quinta-feira, 30 de junho de 2011

Soltar os pensamentos como se empinam as pipas? (2ª parte)

Prof. Dr. Silvio Wonsovicz

Filosofar desde os primeiros anos

Teria sentido então crianças, nas escolas, se limitarem a receber repasses de informações e aprenderem a reproduzir conhecimentos estáticos e acabados? Aprenderem concepções e verdades absolutas que engessam o processo de ação e reflexão diante do mundo e de sua própria existência? Nisso é que reside, em boa parte, a problemática, em todos os níveis, do ensino de filosofia: um repasse mecânico de teorias desarticuladas da realidade.

Rever essa perspectiva de ensinar uma filosofia estritamente conteudista, para um ensino filosófico notadamente crítico e metodologicamente articulado, é um desafio, pois a partir de uma aprendizagem filosófica temos a possibilidade de desenvolver nas crianças e jovens diferentes saberes. Como? Por meio de uma prática pautada na vivência social, cultural e política, contribuindo para o exercício crítico, criativo e criterioso de uma consciência cidadã.

Para buscar um ensino de Filosofia que ocupe seu espaço e seja condizente com o momento histórico, é fundamental que o ensino filosófico parta de seu próprio existir e de sua contribuição histórica. Não podemos pensar um programa que contemple toda a história da Filosofia, bem como fica difícil visualizar um ensino filosófico somente com temáticas soltas, sem um eixo, um fio condutor. Junto a isto, é fundamental também considerar a pluralidade que faz parte da própria essência da Filosofia e é expressa nas diversas correntes e linhas filosóficas.

Como esse ensino deveria acontecer então? Partindo do conjunto de conceitos e concepções que os indivíduos apresentam, junto aos conteúdos filosóficos, buscando uma nova visão, via investigação e discussão. Assim, conseguir-se-iam subsídios para uma análise teórica e compreensão do cotidiano do aluno.
Um ensino filosófico no currículo precisa ser dialógico e dinâmico junto aos outros conteúdos. Um ensino filosófico de qualidade não se limita à interdisciplinaridade dos conteúdos ou da interação com a realidade, a experiência dos alunos, ou mesmo da definição da linha epistemológica do professor, ou ainda da estrutura curricular voltada para a história da Filosofia ou os temas atuais. É preciso levar em conta os procedimentos metodológicos adequados, os instrumentos e a visão de avaliação, condizentes com as aprendizagens filosóficas das crianças.

Onde poderemos chegar soltando os pensamentos?

Um ensino filosófico, com as crianças, os adolescentes e jovens, portanto, na educação infantil, no ensino fundamental e médio, deve contribuir para a formação de uma consciência crítica, abrir o entendimento para as formas atuais de dominação e opressão que estão presentes em todas as relações sociais da vida diária, manifestas sob ideologias, convenções e alienações. 

Deve-se aprender a pensar, e também desenvolver um pensar filosófico, que se traduzem numa crítica constante à cultura dominante, suas manifestações diárias, que levam a um pragmatismo reducionista da vida. Para nós, a premissa fundante reside em reconhecer que todos os homens são filósofos, enquanto pensam e agem racionalmente, como dizia Gramsci, sendo papel peculiar da escola a formação para o aprimoramento constante desta racionalidade.

Portanto, abrir espaços para uma educação filosófica com as crianças, adolescentes e jovens é, acima de tudo, buscar um novo posicionamento diante da realidade social, ou seja, sair do senso comum e ir para a consciência crítica. Isso não está somente a cargo do ensino da Filosofia, não será ela somente que possibilitará ao aluno as mudanças de atitudes perante o mundo, que o fará agir como sujeito de sua história. Porém, é da sua essência e do seu fazer alcançar tais finalidades quando são aprendidas e vivenciadas na escola junto às demais disciplinas.

Entramos na ideia kantiana de aufklarung, do esclarecimento, da maioridade. A criança e o jovem devem aprender a pensar, isso significa sair da menoridade. Estarão sempre na menoridade quando não houver meios para pensar por conta própria, não forem desafiados a viver autonomamente. Menoridade é depender do outro para pensar.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Viver com ou sem Justiça?

