quinta-feira, 21 de março de 2013

Prosa filosófico pedagógica


Prof. Marta Bergamaschi

Para iniciar esta prosa, gostaria de buscar uma fala do professor Moacir Gadotti, pronunciada por ocasião de um Congresso na UnB (1999), onde se debatia a Filosofia na sala de aula, no Ensino Fundamental e Médio.
Ele dizia que considerando a importância dada ao conhecimento em todos os setores das sociedade, poderíamos dizer que a nossa era é a era do conhecimento; vivemos na sociedade do conhecimento. Para comprovar este fato, basta olharmos para o processo de informatização e da globalização das telecomunicações a ele associados. Decorrentes desse processo surgem algumas questões que merecem ser pensadas com um maior grau de atenção.
A primeira delas refere-se à grande parte da população excluída dessa sociedade informatizada e conseqüentemente marginalizada em relação à sociedade do conhecimento.
Outra questão marcante refere-se ao fato de nossa cultura ser ainda conteúdista, restando poucas oportunidades de renovação cultural. Temos pouco ou quase nenhum tempo para construir, para renovar e descobrir.
Como amenizar essa nossa condição, para que possamos participar mais dessa dita sociedade do conhecimento?
Uma das saídas que podemos sugerir encontra-se na efetivação de uma educação para o pensar, ao longo da escolaridade. Neste caso, no espaço escolar, a sala de aula caminha para a formação de uma Comunidade de Aprendizagem Investigativa, onde professor e alunos dialogam com respeito, criam questionamentos a partir do ponto de vista do outro; buscam boas razões para explicar modos de pensar; e ainda procuram identificar o que cada participante da discussão pensa, e como pensa.
A educação para o pensar vem rever o conceito de Filosofia na sala de aula, com vistas a novo modo de ensinar, de aprender e de construir conhecimentos com os jovens e as crianças. Parte-se do princípio que a postura do professor deve estar mais centrada nas relações do que nas informações.
Para saber informações, necessita-se apenas acessar qualquer objeto que seja capaz de grava-las, mas para construir idéias, necessita-se de seres humanos criativos, capazes de construir relações surpreendentes.
Como nos lembra Mattew Lipman, criador do Programa de Filosofia para Crianças, o ato educacional se manifesta no desenvolvimento da inteligência humana e a essência da inteligência reside não na faculdade de acumular informações, mas na capacidade de perceber o que é essencial e de agir eficazmente sobre as coisas.
Cabe então à escola abrir esse espaço de reflexão, apostando no desenvolvimento autônomo do sujeito, contra o automatismo da não-reflexão das estruturas tradicionais da educação.
Assumindo esta postura, a escola estará propriciando a seus educandos, oportunidades de desenvolverem-se, na medida em que os leva a tomar consciência de suas potencialidades, o que ocorrerá especificamente nas denominadas Comunidades de Aprendizagem Investigativa.
Parafraseando Lipman, em geral, temos pouca ou nenhuma consciência do número de idéias sobre as quais nosso espírito trabalha incessantemente. Nosso pensamento age espontaneamente, sem que nos demoremos para analisar, para aprofundar ou precisar seu conteúdo. A comunidade de aprendizagem investigativa, facilita a busca e a descoberta dessas idéias lógicas e pessoais.
Marilyn L. Sklar dá o seguinte depoimento.
“ Ensinar filosofia é exatamente como fazer jardinagem. Você toma as sementes do pensamento e planta no espírito fértil das crianças. Em seguida, você as enriquece com questões pertinentes e provocadoras. Pouco depois, você vê germinar, à sua frente, um indivíduo com um pensamento crítico que não apenas vai enriquecer sua vida e a dele próprio, mas a vida de todos à sua volta.” ( 1987, pg. 78)
