Prof. Dr. Silvio Wonsovicz
Vamos iniciar nossas reflexões, investigações e um filosofar vivo com um texto de Fernando Pessoa, que justifica muito bem a necessidade do dialogo sempre:
“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”
O diálogo que leva ao filosofar e à partilha de pensamentos e reflexões precisa questionar que tipo de atitude estamos realizando quando conversamos.
Com / Versar = Com, próximo de outro, num mesmo nivel + versar, dizer a palavra, expressar
Vamos pensar como entendemos e praticamos o diálogo? É como:
- Competição ou cooperação?
- Arena ou ágora?
- Patriarcal ou matriarcal?
- Totalitário ou democrático?
- Pirâmide ou rede?
- Negação ou aceitação do outro?
- Esperteza ou competência?
- Utilitário ou convenção?
- Linear ou complexo?
- Discussão ou debate?
Vivemos numa grande crise do modelo civilizatório. Há a defesa dos modelos de comportamento e exaltação de valores que vêm da estrutura mecânica da organização social. Temos então, valorizado pela tecnociência: a hierarquia, o controle, a estabilidade, o individualismo, a competitividade, o levar vantagem, a sobrevivência, etc. Essa forma de viver tem desencadeado enormes problemas. Os mais graves talvez sejam a exclusão social e econômica que atinge aproximadamente dois terços da população mundial; assim como as mudanças climáticas que ameaçam toda vida na Terra.
Toda crise coloca em perspectiva um novo caminho e um novo paradigma, com novos conhecimentos, valores e padrões de comportamentos. Há quem afirme que vivemos uma crise de significado ou “doença do pensamento” – expressão colocado pelo físico quântico David Bohm.
A saída dessa crise? A prática do diálogo para superação dos problemas atuais e resgate da convivência entre as sociedades, relacionamentos mais consistentes entre as pessoas.
Estamos filosofando, investigando, dialogando e partilhando o que nos é mais essencial – nossa essência enquanto pessoas. Por isso somente pelo diálogo é que:
- podemos conhecer as muitas maneiras pelas quais nos interligamos;
- entendermos que integramos uma única realidade compartilhada;
- percebermos a natureza contínua das mudanças que ocorrem à nossa volta;
- compreendermos o significado daquilo que pode parecer uma desordem. Assim com e pelo diálogo poderemos ver os grandes padrões e pensamentos que permeiam nossas vidas cotidianas;
- construirmos a Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.), em sala de aula.
O que precisa haver para que aconteça o diálogo?
Esse exercício de colocar-se “com” os outros requer o desenvolvimento de capacidades e atitudes como:
- deixar de fazer julgamento;
- aprender a ouvir;
- colocar-se em uma postura reflexiva Como fazer que em todas as nossas aulas o diálogo aconteça?
Algumas atitudes e comportamentos para que a conversação entre nós seja mais criativa e transformadora. Para que com o diálogo possamos formar cada vez mais a C.A.I. em nossa sala de aula:
· Pensar e desenvolver o diálogo sob ideias e aprendizagens compartilhadas, possibilitando diversas respostas e colocações criativas.
· Aprender a ouvir sem resistência, principalmente os pontos de vista discordantes, assimilando os significados das palavras ditas.
· Perceber que a necessidade de resultados pode levar o diálogo para um único resultado e, desta forma, restringir o poder de criação pelo diálogo.
· Respeitar as diferenças entre os participantes, isso não pode separar as pessoas.
· Entender que os papéis e status dos participantes no diálogo não podem impedir de ouvir e falar abertamente, valorizando assim a contribuição das pessoas.
· Compartilhar responsabilidade e liderança no grupo, de modo que todos sejam estimulados a ouvir e falar, garantindo a participação.
· Falar ao grupo todo.
· Participar, quando estiver realmente confiante, pois sua contribuição será útil ao grupo.
· Expressar o que sente e imagina no momento, prestando atenção aos pensamentos dos demais participantes, para buscar ir além da compreensão do grupo.
· Encontrar o equilíbrio entre o questionamento e a defesa. Ambos são necessários para a sustentação do diálogo e a busca do significado compartilhado.
Pelo diálogo é que filosofamos, refletimos e partilhamos um pouco de nossas verdades, para estarmos abertos às verdades dos outros. Assim ampliamos a nossa compreensão da realidade e construímos um novo pensamento, capaz de atender às nossas necessidades individuais e coletivas.
Na Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.)
surge, pelo diálogo, uma nova inteligência e ação coletiva.
Vamos fazer em sala um júri simulado ou uma prática filosófica sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?
Certamente esse tema pode gerar muita polêmica. Nessa atividade ninguém escolhe o lado, e terá que defender a posição que cair para o seu grupo. Caso alguém caia no grupo que defende a posição contrária à sua convicção, terá que defendê-la mesmo assim. Essa é uma maneira para treinar nossa habilidade de argumentação. Essa prática em argumentar é denominada prática forense (forense = fórum, tribunal), que é a defesa de alguma ideia, como os advogados fazem. Contudo, é justamente esta conotação de jogo e de disputa que distingue a prática forense da prática filosófica. Vamos ver o quadro abaixo e refletir sobre as diferenças:
Prática Forense (=júri simulado) | Prática Filosófica (=Comunidade de Aprendizagem Investigativa) |
1. Há uma busca da invenção daquilo que é o certo. | 1. Há uma busca da descoberta do que é o certo. |
2. É um jogo. Portanto há o desejo de ganhar do outro, não se importando com a verdade. | 2. Não é um jogo. Portanto não há competição. Aqueles que não pensam como eu me enriquecem. |
3. Defende-se o lado para o qual fomos designados, não importando qual seja ele, ou se este lado combina com nossas convicções pessoais ou não. | 3. Procura-se o compromisso com a verdade dos fatos. |
4. O compromisso maior não é com a verdade, mas com a defesa de ideias estabelecidas anteriormente. | 4. Não há compromissos cegos com a defesa das ideias preestabelecidas. Se os fatos comprovarem o contrário do que se pensava, muda-se de ideia. |
Agora é hora de escolher entre a Prática Forense ou a Prática Filosófica para depois registrarmos as ideias sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?