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva


A justiça é uma incógnita no mundo que nos consome. Há muito mais pessoas preocupadas e ocupadas com seu orçamento no final do mês e com outras questões da vida; do que com a justiça. A justiça está ao relento sem cobertor e calor, abandonada e fria. Não somos justos conosco; não somos justos com as escolhas que fazemos. Nem sempre somos coerentes com as atitudes tomadas, o que se abre de imediato, consequente a isso, a porta ao arrependimento e à culpa. Quando não agimos aos apelos da consciência, a frustração acaba tomando lugar em nossas vidas. Diariamente, vidas são soterradas por não haver esta preocupação em agir justamente. A verdade é que falamos muito de justiça e fazemos pouco dela!

Que não me entendam mal. Não se trata de se ajustar a nada, não é justeza ou ajuste de contas, mas uma permissão da consciência para se agir autenticamente. Simplesmente deixar que o agir siga o ser, “agere sequitur esse”. Não por acaso, os gregos antigos diziam: “As coisas belas são difíceis”. Difícil porque as coisas feias como as injustiças estão por toda parte, em todo lugar. Basta darmos uma olhada de relance para nossos trabalhos, nossos salários, os serviços sociais, as políticas públicas, a saúde, a educação, os transportes públicos, as escolas públicas. É engraçado se compararmos o valor do maior salário para o valor do menor salário neste país. A discrepância é alarmante. Isso só pra ficarmos em salário. Imagine se ampliarmos ainda mais as comparações sociais no Brasil, ficaremos assustados com tamanha injustiça. Só pra termos uma ligeira ideia da desigualdade social em nosso país, dentre os ricos, muitos recebem remunerações astronômicas, além de possuírem um patrimônio invejável. O diretor de uma empresa numa cidade grande está ganhando o equivalente a R$ 60 mil em média.

A Fundação Getúlio Vargas divulgou o ano passado, no mês de fevereiro, que o segmento dos mais ricos no país representam cerca de 10,42% da população, ou seja, 19,4 milhões de pessoas que concentram em suas mãos 44% da renda nacional. Excessiva riqueza nas mãos de poucos.Se bem que tem muito político nesse país assaltando os cofres públicos descaradamente, o que também é uma tremenda de uma injustiça social. Como se não bastasse, as mordomias acumuladas em telefones, residências, viagens e gratificações escandalizam bruscamente a população má remunerada que tenta mais em exercer justiça e em se preocupar com ela. Por causa disso, os políticos no mundo inteiro ocuparam o posto de últimos colocados em credibilidade profissional. Segundo pesquisa feita ano passado, a classe política é a menos confiável pela população. Um descrédito por causa da injustiça, diga-se de passagem.

Platão, em sua obra clássica A República, nos mostra que a justiça é um desejo universal, um anseio de todos os seres humanos, em toda parte. Ela não é apenas um conceito no meio de um emaranhado de conceitos, mas uma condição para que a filosofia e o viver sejam aplicados. Não podemos nos esquecer uma questão aqui pertinente, a liberdade. Pois o que dá sentido a nossa liberdade é a justiça. Sem justiça é impossível haver liberdade, intencionalidade, consciência. O ideal perfeito de uma cidade justa proposta por Platão na Politéia, ou República, é a possibilidade de se pensar em meio ao que é real, a injustiça, o que deveria existir e não existe, a justiça, um valor ideal que não se perde de vista. A justiça, por isso, tem um alcance ético: ver não só o que acontece, as injustiças, mas o que deveria acontecer, a justiça. O fato da consciência alimentar a esperança ou desesperança de que é possível a justiça, coloca-nos entre aqueles para quem a vida tem sentido. Apoderados desse anseio, longe de nós qualquer negação aos interesses coletivos daqueles mais necessitados da sociedade, como também da realização plena de seus direitos. Nenhum de nós pode se dar ao luxo de ceifar uma vida digna às gerações presentes e futuras.

Dito isso, imaginem-se agora detentores de um poderosíssimo anel capaz de deixar-lhes invisíveis com a oportunidade de fazer o que bem quiser, certo ou errado, justiças ou injustiças. O que diria para si mesmo? Faria o que deveria ou não?

Vejamos o que nos diz Platão sobre a justiça: “Giges era um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lhe e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes factos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo tratou de ser um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder”(PLATÃO. A República. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 1983, pp. 55-60).

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Soltar os pensamentos como se empinam as pipas?

