que tudo o que fiz até o momento foi exaltar as atividades lúdicas tendo o jogo como o centro das atenções. É preciso dizer que minha exaltação ao lúdico não se estende aos jogos eletrônicos em sua totalidade, pois baseado em pesquisas de grande extensão, incluindo pesquisa local, pude sentir o potencial destrutivo destes, na formação intelectual, afetiva e social das crianças.Depoimentos de um número de mil crianças apontam os jogos eletrônicos como mecanismos geradores de comportamento violento, ansiedade e emoções como raiva e ódio.
Quando perguntadas sobre um bom jogo as crianças apontaram os jogos de ação, qualificando estes instrumentais lúdicos como produtores de adrenalina, morte, violência e supremacia como substrato do conflito vencido pelo ataque a mão armada.

“Quando perco o jogo para meu irmão encho ele de porrada”
“Jogo de ação para ser bom tem que ter morte, porrada, e sangue”.
“Sempre que jogo, fico tenso”.
“Sempre que venço é porque consegui matar”.
“É preciso matar para vencer”.
“Odeio perder”.
“Fico a tarde inteira jogando”.

O mais preocupante em tudo isto esta na confusão conceitual que parece haver a nível de significado e significante mostrado através de depoimento que reduzem o conceito de ação á um ato de morte. Para estas crianças ação significa necessariamente morte, sangue e muita adrenalina.
Infelizmente parece ser este o terreno virtual em que esta sendo plantada a nova consciência ética.Por isso se faz necessário que o educador volte seu olhar e seu coração para este apelo das crianças que expostas ao paredão eletrônico de morte divagam entre o desejo de ser feliz e a necessidade de matar para ganha o jogo da vida já que segundo suas próprias falaz quando a realidade e a ilusão se fundem não da mais para saber o que é certo ou errado, nem o que é real ou ilusório. Ou ouvimos nossas crianças ou elas serão conduzidas pela lei do tiro onde a ressonância de um grito ético pode acabar no tom de uma muda voz marcada pela alteridade de um corpo frio.

BIBLIOGRAFIA:
SANTOS, Marli Pires dos. O lúdico na formação do educador. 3a ed, Vozes: Petrópolis, 1997.
YOZO, Ronaldo Yudi K. 100 jogos para grupos: uma abordagem psicodramática para empresas, escolas e clínicas. Editora Agora: São Paulo, 1996.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Editora Imago: Rio de Janeiro, 1975.
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*Professor e Coordenador no Departamento de Filosofia
 da Secretaria Municipal de Educação de São José/SC


Um comentário:

  1. Sempre trabalho com os jogos em sala de aula e percebo que eles auxiliam, além da aprendizagem significativa que alia o lúdico com os conteúdos, a socialização das relações, o respeito as regras e a opinião do outro.

    Profª Bal - Colégio JK - Brasília/DF

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