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O que vem a ser “discussão”?
– O método de comunicação mais encontrado nos relacionamentos humanos. Vem do latim “discutere”, que significa fragmentar, reduzir a pedaços ou quebrar em partes. A internet está repleta de “fóruns de discussão”, muito embora em alguns casos os participantes queiram mesmo é praticar o diálogo. O uso inadequado da linguagem vem dificultar nossa capacidade de percepção da realidade complexa que nos cerca.
Diálogo | Discussão/Debate |
Ver o todo entre as partes. | Desmembrar questões e problemas em partes. |
Ver as ligações entre as partes. | Ver distinções entre as partes. |
Questionar pressuposições. | Justificar/Defender pressuposições. |
Aprender por meio de questionamento e revelação. | Persuadir, vender e dizer. |
Criar significado compartilhado por muitos. | Chegar a um acordo sobre um significado. |
O que queremos nas aulas de filosofia e na Comunidade de Aprendizagem Investigativa?
– Pelo diálogo como um método de reflexão conjunta, conseguir a observação compartilhada da(s) experiência(s) para ampliar a limitada compreensão individual de mundo. Em outras palavras, a maneira como eu vejo é uma perspectiva única de uma realidade mais ampla. Posso ver com os olhos dos meus colegas, e eles podem ver com os meus, assim cada um de nós verá algo que talvez não veria sozinho.
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* Introdução do Livro - Somos cidadãos reflexivos: filósofos por natureza - 9º Ano. 7ª Ed., Coleção Novo Espaço Filosófico Criativo, 2010.
Primeiramente, obrigada ao pela oportunidade de estarmos compartilhando nossas idéias.
ResponderExcluir(C.A.I), pois esses conceitos sobre diálogo/debate
Debate/discussão foram bem colocados, esclarecendo e sugerindo as inúmeras possibilidades que temos como professores de buscar/provocar nossos alunos a pensarem além das cartilhas tão tradicionais. Fazermos como o Bom Sócrates... Se bem que ainda hoje, mexer nesse vespeiro das conversas ou diálogos possíveis e por que não pensar os impossíveis de acontecer, é entrar em um território alheio e o preço poderia ser a cicuta? Quem sabe? Penso que expressar uma idéia, é como um brincoleige...
Esse dia atrás ao entrar na sala de aula admirou-me quando uma criança muito espontaneamente falou: ah! Vamos ter aula de falasofia.. Eles não são ótimos em criar novos conceitos?
Ainda fico com a pureza e a resposta das crianças! Justamente o julgo é um mito, no entanto criar novas idéias juntos as crianças por mais ansiosas que elas sejam, É muito natural. O debate, a discussão, a falasofia, o erro, a despreocupação de não ter a “certeza” ou do certo, leva a palavra para um sentido total da existência. Viver é ainda estremecer na dúvida cruel se ainda estarei vivo no próximo minuto? Para a criança isto não é importante.,mas cada palavra falada e associada,cantada,sentida,purificada no olhar vibrante, que quer afirmar, eu sei, eu já vi, isto que vc me conta...são mais que debates/discussões.
Penso que são oportunidades que alguém, ou melhor, o professor tem para escutá-los, o que é tão importante á crianças, eles precisam compartilham o que descobrem a toda hora, em seus mundos, tudo está tão certo, incerto.
Agora, não na Ágora os alunos ditos jovens, poder-se-ia, talvez erro da minha escolha, ser utilizado às várias facetas destes conceitos ditos por vos, Ou como diria Nietzsche, “E aquele que não quiser morrer de sede entre os homens deve aprender a beber em todos os vasos,”
Por isto não seria o mais digno do agir filosófico, escolher entre tantos frutos uma única forma, ou jeito de trabalhar a reflexão filosófica? A conversa ou fala coloquial mesmo, é um meio para alcançarmos em nossa travessia os códigos secretos da alma humana e não esquecendo Foucault e seu rico discurso sobre a linguagem:
“Por outro lado, a linguagem engendrou esta outra suspeita: que, em certo sentido, a linguagem rebaixa a forma propriamente verbal, e que há muitas outras coisas que falam e que não são linguagem. Depois disto poder-se-ia dizer que a natureza, o mar, o sussuro do vento nas árvores, os animais, os rostos, os caminhos que se cruzam, tudo isto fala; pode ser que haja linguagem que se articulem em formas não verbais. (…)
Nietzsche, Freud e Marx. Foucault, M.
Bem, espero ter auxiliado com a minha fala-sofia.
Grata,
Kelly
MUITO BOM MESMO!
ResponderExcluirOtimo texto sobre a força do diálogo tem na filosofia do dia a dia... parabens continua sendo essa sabedoria...
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