(1ª parte)

Prof. Dr. Silvio Wonsovicz


Para aqueles que respeitam e vibram com a infância e todos os que lembram com saudades dos tempos de criança uma frase de quem, ainda hoje empina pipas e solta os pensamentos: “sem vento não tem pipas”. Utilizo da mesma frase para todos os educadores – “sem educandos não há escolas” e, também para os que buscam um ensino filosófico desde os primeiros anos – “sem as crianças não se filosofa e elas são filósofas por essência”.

Quanto menores as crianças e aqui quero pensar, com cada leitor, os alunos da Ed. Infantil e dos primeiros anos escolares, que são muito questionadores e investigadores. Eles estão querendo saber o porque de tudo e entender o que e como tudo acontece. Por isso tem algo em comum com os filósofos, estão e são inquietos, curiosos, questionando tudo e, muitas vezes é só o questionamento o que importa.

 
Filosofar: soltando pipas contra o vento
É nos primeiros anos de vida que se inicia nas crianças o desenvolvimento de habilidades, tanto motoras quanto cognitivas, afetivas quanto sociais. Também a criação de maneiras de se relacionar com as pessoas e com o mundo. Nada melhor que neste primeiro instante de desenvolvimento e aprendizagem iniciar uma introdução ao filosofar. A pergunta que fica para os adultos responsáveis por esse início é muitas vezes traduzida por: como introduzir crianças ao filosofar?

Respostas podem ser pensadas a esta pergunta e uma certeza nós podemos ter: “crianças são filósofas enquanto pensam, sentem e agem”. Portanto ao desafiarmos crianças pequenas a soltarem seus pensamentos, escutarem os seus pensamentos e dos outros, a olharem o mundo pelo olhar dos colegas, estamos soltando pipas contra o vento. Isto é mostrando para aqueles que pensam que a filosofia é coisa muito séria para ser feita por crianças que as pipas somente podem voar se forem empinadas contra o vento.

Aqueles que se lembram da própria infância e os que conhecem crianças hoje sabem que elas sempre estão abertas à aprendizagem e, com todos os recursos necessários para sua sobrevivência na perspectiva de compartilhar e conviver (entendido como com-partilhar e com-viver). As crianças são naturalmente “questionadoras e investigadoras”, admirando-se (no sentido aristotélico do filosofar) com o mundo em que começam a existir. Motivadas por uma fome de compreender todas as coisas, por isso a imensidade de perguntas pois, há uma disposição para aprender e compreender e aí surge o primeiro filosofar pois, tudo é novidade e, é preciso falar sobre isso.

Assim como soltar pipas mostra uma leveza e um estado de ânimo, a pureza das crianças é linda e, todos os que soltam os pensamentos percebem a leveza da criança ao se manifestar, por isso elas devem ser cuidadas com muito respeito, entendimento e carinho, para que através da aprendizagem reflexiva, o desenvolvimento seja sadio em todos os aspectos. Assim filosofar ajudando a desvendar o mundo, a criar perguntas que as auxiliem nessa exploração e descobertas; a encontrar respostas e perceber que nem tudo tem resposta; a encontrar e construir significados e conceitos; a desenvolver um pensamento e imaginação através de atividades sadias e edificantes. Soltar os pensamentos e organizar as ações com a leveza e encantamento de soltar pipas contra o vento para que a mesma possa ir mais longe.



quinta-feira, 9 de junho de 2011

O cinismo à sombra da filosofia de Diógenes: “o cão do céu”.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva


(foto: Breno Bastos)



















Geralmente o cínico é avesso à sensibilidade alheia. É bastante indiferente ao outro. Parece que o mundo à sua volta não lhe agrada tanto quanto deveria. Tudo parece girar em torno de seu eixo e de suas verdades. O cínico é mesmo louco por suas ideias, vez por outra solta uns lampejos firmes de refinada inteligência e perspicaz visão da realidade, destruindo opiniões óbvias e correntes de seu tempo. Na maioria das vezes, é dissimulado, ríspido com os afetos e constantemente contrário a quase tudo. Nada ou quase nada lhe satisfaz, aliás, a satisfação não faz parte de seu vocabulário irônico, a não ser que esteja em jogo a natureza, pura e simplesmente. A saciedade não é coisa para espíritos fortes e intragáveis como os do cínico.

