François Dubet (1946), sociólogo francês e herdeiro do pensamento sociológico de Alain Touraine 2 (1925) nasceu em Périgueux e é atualmente professor na Universidade de Bordeaux II, além de ser diretor de estudos na L'École des Hautes Ètudes en Sciences Sociales (EHESS). Autor de numerosas obras consagradas aos estudos da marginalização juvenil, à escola e suas instituições, Dubet nas duas obras aqui elencadas, procura compreender as categorias igualdade e desigualdade, tendo como parâmetros argumentativos o triunfo do Liberalismo e da Modernidade no século XVIII 3. Nesta direção, sua discussão se espraia na formulação do princípio de igualdade formal numa sociedade marcada, sobremaneira, pela desigualdade social.
Para Dubet (2003, p. 23-24), as desigualdades devem ser analisadas como um “conjunto de processos sociais, de mecanismos e de experiências coletivas e individuais” e que os indivíduos na ‘modernidade’ são considerados cada vez mais iguais e suas “desigualdades empíricas não podem basear-se nem no nascimento, nem na raça, nem na tradição”. Logo, as desigualdades formais e jurídicas são substituídas pela atividade e o sucesso dos ‘atores’, o que não significa que sejam menores, já que são abertas e produzidas por indivíduos ‘fundamentalmente iguais’. Nesta direção e a partir da formulação jurídica burguesa, revela-se o “apelo a uma concepção heróica do sujeito igual”, ampliando a experiência da desqualificação e do desprezo, “pois a pessoa é despojada de estruturas sociais e culturais desiguais que a impedem de ser livre e responsável” (Idem, p. 57). No que tange aos processos de escolarização de crianças e jovens, esta premissa de Dubet é ainda mais evidente, principalmente para aqueles/as que ao entrarem no jogo da igualdade formal sempre têm a sensação de que sairão perdendo. Assim, “alunos decidem não trabalhar para que seu desempenho não comprometa seu valor, sua igualdade fundamental, eles ‘escolheram’ ser reprovados na escola, o que os poupa de serem atingidos por seu fracasso” (Idem, p. 59).
Desse modo, a escola democrática de massa não conseguiu cumprir o seu pressuposto, ou melhor, continuou reproduzindo os arbitrários culturais existentes na sociedade capitalista. Na análise de Dubet não são mais as desigualdades sociais que selecionam os alunos fora de sua escolarização, “desde então são os próprios mecanismos escolares, as notas e as decisões de orientação que fazem o ‘trabalho sujo’. De fato, a escola não é mais percebida como um refúgio de justiça num mundo injusto” (2008, p. 32-33). Dubet também denuncia a ‘farsa meritocrática’, já que os resultados escolares dos estudantes estariam associados diretamente ao seu trabalho e esforço. Destarte, ‘falta de trabalho’, ‘falta de atenção’, ‘falta de seriedade’ (em outras palavras, o discurso da ‘carência’) “são as explicações mais banais das desiguais ‘performances’ dos alunos, em todo caso, aquelas atribuídas aos próprios alunos. [...]. Assim, o aluno que fracassa aparece como o responsável pelo seu próprio fracasso [...]” (Idem, p.40-41).
A ‘igualdade das oportunidades’ tratada por Dubet não pode ser compreendida pela ‘crueldade das provações do mérito’ – e isto lembra em muito o princípio escolanovista no Brasil durante a década de 1930 -, mas ela é necessária na lógica da mobilização de princípios de justiça e exigências morais fundadas numa sociedade democrática. Assim, “a igualdade das oportunidades é consubstancial ao princípio de liberdade individual que dá a cada um o direito e o poder de mediar seu valor em relação ao dos outros e que a igualdade de acesso aos estudos é decisiva [...]” (2008, p. 49). O sociólogo francês ainda faz uma importante e assisada observação em relação à ação dos professores em tal contexto marcado pela meritocracia e o insucesso escolar: “Os professores [...], sabem quem serão os eleitos e quem serão os perdedores [...]. Mas todos são levados a acreditar e a manter a ficção, pois, sem ela, o trabalho pedagógico não seria mais possível e toda a arquitetura da igualdade e da liberdade desmoronaria” (Idem, p. 53).
Por fim, ainda que Dubet se debruce teoricamente numa perspectiva microsociológica, o autor não se esquece dos ensinamentos marxistas: “É preciso constatar que o marxismo não foi substituído por uma concepção estrutural homogênea [...] das desigualdades, explicando ao mesmo tempo as condutas dos atores e o funcionamento do sistema” (2003, p. 68). Todavia, Dubet procura ampliar o debate sobre as desigualdades sociais em contextos aparentemente democratizantes como é o caso da escola. Para tanto, demonstra como os mecanismos perversos de avaliação escolar e uma ‘inclusão desigual’ podem ser trágicas para crianças e jovens que não apresentam os códigos culturais esperados pela escola. Acima de tudo, o sociólogo escancara a lógica reducionista do aparato jurídico burguês que ao tratar ‘desiguais como iguais’ omite elementos fundantes de diferenças econômicas, de raça, de gênero e de classe, reforçando ideologicamente a prática meritocrática como um valor intrínseco, sem qualquer mediação histórica.
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1 Historiador e Doutorando em Educação (UFSC). Autor do livro Competências e Habilidades e a formação docente no contexto das Leis 5.692/1971 e 9.394/1996 em Santa Catarina (CBJE, 2009). E-mail: clioinsone@gmail.com
2 Responsável pela formulação teórica da ‘Sociologia da Ação e dos Movimentos Sociais’.
3 Modernidade que veio acompanhada de três importantes processos revolucionários: a Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688); a Revolução Francesa (1789) e a Independência estadunidense (1776), além dos desdobramentos do capitalismo industrial entre os séculos XVIII e XIX.
PARA SABER MAIS:
DUBET, François. As desigualdades multiplicadas. Traduzido por Sérgio Miola. Ijuí/RS: Ed. Unijuí, 2003.
DUBET, François. O que é uma escola justa? – A escola das oportunidades. Traduzido por Ione Ribeiro Valle. São Paulo: Cortez, 2008.
Jéferson Dantas também é um dos autores
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