quinta-feira, 1 de julho de 2010

A não-reflexão e a política.


Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma”. 
(José Saramago, em última mensagem, postada em seu blog)

Ficamos com a impressão de que as futilidades e apetrechos tomaram, definitivamente, o lugar da reflexão. Não temos tempo para nos ocupar com os pensamentos, mas temos um ingênuo orgulho em nos ocupar com as coisas que despertam o entretenimento, o descompromisso e os prazeres mais imediatos. Fomos transformados numa massa amorfa, acomodada, com poucos vestígios de indignação e questionamento. Somos apenas bons consumidores de tudo aquilo que outros pensaram ser o melhor para a vida da gente.

O mais intrigante e perigoso em nossa cultura de não-reflexão é que abrimos mão das responsabilidades para com a gente e para com o mundo. Sem reflexão, não geramos conhecimentos. Já sem os conhecimentos, que geraríamos pela reflexão, não temos compromissos senão com a nossa própria ignorância. Sem compromissos com a vida e com o planeta, parecemos mais suaves, mais livres, mais soltos. Mas será?

Pois há muito tempo ensinamos de que pensar é algo perigoso. Que o melhor é sempre a gente se adaptar aos processos que organizam o mundo. Que a gente deve cuidar de si e deixar Deus cuidar de todos. Que os insatisfeitos e descontentes que se retirem do lugar ou da posição em que se encontram, no caso de discordância com aquilo que parece imutável. Ensinamos, também, a amar as coisas antes de amar a gente. Assim aprendemos de que a gente sempre é a partir daquilo que consegue ter, ou parece que tem. E ainda resta a boa desculpa de dizer que ensinamos assim porque fomos assim ensinados.

Mas o bom é que a democracia sempre dá seu “ar de graça” por conta das eleições gerais. Ela exige, por isso mesmo, que os desafios por ela postos sejam superados. Ao invés de alienação, façamos largo uso da reflexão para que definamos por votos que encaminhem soluções para nosso estado e nosso país. Senão, nossos candidatos não passarão de meros produtos no quais resolvemos fazer a nossa aposta.

A real efetivação da democracia exige a participação consciente e engajada dos cidadãos e cidadãs na definição e condução de políticas e projetos, o que não se traduz apenas no voto. A democracia, neste sentido, é uma forma de convivência que exige a superação da alienação dos sujeitos. As pessoas envolvidas num processo democrático devem participar das decisões, evitando ao máximo o distanciamento entre aqueles que decidem e aqueles que executam. Se assim não for, geramos o desinteresse pela política e pela convivência social. Geramos, também, as condições para que continue a proliferar entre a gente a cultura da não-reflexão e da não-decisão.

Os grandes pensadores são, quase sempre, grandes incompreendidos. Saramago alertou a humanidade sobre as suas cegueiras, em obra entitulada “Ensaio sobre a cegueira”. A partir de seu alerta, ser sem idéias só pode ser a pior das cegueiras que poderemos possuir. Nesta cultura de não-reflexão, que já toma conta de quase todo mundo, ainda conseguimos espaços para perguntar. Resta saber quais são os espaços para a gente mudar a panorama da “alienação massiva” na qual estamos todos mergulhados.
Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.

3 comentários:

  1. Li o texto, muito bom para estimular a classe que vive mergulhada no comodismo. Há aqueles que tem idéia e conhecimentos reflexivos, porém, se calam, e outros que seria a grande maioria da nação tambem se calam, por esta ação de se calar ser bem mais cômoda. E aí? Não seria este ano a oportunidade de mudar este quadro? Nossos Candidatos a Lideres que conduz o Paiz, está na televisão, apresentado seus projetos entre ". Que tal perder o medo e arregaçar as mangas para divulgar a essencia - se existe - desses mesmos projetos que estes estão trazendo? Pode ser um passo adiante, antes de decidir o destino do nosso Paiz.

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  2. Fiz a leitura do texto, observando as minhas preocupações, também penso e escrevo coisas do tempo da redemocratização do Brasil e da efervecência dos movimentos sociais, onde o discurso era conbater a alienação. o que foi feito efetivamente? Me parece um retrocesso, a descrença foi instalada, talvez não haja censura maior do que deixar ou delegar nossas responsabilidades a outros. Seu texto é realmente interessante, se faz necessário levar essa discussão aos bancos das academias, à sociedade a fim de combatermos esse monstro (alienação) que vem se avolumando no mundo. Acreditamos que é pela participação que se consolidifica a democracia. Estou recomendando e incluindo o texto no meu planejamento de aula no 2º semestre de 2010. Parabéns Nei.

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  3. A escola/educação seria sem dúvida um espaço para as mudanças, mas parece que os nossos jovens estão fadados ao comodismo, à descrença e à falta de perspestiva. Observa-se um cenário de "deixa como está, p ver como é que fica". É lamentável. Precisamos resgatar a cultura da mobilização.

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