A pessoa cínica parece sofrer de síndrome da super sinceridade. É um super sincero em potencial. A verdade, custe o que custar, é para o cínico como o seu pão de cada dia. Ele gosta, tem o maior prazer em falar a verdade na hora mais indelicada, no momento mais inconveniente. O cínico é despojado de bons costumes, de luxo, de uma vida opulente e assim por diante. Um exemplo disso é a famosa vida desprendida do cínico Diógenes que, dentre outras curiosidades que cerceiam sua história, morava num tonel e gostava de fazer suas necessidades sexuais nas ruas e praças, também fazia suas refeições ao ar livre sem escrúpulo algum. Vivia como um cão: “Perguntaram-lhe que espécie de cão ele era; sua resposta foi: 'Quando estou com fome, um maltês; quando estou farto, um molosso – duas raças muito elogiadas, mas as pessoas, por temerem a fadiga, não se aventuram a sair com eles para a caça. Da mesma forma não podeis conviver comigo; porque receais sofrer'. A alguém que lhe disse: 'Muita gente ri de ti', sua resposta foi: 'Mas eu não rio de mim mesmo”(LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília, UNB. 1977. p. 166). A despeito disso, “enquanto Diógenes fazia sua primeira refeição na praça do mercado os circunstantes repetiam: 'cão', e Diógenes dizia: 'Cães sois vós, que estais à minha volta enquanto faço a minha refeição!' Certa vez, Alexandre o encontrou e exclamou: 'Sou Alexandre, o Grande Rei'; 'E eu', disse ele, 'sou Diógenes, o cão'. Perguntaram-lhe o que havia feito para ser chamado de cão, e a resposta foi: 'Balanço a cauda alegremente para quem me dá qualquer coisa, ladro para os que recusam e mordo os patifes”(idem, p. 167).

Na verdade, Diógenes, tratado por Platão e pela tradição filosófica de cão, talvez por possuir dentes finos e língua afiada, era muito sábio para ceder aos limites das convenções sociais e políticas de sua época. Sua vida foi toda ela ligada ao jeito socrático, irônico e impassível de ser. “A alguém que lhe disse: 'És velho, repousa!' Diógenes respondeu: 'Como? Se estivesse correndo num estádio eu deveria diminuir o ritmo ao me aproximar da chegada? Ao contrário, deveria aumentar a velocidade. Conta Hecáton, no primeiro livro de suas Sentenças que certa vez Diógenes gritou: 'Atenção, homens!', e quando muita gente acorreu, ele brandiu o seu bastão dizendo: 'Chamei homens, e não canalhas'. Conta-se que Alexandre, o Grande, disse que se não tivesse nascido Alexandre gostaria de ter nascido Diógenes”(idem, p. 160). 

Não se incomoda em incomodar. É um inconformado por natureza. Não é passional a nada, a coisa alguma, menos ainda a algum tipo de sentimento. Resiste às críticas de modo infalível, e sai ileso de cada uma delas. Dificilmente um cínico se aborrece com palavras de alguém. É muito nobre na arte de ironizar. Afinal de contas, a ironia é o seu grande negócio ou, até mesmo, sua arma de defesa contra seus inimigos, isto é, seus opositores. “Durante o dia Diógenes andava com uma lanterna acesa dizendo: 'Procuro um homem!' Certa vez, ele estava imóvel sob forte chuva; enquanto os circunstantes demonstravam compaixão, Platão, que estava presente, disse: 'Se quiserdes compadecer-vos dele, afastai-vos', aludindo à sua vaidade. Um dia alguém o golpeou com o punho e Diógenes disse: 'Por Heraclés! Esqueci-me de que se deve caminhar protegido por um capacete!' Alexandre, o Grande, chegou, pôs-se à sua frente e falou: 'Pede-me o que quiseres!' Diógenes respondeu: 'Deixa-me o meu sol'”(idem, p. 162).