Mas, para que as crianças e os jovens, possam ser livres para expressar suas idéias, devem sentir, no caso da escola, que o clima geral da classe (pares e o facilitador) é pleno de confiança e de respeito. Se o respeito transparece na relação professor- alunos, ele se amplia para todos os participantes da comunidade de aprendizagem. Quando esta condição é atendida, a criança ou o jovem se integram com toda confiança no debate. E à medida que ela ou ele tomam consciência do lugar que ocupam, esforçam-se para produzir idéias criativas e diferentes. Isto porque percebem que suas idéias são aceitas e que contribuem para a evolução da comunidade de aprendizagem.
Esse respeito exigido no grupo, amplia as possibilidades do educando, superar a si mesmo e ainda acentua a motivação individual. Como isto a discussão torna-se dinâmica, curiosa, aberta e conseqüentemente e rica em novas idéias, chegando a limites e proporções inacreditáveis.
A educação para o pensar contribui significativamente para o crescimento pessoal e interpessoal do educando. Ela ajuda a criança ou o jovem a se tornar uma pessoa moral; a criar relações autênticas com seus pares e consigo mesma. Eles aprendem a confiança e o respeito. Eles aprendem a participar ativamente no fortalecimento do bem comum e assim a elaborar relações sociais eficazes. Em outras palavras, a educação para o pensar garante experiências ricas em significados.
Conforme Matthey Lipmam e Ann Margaret Sharp, a escola que considera a educação como sua missão, se dedica a ajudar seus educandos a encontrarem significados relevantes para suas vidas. Eles não captarão esses significados simplesmente aprendendo os conteúdos do conhecimento adulto. Eles precisam ser incentivados e desafiados a pensar e em particular pensar por si mesmos. O pensar é a habilidade por excelência que nos habilita a captar os significados.
É comum ouvirmos no meio escolar, que as crianças e jovens com problemas de leitura, provavelmente tenham dificuldades com o pensar. Acredita-se ainda, que se melhorarmos o modo de ler dessas crianças e jovens, certamente conseguiremos melhorar o modo como eles pensam. A tese dos pesquisadores na área da filosofia para jovens e crianças, e das teorias da aprendizagem, é de que a leitura e o pensamento são interdependentes. Um ajuda o outro. Conseqüentemente, ajudar as crianças e jovens a pensarem, pode muito bem ajudá-los a ler.
Não se trata aqui somente de ler as palavras e pronunciá-las, mas aprender a captar o sentido das palavras, das orações no contexto em que aparecem. Para descobrir o sentido do texto é preciso saber como inferi-lo ou extraí-lo. A inferência consiste em raciocinar a partir do que é dado literalmente para aquilo que é sugerido ou está implícito.
Quanto mais facilidade se tem para fazer inferências, mais significados é possível se extrair daquilo que se lê, o que, tornará a leitura cada vez mais satisfatória.
A comunidade de aprendizagem investigativa possibilita e encoraja a descoberta de sentidos e as inferências. O que é discutível é se o pensar pode ser ensinado, mas não há dúvida de que pode ser estimulado, encorajado.
Assim, a educação para o pensar, tem um importância crucial para estimular o pensamento e está pressuposto na psicologia cognitiva e social.
Vygotsky, em a “Formação Social da Mente”, apresenta tanto um suporte filosófico como psicológico para a tese de que o pensamento é a internalização do diálogo. Vygotsky reconhece clara e abertamente a existência de uma diferença entre a capacidade que as crianças têm para solucionar problemas individualmente e a capacidade para resolverem tais problemas com a colaboração de seus professores e colegas. Assim a oportunidade de dialogar e confrontar idéias levará os estudantes a pensarem e a alcançarem um desempenho mais alto do que eles poderiam alcançar individualmente.
Os professores deveriam ter em mente as poderosas relações que existem entre a leitura e a fala, por um lado e a escrita e a fala de outro. Existe também uma relação estreita entre falar e escutar, pois se não escutamos com atenção o sentido do que está sendo dito, provavelmente entenderemos mal o que está sendo falado. A comunidade de aprendizagem investigativa vem favorecer ainda mais estas aprendizagens, saber ouvir, aprender a construir a partir da fala do outro, aprender a captar o essencial da discussão na hora de registrar e etc.
