quinta-feira, 22 de abril de 2010

EDUCAÇÃO: A EMERGÊNCIA DE UM NOVO PARADIGMA

Autor: Matheus Arcaro
(fonte no final do texto)

Muitos pensadores afirmam que estamos vivendo um período paradoxal de transição: já conseguimos, em certo sentido, conceber a realidade como algo complexo e que, portanto, requer um pensamento abrangente, entretanto, essa complexidade ainda não foi incorporada em grande parte da ciência, na sociedade e na educação.

Remontemos a origem desse modelo racional fragmentador e dominador que ainda cerceia o homem:
Várias correntes formam a base do pensamento ocidental moderno, dentre elas a Revolução Científica, o Iluminismo e a Revolução Industrial. Em meados do século XVI, a visão de um mundo orgânico, vivo e espiritual, presente na medievalidade, começou a ser substituída pela noção de mundo-máquina. O homem foi colocado como senhor do universo e, pela ciência, poderia e deveria dominar a natureza. Francis Bacon, com seu método de investigação científica que procurava descrever a natureza matematicamente e Galileu Galilei, pai do experimentalismo científico que substituiu a argumentação lógica da dialética formal pela observação dos fatos em si, são grandes expoentes da formação do pensamento moderno. Contudo, duas figuras merecem mais atenção: René Descartes e Isaac Newton. Descartes, patrono do racionalismo, cindiu o homem em corpo e mente e instaurou a superioridade da mente sobre o físico; o culto ao intelecto em detrimento à sensibilidade que vem gerando profundas patologias sociais. Newton, por sua vez, concebeu o universo como um sistema mecânico que funciona de acordo com leis físicas e matemáticas imutáveis. Esse determinismo universal deu origem à idéia de que, para compreender o real, seria preciso dominar e transformar o mundo pela técnica. Técnica esta que serviu de base para a Revolução Industrial, que aumentou desmesuradamente o poder do homem sobre a natureza e automatizou o trabalho humano.

A Ciência Clássica amarrou-nos aos sentidos; mutilou-nos, dividindo-nos em duas substâncias distintas; cegou-nos para o todo ao priorizar as partes; desprezou a qualidade ao enaltecer a quantidade; ignorou as interações entre os indivíduos, entre a ciência e a sociedade, entre a técnica e a ética. O homem alienou-se da natureza.

Obviamente, seria leviandade negar que o desenvolvimento da ciência trouxe e traz grandes benefícios para a humanidade. Entretanto, não podemos deixar de sublinhar o outro lado: ele provocou uma significativa perda em termos de sensibilidade, estética e valores.

Na área educacional, especificamente, as influências do pensamento cartesiano-newtoniano ainda são significativamente negativas. Continua-se gerando padrões de comportamento preestabelecidos, com base num sistema que não suscita questionamento e reflexão. Pelo contrário, faz aceitar a autoridade e ter como metas a certeza e a verdade absoluta. Continuamos limitando nossas crianças ao espaço reduzido de suas carteiras, silenciando suas falas, reduzindo sua criatividade e sociabilidade. Oferecemos folhas quadriculadas para que os seus desenhos saiam mais “certos” e aplicamos provas de múltiplas escolhas. Em vez de processos interativos para a construção do conhecimento, continuamos exigindo memorização, repetição e cópia. Castramos a espontaneidade e o ímpeto criativo. A escola é submetida a controles rígidos, um sistema hierárquico que castra e domestica. Uma escola que divide o conhecimento em assuntos, especialidades, fragmentando o todo. Os currículos são rígidos, baseados na eficiência e calibrados pela mensuração que continua separando ganhadores e perdedores. O professor é o detentor do saber, o transmissor de informação e o aluno uma tábua rasa. O conteúdo e o produto são mais importantes que o processo de construção do conhecimento. A avaliação privilegia a capacidade de memorização do que foi “empurrado goela abaixo” ao invés do processo criativo. O diploma é o símbolo de coroamento de um ciclo de estudos; o símbolo do “final da linha”, do objetivo alcançado.

Mesmo a tecnologia informacional na educação dissemina a fragmentação. Os computadores e os materiais áudio-visuais continuam sendo máquinas de ensinar, transmitindo conteúdo sem um processo reflexivo.
Como escapar desse modelo?

Precisamos fugir do modelo cartesiano-newtoniano, fragmentado, descontextualizado, que concebe o ser humano como máquina. Precisamos romper com o paradigma moderno, iniciar um processo de mudança conceitual, um repensar.

Um primeiro e grande passo foi dado pela assimilação da Teoria da Evolução de Darwin. Uma nova lente para enxergar o universo que passou a ser descrito como um sistema em permanente mudança. Outros conceitos como do da termodinâmica e da entropia, que desconstroem a rigidez da física newtoniana, também são relevantes nesse cenário de transição. Mas foi com teoria quântica e, principalmente com Einstein (com a teoria da relatividade) que o paradigma da ciência moderna começou a desmoronar. Para se ter uma idéia da mudança, a própria existência da matéria não é mais dada como certa, apenas apresenta uma tendência probabilística de existir. Heisenberg descobriu que o simples fato de se observar as partículas já interfere nelas. Observando um evento o observador “perturba” a situação. Assim, podemos dizer que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos e que a distinção entre sujeito e objeto é muito mais complexa do que se imaginava.