Apto em atingir seus oponentes com palavras afiadíssimas, o cínico é semelhante à pedra ou ao ferro, forte e cortante, devido à extraordinária resistência aos conflitos de ideias. Mostra-se hábil na arte de falar e de persuadir as pessoas. O cínico é uma verdadeira máquina de pensar e de guerrear com palavras. Os argumentos de um cínico são incrivelmente convincentes, aguçados e lógicos. Frio e pusilânime, por inúmeras peculiaridades, o cínico é encantador na forma de debater variados assuntos sobre a vida e de celebrar maravilhosamente a liberdade de expressão: “A alguém que lhe perguntou qual era a coisa mais bela entre os homens, esse filósofo respondeu: A LIBERDADE DA PALAVRA”(idem, p. 169). 
Após a morte de um dos mais famosos cínicos da Grécia Antiga, ao lado de Antístenes, que difundiu tal escola, Diógenes legou supostamente uma imagem boa, de um homem abnegado das coisas materiais e supérfluas, que difundiu a ideia da felicidade pelos esforços requeridos à natureza, conforme à natureza simplesmente. Dele falaram: “Já não existe, ele, que foi cidadão de Sinope, famoso por seu bastão, pelo manto dobrado e por viver ao ar livre; foi para o céu, apertando os lábios contra os dentes e prendendo a respiração, tendo sido realmente um verdadeiro Diógenes de Zeus, cão do céu”(idem, p. 171).

quinta-feira, 2 de junho de 2011

De vantagens em cooperar

Prof. Nei Alberto Pies

Aquele que alivia o fardo do mundo para o outro não é inútil neste mundo” (Charles Dickens)
A nossa civilização construiu um ideário de convivência social com base na competição. Somos impelidos a ver todas as vantagens em competir e nenhuma vantagem em cooperar, o que nos dá a falsa impressão de que cada um e cada uma se basta a si mesmo. Se cada um se basta a si mesmo, estamos liberados para ser, pensar e agir deliberadamente, sem medir quaisquer consequências que possam envolver ou atingir os outros. Deste modo, ao desaprendermos a cooperação, empobrecemos as nossas relações sociais e a nossa própria condição de humanidade, que se realiza a partir da interdependência com os outros. Ao abrirmos mãos da intrínseca relação entre o eu e o outro, perdemos a dimensão da construção social que é sempre coletiva; que nos faz humanidade em movimento.

Nossa cultura alimenta-se de ideários individualistas na medida em que estimula, ao máximo, a busca da superação pessoal, a partir de nossa autodeterminação. A máxima expressão do modo de levar a vida hoje, para muitos, já foi cunhada pelos romanos: “se queres paz, prepara-te para a guerra”. Outra máxima: “minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro”, propõe, igualmente, a construção de uma liberdade individualista, supondo haver uma linha limítrofe entre a nossa ação e a ação dos outros. Na verdade, a liberdade pressupõe um pacto de cooperação mútua para ambos alcancemos a liberdade, ou seja, somos sempre condição para a liberdade, nossa e dos outros.

Preocupa que, mesmo sem perceber, temos sido muito permissivos na construção de um modo de vida extremamente individualista, que prega o uso de todos os meios para a construção do sujeito social, inclusive o uso da violência e da competição desmedida. Neste contexto, não há nenhuma preocupação com a resolução dos conflitos, com os contextos e as condições em que vivem os outros; busca-se somente consolidar uma situação em que os vencedores se afirmam a partir do sufoco, superação ou abafamento dos vencidos. 

O que mudou mesmo é que refinamos cada vez mais nossos instintos competitivos, dando-lhes uma forma e um conteúdo mais definido. Além de estar mais claro, este ideário está bem disponível às novas gerações. E em tempos em que tudo o que é assimilado deve ser aplicado, muitos, sobretudo adolescentes e jovens, desafiam-se para colocá-lo em prática, sem escrúpulos.

E a cooperação... Bem, a cooperação não traz vantagens suficientemente consistentes para inspirar um ideário ou um estilo de vida. É geralmente tratada como solução em situações limites de nossa vida como nos conflitos interpessoais, nas relações de médico-paciente, na complexidade dos assaltos e roubos, na ajuda humanitária e na solidariedade a pessoas em iminente risco de vida.

As vantagens da cooperação servem mesmo para promover a vida e a dignidade, para qualificar as nossas relações sociais. A cooperação é uma ferramenta para nos fazermos gente. É a possibilidade de vivermos em condições menos estressantes, capazes de reconhecimento mútuo e recíproco, capazes de compreender que ninguém se basta. Quem pensa assim, nos acompanhe!

Prof. Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.