quinta-feira, 1 de abril de 2010

O Estado e a lógica do capital: implicações entre violência e educação.

Jéferson Dantas *

Pensar sobre a violência escolar no Brasil e suas implicações com o currículo é admitir desde já a fragilidade teórica com que se tem enfrentado os dilemas de tal temática. A violência escolar se tornou uma síntese confusa de ‘ódios de classe’, ‘conflitos entre desajustados e a ordem social’ e um prato cheio para determinadas veiculações midiáticas que se deleitam com a mercantilização da tragédia. Em outras palavras, a naturalização da violência estaria associada às classes sociais menos privilegiadas. Contudo, como bem assinalam Pablo Gentili e Chico Alencar ninguém nasce bandido ou santo; o ser humano é uma possibilidade. E ao se referirem à filósofa alemã Hannah Arendt, dão eco a uma síntese primorosa desta pensadora: “o ato educativo resume-se em humanizar o ser humano”.

Parece-nos razoável, portanto, partir dessa indagação: como responder ao fenômeno histórico da ‘violência’ sem levar em conta os valores da ‘lógica do capital’? Ora, quando a violência estrutural é compreendida simploriamente como um embate entre ‘marginais’ e ‘estabelecidos’ há um risco em se reforçar um ideário fascista numa sociedade conhecidamente eivada de desigualdades econômicas. As discussões sobre a diminuição da maioridade penal e as afirmativas do aparato repressor estatal de que o ‘mal precisa ser destruído no nascedouro’, revelam um profundo mal-estar da condição humana.

É sabido que a formação do Estado brasileiro é atravessada por processos históricos de cunho autoritário, excludente e de massacres sistemáticos. Reconhecer os massacres do Estado e a ausência de um projeto social para o Brasil já seriam suficientemente notáveis para se compreender as omissões nos setores estratégicos deste país (educação, saúde e infraestrutura). Para o psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg “os governados estão paralisados e sem voz [onde] grande parte dos conflitos entre Legislativo e Executivo se [estabelecem] sobre a área comum das relações com a imprensa, que deve ter, além dos seus tradicionais papéis de informar e ensinar, o de testemunhar, como catarse da sanidade psicológica do cidadão, desamparado diante do Estado Leviatã”.

No que tange especificamente ao espaço escolar, temos conhecimento que diferentes grupos sociais e étnico-raciais estão presentes na escola e, que por isso, não se pode exigir processos avaliativos homogêneos de aprendizagem. Deste modo, nem todas as motivações apresentadas pelos/as educadores/as conseguem mobilizar ‘respostas’ esperadas ou padronizadas, tendo em vista que um currículo pautado no esquematismo maniqueísta apenas reforçaria situações estereotipadas de aprendizagem. Experiências estéticas de diferentes grupos sociais num mesmo espaço público (escola) ainda não são devidamente encaradas pelos/as educadores/as como mecanismos de reformulação do currículo. Segundo a educadora Telma Maria Ximenes “a distância entre o universo cultural de alunos e professores tem sido um importante fator no desencadeamento de conflitos, envolvendo indisciplina, agressões, depredação”. Assim, pensar numa construção curricular é estabelecer o diálogo entre diferentes fenômenos históricos, políticos, sociais e econômicos que interferem, estigmatizam e compõem variados traços identitários numa determinada realidade a ser estudada.

Para o sociólogo estadunidense James Petras, o Estado que representa os interesses da classe hegemônica, tem refinado a sua forma de apaziguar as tensões sociais e silenciar os movimentos organizados pela sociedade civil. O quadro histórico atual demonstrado por Petras parece não nos dar muitas alternativas na construção de um novo modelo de sociedade, tendo em vista a vasta e estratégica cooptação de homens e mulheres pelo aparato estatal.

Por fim, a cultura escolar está impregnada de expectativas provenientes dos estudantes, das famílias e dos educadores. A escola não é e nunca será um território neutro. Tal microcosmo reproduz as tensões estruturais do mundo capitalista. Ali se encontram estudantes-trabalhadores; crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social; educadores ingressantes; educadores com jornada tripla de trabalho; educadores/as adoecidos cronicamente; funcionários/as desvinculado/as da importância socializadora da escola, etc. O mundo escolar é prenhe de possibilidades, mas também em seu inverso, prenhe de articulações desagregadoras, autoritárias e desconectadas da realidade social dos/as estudantes. O pragmatismo educacional é a forma mais acabada de como ‘se manter longe dos problemas’ que envolvem os/as estudantes. A instrumentalidade didática desprovida de um interesse vivo dá vazão a diversas tecnologias de violência simbólica. Sem esquecermos os embates e as intervenções pedagógicas auto-realizadoras e entendendo que ‘todo ato educativo é um ato humanizador’, poderemos transformar os espaços educativos em espaços de esperança; onde o Eros potencializador congregue o lúdico com o político; a vida com a arte; a alegria com o compromisso! 

PARA SABER MAIS

GENTILI, Pablo; ALENCAR, Chico. Educar é humanizar. In: _____________ Educar na esperança em tempos de desencanto. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 99-117.

GOLDBERG, Jacob Pinheiro. Cultura da agressividade. 3ª ed. São Paulo: Landy Editora, 2004.

PETRAS, James. Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo. Florianópolis: EDUFSC, 2007.

XIMENES, Telma Maria. Educação e violência: a produção da demanda para a educação não-formal. In: SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes et. al. Educação não-formal: cenários da criação. Campinas, SP: Editora da Unicamp/ Centro de Memória, 2001.
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* Historiador e Doutorando em Educação (UFSC). E-mail: clioinsone@gmail.com

Jéferson Dantas também é um dos autores
do SER - Sistema de Ensino Reflexivo,
pela Editora Sophos.

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para conhecer mais sobre o livro
Dialogando com a História
(Coleção Didáticos Reflexivos do SER).



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3 comentários:

  1. Quando li o texto me vi dentro dele, como um personagem. Minha luta como educador é de educar as pessoas. Um educar com o fundo de Emmanuell Kant, quando diz: que aprender é um ato humano inatista, mas educar requer controle de nossos desejos internos, nos tornamos mais humanos, quando sentimos o que o outro poderia sentir, pois somos gente, da mesma espécie. Si sinto frio, calor, fome e desejos diversos, assim meus irmãos também sentem. Educar é reconhecer no outro meus desejos.

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  2. Adorei esse espaço para trocar idéias, sugestões e materiais. Penso que assim, nos qualificamos não apenas como profissionais, mas também como pessoas...

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  3. Luis e Kharmem, penso que espaços como esses são fundamentais para articularmos novas formas de encararmos a ação pedagógica e transformar a perspectiva reprodutivista e estéril das instituições de ensino. Fraterno abraço, Jéferson.

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