A partir do século XX, o universo passa a não mais ser concebido como um relógio. Há irracionalidade; há caos. Em vez de algo estático, temos um sistema plenamente ativo. Essa leitura introduz uma criatividade constante na natureza; leva-nos a aprender a respeitar outras culturas, outros questionamentos.

Tais concepções deram origem a um critério chamado “pensamento em processo”, ou seja, tudo é fluxo, tudo está em constante mutação, inclusive o pensar que não pode ser concebido como absoluto, definitivo. Daí deriva-se a noção de “conhecimento em rede”: de uma base estruturada em blocos fixos, constituída de leis fundamentais, passamos para o conhecimento no qual tudo está interligado. No velho paradigma acreditava-se que as descrições científicas eram objetivas, independentes do observador humano; na mecânica quântica, o ato de observação altera a natureza do objeto. No velho paradigma, a ciência poderia alcançar a certeza absoluta; agora, a pesquisa cientifica está assentada sob formas de teorias transitórias calcadas em probabilidades, um modo de olhar para o mundo e não uma forma de conhecê-lo na realidade. Além do mais, a ordem não é mais um imperativo. Para que haja criatividade é preciso haver perturbações, turbulências que estimulem uma reação do organismo em relação ao meio ambiente.

Mas como estabelecer uma relação entre essas noções e a reflexão educacional? Como esses novos fundamentos poderão trazer mudanças significativas para a educação vigente?

Transferir para a área social-educacional os princípios decorrentes do novo paradigma científico é extremamente difícil. Questões políticas e metodológicas estão envolvidas. Assim, coexistem propostas pedagógicas que reconhecem a educação como um sistema aberto e concebem o ser humano em sua multidimensionalidade, e propostas antigas que ainda concebem a educação de uma forma fechada, estanque, destinada a uma população amorfa.

À luz do novo paradigma, uma nova postura de planejamento em educação terá de envolver uma percepção global da realidade a ser transformada. Embora nos discursos governamentais e administrativos essa necessidade esteja embutida, na prática isso está longe de ser realidade. Essa nova leitura pressupõe um novo estilo de diagnóstico, procedimentos metodológicos que permitam apreender o real em suas múltiplas dimensões.

Do ponto de vista das relações pedagógicas, a epistemologia construtivista apresenta um modelo que, além de resgatar a importância dos pólos da relação, conquista uma dinâmica própria no processo de conhecimento. Podemos vislumbrar isso na obra de Paulo Freire, de Gramsci, de Vygotsky, etc. Grande importância tem a epistemologia genética de Piaget ao reconhecer que o desenvolvimento cognitivo é um processo dialético-probabilísito resultante da interação entre o organismo e o meio, em que tudo está em construção e reconstrução. E ainda que o conhecimento não se origina na percepção, mas na ação dos sujeitos, resulta da interação entre sujeito e objeto.

O pensamento sistêmico, o conceito de auto-organização, as estruturas dissipativas e o conhecimento compreendido como processo, trazem em seu bojo implicações significativas para a educação, enxergando-a como um sistema aberto, no qual existam diálogos, interações, transformações. Sob esse enfoque, o currículo é algo que está em constante processo de negociação e renegociação entre alunos, professores e instâncias administrativas. É um currículo em ação. O professor aceita o indeterminado, as incertezas e aprende a conviver com isso, a usar o imprevisto como ferramenta de ensino.

A educação deve colaborar para catalisar em cada aprendiz a busca de sua própria natureza, a descoberta de sua identidade una para que, conhecendo a si mesmo, os alunos possam desenvolver a capacidade de reflexão e consciência. Para transformar o mundo é preciso, primeiramente, compreender a si mesmo. Para isso, deve criar ambientes de aprendizagem nos quais as atenções estejam voltadas para o resgate do ser humano, ambientes que favoreçam a mobilização dos recursos internos dos indivíduos. Essa nova visão de mundo implica uma necessária mudança de valores, que vai da competição para a cooperação, da quantidade para a qualidade, do consumismo para a conservação. Ambientes que extrapolem as questões pedagógicas. Criando esses novos ambientes educacionais estaremos construindo futuros ambientes sociais e culturais que prezem pela evolução humana.

Referência bibliográfica: " MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente"

Fonte: http://oqueinspira.blogspot.com
Publicado e divulgado sob autorização do autor.

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5 comentários:

  1. Muito interessante este texto, abrangente, claro e conciso

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  2. O texto é maravilhoso, além de abordar os diversos impactos, os quais vivenciamos no processo educacional. Parabéns!

    Sônia Araújo

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  3. Amei o texto. As reflexões nele abordadas são bastante pertinentes. Vivemos esse momento de indefinição de paradigmas e se queremos uma outra sociedade é necessário uma outra ou outras formas de educação. Parabéns!

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  4. marcia aguiar zanfranceschi25 de abril de 2010 às 16:27

    Parabéns,o texto é belo,muito agradável de ser lido......Conteúdo e Emoção, é o que nós, educadores necessitamos para recriar o nosso aprendizado.

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  5. Agradeço a oportunidade de comunicar o q o texto inspira:
    à reflexão sobretudo de nossa essência quanto ao compromisso, creio que possa dizer consciência da Função______quanto AçãoCriAÇÃO_____ ser comprometido com CRIATIVIDADE ___ Conhecer__CI__ ment___o e (o).
    ____ atualidade mediocre de omissão___ impacial
    na dispersão dos potenciais coletivo.
    Tica Fernandes

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