quinta-feira, 3 de junho de 2010

De lixo, roupas, solidariedade.

“Desde o 11 de setembro de 2001 que o mundo não tem sido original. Não que eu deseje que atentados dessa magnitude se repitam: já bastam os homens-bomba, que viraram rotina. É só um desabafo: hoje, os absurdos se sucedem em escala industrial e os fatos novos são como mariposas, nascem e morrem no mesmo dia”. (Martha Medeiros, ZH 12.05.10)

       Roupas são simplesmente artigos para quem não precisa fazer uso delas. Não tem nenhum significado para além do valor mercadológico (do
quanto custam). Se não valem mais nada, porque não servirem ao lixo?
A imagem de um monte de roupas depositadas no lixão em Passo Fundo
revela faces da crueldade humana que já fazem parte de nossa
humanidade. A imagem impressiona tanto porque ela lembra outra imagem:
a de crianças, jovens e velhos, em dias de frio, passando frio por não
terem roupas suficientes para se aquecer em nosso rigoroso inverno.
Surge, então, a mais intrigante pergunta: o que é que motivou alguma
pessoa a decidir que estas roupas, ao invés de servir para agasalhar,
tivessem o destino de um lixão?

       Uma das razões talvez seja a de que estamos desaprendendo
solidariedade. Ser solidário não é desfazer-se de coisas que a gente
não deseja mais para oferecê-las aos outros. Ser solidário não é,
muito menos, livrar os guarda-roupas das roupas e sapatos velhos. Ser
solidário, verdadeiramente, é dar algo de si para os outros, sem
esperar nada em troca. É ser capaz de doar um pouco do que temos para
alguém que pouco ou nada tem. É compadecer-se do sofrimento alheio,
fazendo sempre uma ação que possa, efetivamente, aliviar o sofrimento
dos outros.
        Pois, talvez, as roupas encontradas no lixão não serviam à
solidariedade e não tinham nenhuma conotação ou significado
humanitário. Estavam por aí, “incomodando” em algum depósito ou sala.
Só pode ser...
Mas como é que, repentinamente, estas mesmas roupas, descartadas por
alguém no lixão, produziram perplexidade, comoção e revolta de um
grande número de pessoas? Por que somente nós é que temos esta
capacidade de transformar as coisas profanas em coisas sagradas. E o
sagrado e profano sempre estão muito misturados. Neste caso, de uma
hora para outra, as coisas (roupas sem aparente valor) assumiram uma
dimensão sagrada (promover a humanidade).
Alguém cometeu o equívoco de não considerar que peças de roupas
contém, em si mesmas, um valor sagrado. Estas roupas, para muita
gente, ampliariam as possibilidades de viver um pouco melhor, de
cobrir melhor o seu corpo. A decisão de jogá-las no lixão fere a
dignidade humana. Por isso, quem descartou as roupas no lixão deve ser
responsabilizado. A vida é sempre o bem maior e as coisas, os objetos,
sempre tem um valor secundário. Mas mesmo quando tratamos de coisas,
de coisas que servem à dignidade humana, estas adquirem valor e
sentido sagrados.

       O episódio das roupas no lixão não esmorecerá nosso desejo de
construir humanidade. A vida na solidariedade é o caminho para quem
deseja construir verdadeira felicidade. Sejamos solidários: sempre,
verdadeiramente.

Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.

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3 comentários:

  1. Nossa civilização está construida no isolacionismo como modo de prevenir a cruel realidade.Hoje residimos a lado de um hospício,hospital ou presidio e não perdemos nem um minuto de sono ou o apetite por existirem pessoas sofrendo ,e muito, a menos de cinquenta metros de distância...é claro que tudo vai parar no lixo!!A solidariedade faz com que se enfrente a realidade..e isso ninguem quer!!!

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  2. Parabens pelo testo.
    Somos solidario ao melhor para a humanidade,mas, será que as ações politiqueiras estão a nível.Como diz acima."A vida na solidariedade é o caminho para quem deseja construir verdadeira felicidade. Quem pratica um ato desse,será que tem consciencia politica do bem. Ou !

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  3. Somos uma sociedade do supérfluo, onde compramos muito, comemos demais, gastamos água exageradamente, dormimos muito, só fazendo pouco é despreocupa-mos com atual situação de um submundo existencial bem em nossa frente.

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