A educação para o pensar além de incentivar as crianças e jovens a serem críticos, também os incentiva a pensarem de modo criativo. Eles são também desafiados a fazer perguntas. Não incentivar e alimentar a busca de nossos jovens por compreensão, introduzindo-os no diálogo filosófico, por meio do qual podemos nutrir sua curiosidade e esclarecer suas intuições, significa obrigá-los a aceitar a aridez da visão especializada do conhecimento como acontece na escola, hoje.
Infelizmente a filosofia tem sido tratada tradicionalmente, como disciplina reservada aos adultos. Existe uma crença de que as crianças e jovens não estariam interessados por temas tão abstratos e não seriam capazes de lidar com eles.
Pelo que temos visto e vivenciado, os temas filosóficos não são interessantes só para os adultos e nem precisam ser formulados de maneira tão técnica, que as crianças e jovens não possam lidar com eles. O que é maravilhoso na filosofia é que as pessoas de qualquer idade podem refletir sobre os temas filosóficos e discuti-los. As crianças ficam tão fascinadas quanto os adultos com noções de amizade, justiça, preconceitos etc. E tanto as crianças quanto os adultos podem reconhecer que ninguém ainda disse a última palavra sobre esses temas.
Obviamente o sucesso deste programa de Educação para o pensar na sala de aula, depende basicamente da formação oferecida aos professores, não só para que compreendam a dimensão filosófica das disciplinas que lecionam, mas também para que aprendam a alimentar e aguçar sistematicamente as investigações filosóficas realizadas com os alunos.
É importante lembrar que “pensar não é saber dar respostas”.
O psicanalista e educador Rubens Alves tem feito severas críticas às formas de se tratar o conhecimento numa visão tradicional, principalmente quando se pensa nos cursos preparatórios para o vestibular. Preocupa-se muito com as respostas, mas pouca importância é dada ao aprender a perguntar.
Os argumentos usados por Rubens Alves se apóiam no pensamento do filósofo Kant. Na “Crítica da Razão Pura” Kant coloca que “o conhecimento se inicia com perguntas que fazemos à natureza. Mas essas perguntas surgem quando contemplando a natureza nos sentimos provocados por seus assombros”. Conforme Rubens Alves, é este assombro que a preparação para os vestibulares destrói.
Acredito que a Educação para o pensar tendo como apóio a discussão filosófica, poderá alimentar esses assombros, ajudando-nos a pensar e a transformar o mundo.
Este modo de pensar pode ser utópico, mas o educador precisa sonhar porque “educamos em função de um futuro que achamos e julgamos melhor”. O sonho faz parte da nossa competência técnica, política e pedagógica, e essencialmente à nossa prática. (Moacir Gadotti – IV Congresso de Educação dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do D.F.)
Acredito que o programa de educação para o pensar deve ser conhecido não só pelas pessoas que se preocupam com a pedagogia, mas também por todas aquelas que se preocupam com a evolução da sociedade. O programa de educação para o pensar não é apenas mais um programa escolar. É um instrumento que possibilita o contato dos educando consigo mesmo, com os outros e com o mundo, ajudando-o a ser mais autônomo mais consciente e mais responsável.

Referências Bibliográficas:
  • A Filosofia na Sala de Aula – Ann Margaret Sharp – Nova Alexandria – S.Paulo;
  • DABRI, Emanuelle S. Comunidade de Aprendizagem Investigativa. Florianópolis, SC: Sophos, 2003;
  • DANIEL, Marie–France. A Filosofia e as Crianças. São Paulo: Nova Alexandria, 2000. Tradução de Luciano Vieira Machado;
  • Inteligências Múltiplas – IV Congresso de Educação dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal;
  • Revista Brasileira de Filosofia no Ensino Fundamental. Ano 09 – n.º 17 – Janeiro/Julho 2002.

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