quinta-feira, 24 de junho de 2010

A lógica da cegueira.

 Jéferson Dantas *

          O livro “Ensaio sobre a cegueira” do escritor português José Saramago e recentemente levado às telas pelo diretor brasileiro, Fernando Meirelles, é uma metáfora extremamente lúcida da incapacidade humana em construir laços de solidariedade, mesmo diante de uma tragédia comum. Saramago relata com bastante sensibilidade como as pulsões mais instintivas e/ou bárbaras corroem uma sociedade pautada no desprezo à vida e ao seu semelhante. Uma explosão anômica sem precedentes, que não escolhe grupo social, gênero ou etnia.

A lógica da “cegueira humana” se configura, nesta direção, na incompreensão coletiva de como se engendram todas as formas de exploração de homens, mulheres e crianças; o porquê de existir tanta desigualdade social e concentração de renda; e a naturalização da violência em suas dimensões física e simbólica. É esta mesma cegueira que inviabiliza lutas sociais mais consistentes; que lança à margem àqueles/as que nunca terão acesso ao processo de escolarização e, que por esta mesma razão, correm o risco de serem inempregáveis e mais propensos à indigência.

Contraditoriamente, combatemos exaustivamente nossos pares. Plantamos e semeamos a discórdia e nos vangloriamos de representarmos lideranças desagregadoras. Sabotamos projetos alheios e nos aliamos a determinadas concepções políticas que favorecem a acumulação do capital privado à custa da produção coletiva pública. Nossos interesses se definem tão-somente naquilo que é mais imediato e, portanto, totalmente descolado dos nexos históricos que medeiam nossas relações laboriais e afetivas. 

Uma sociedade sitiada pela cegueira metafórica é promotora de todos os desmandos nas áreas política, econômica e cultural; não por acaso, o mundo está em crise pela arrogância dos ‘mercadores de almas’, que decidem quem poderá comer hoje e amanhã. Os danos são irreparáveis e inconsequentes. E enquanto isso os/as cegos/as marcham incólumes, embrutecidos, esperando, quem sabe, uma redenção metafísica atemporal, a-histórica, desprovida de toda e qualquer materialidade.  

_______________________
* Professor universitário e Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: clioinsone@gmail.com. Consultor e articulador pedagógico na comissão de educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC).

Jéferson Dantas também é um dos autores
do SER - Sistema de Ensino Reflexivo,
pela Editora Sophos.

Clique AQUI
para conhecer mais sobre o livro
Dialogando com a História
(Coleção Didáticos Reflexivos do SER).

6 comentários:

  1. Acabei de ler o livro nesta terça feira. Realmente é o retrato da socieddae que caminha, tendo a frente nuvens brancas, ou seja momentos de cegueira ou do não querer ver. Onde a sociedade vive sob as ordens de um número mínimo de pessoas que tentam enxergar por todos, mas que muitas vezes não podem revelar sua visão.Não são compreendidos ou muitos desanimam e se tornam também cegos.
    Até onde estamos vendo?Até onde somo cegos?
    Euzébia

    ResponderExcluir
  2. Gostei do texto, percebo que é dessa forma que a humanidade está andando, infelizmente se fazem de vista grosso pra qualquer tipo de situação que o homem está passando: violência, fome, saúde etc. Tipo assim, estou bem quem quiser que se dane. O termo SOLIDARIEDADE foi deletado do dicionário mental desta humanidade desumana.

    ResponderExcluir
  3. SE LEVARMOS EM CONSIDERAÇÃO QUE ESTA TEMÁTICA FOI DISCUTIDA INICIALMENTE POR ROUSSEAU NO SÉCULO XVIII, MUITO POUCO "NOSSA EDUCAÇÃO" CONTRIBUIU PARA EXTINGUIR ESTA E OUTRAS PROBLEMÁTICAS PERTINENTES AO TEMA, O QUE CONSOLIDA A CONCEPÇÃO DE ALIENAÇÃO IMPOSTA PELAS CLASSES DOMINANTES.
    A FALTA DE "LEITURAS" SEMPRE NOS DEIXARÃO MAIS DOMINADOS, E COMO É PARTE EXPRESSIVA QUANTITATIVAMENTE NA SOCIEDADE, A MUDANÇA FICA CADA VEZ MAIS DIFICIL E A TRANSFORMAÇÃO ALMEJADA POR POUCOS, TORNA-SE IMPOSSÍVEL.
    JOSÉ MARIA MENDES
    MANAUS-AMAZONAS

    ResponderExcluir
  4. O grande problema que vejo, não é o fato de ser cego, mas de estar cego. O que fazermos diante de uma sociedade que não consegue se ver, ser presente e fazer a diferença. Ler é muito importante, mas o fundamental é saber o que se ler, saber interpretar e opinar. Vivemos cegos em todos os sentidos, somos analfabetos políticos e educação não é prioridade, professor é a última profissão a se pensar, acredito que essa cegueira poderia ter uma solução se tivessemos um olhar especial para educação.
    Gisélia Almeida - Baixada Santista

    ResponderExcluir
  5. Esse olhar de Saramago, cru e desesperançoso, no sentido global, me traz uma pergunta: como criar mecanismos reais de resistência frente a essas cegueiras? Se existem, como podem ser construídos no ser humano? Voltando a filosofia Aristotélica e atualizada por Hans-Georg Gadamer, é necessário voltar ao sujeito Phrônico, ao sujeito que interpreta, que pela sua sabedoria prática consegue resistir a cegueira, que já toma a todos.

    ResponderExcluir
  6. A sociedade capitalista em que o mundo apostou e reconheceu como única, se esqueceu e ignorou-se o fato de que já existia uma sociedade em todos os territórios conquistados e colonizados no mundo inteiro, mas desprezaram esses valores por se tratarem de uma sociedade denominada por nos seres instruidos e capitalizados de (INDIGENAS)...
    Uma coisa é certa se tivessimos aproveitado os conceitos indigenas, melhorado, aperfeiçoando, e não simplismente ignorado, jamais teriámos todos esses problemas, sociais, raciais, ambientais e os que estão por vir ... se tivessimos apostado e reconstruido uma sociedade valorizando os preceitos indigenas; somos um país de origem indigena, e desrespeitamos todas as tribus que existem e ja existiram em nosso territorios, despresamos todo e qualquer tribu indigenas, somos, "idiotas", porque somos chamados de indígenas pelos povos dos países que se auto denominam primeiro mundo...o Brasil não reconhece que perdeu sua indentidade a partir dai, quando houve um grande erro em achar que a sociedade capitalista era a única opção de civilização...
    Não sou indígena, apenas acho que teríamos construido uma socidade verdadeira e única no mundo.
    Hoje, se quero ficar em paz( em paz entre aspas) comigo e com a minha familia tenho que ficar cego, surdo e mudo, tenho que ignorar que sou alfabetizado e instruido, porque sendo instruido não tenho como fazer nada para melhorar essa sociedade.....apenas me preocupar para ter o pão na mesa, ou seja trabalhar e trabalhar ...

    ResponderExcluir