quinta-feira, 26 de maio de 2011

Por uma Pedagogia Rizomática em Gilles Deleuze

Jackislandy Meira de Medeiros Silva

Parece-nos clara a tendência de Deleuze em afirmar a vida como princípio de novidade e da diferença, ou seja, como novidade, como devir, vir a ser heraclitiano, movimento e, acima de tudo, “diferença vital”.
Sendo assim, é uma recorrente na pedagogia rizomática o apoderamento dinâmico e potente, sobretudo atual, das filosofias de Nietzsche e Deleuze. É uma constante no interior do texto em questão o ir e vir, como a imagem da maré ou a de um rio do pensamento vital de Nietzsche.

A pedagogia rizomática, neste sentido, trabalha sempre com o novo. Eis, pois, toda a sua dinâmica: o que é (a memória) dá lugar ao que não é ainda (o novo, que implica o esquecimento). O novo é o devir, é o por vir. Nem genealogia, nem raízes: rizoma, abertura para a imanência, num eterno retorno em que o que retorna são os blocos de diferença em forma de devires. É o próprio real que aparece como produção do novo, o que supõe uma passagem do agente – itinerante, por definição – por uma experiência singular. O novo, cuja força maior é seu caráter primitivo ou imediato da novidade, ora posto pela experiência, ora pelo ser, não significa que ele se apresente espontaneamente nem que seja reconhecido imediatamente como tal pelo pensamento, mesmo porque o pensamento, muitas vezes dependente da opinião, é impotente para acolher o novo”(Lins, 2005, p. 11).

Segundo Deleuze, o novo começa quando rompe com a opinião e reivindica a criação de valores novos através da análise da imagem do pensamento, que é eminentemente filosófico.
Um outro aspecto interessante que gostaríamos de separar no universo textual de Daniel Lins, embora seja consequência de uma pedagogia rizomática e da escola mangue até aqui apresentados, tão somente advindo das ramificações que não se prendem em nenhum território porque desterritorializa, desprende-se o tempo todo, move-se em sentido pivotante, no dizer de Deleuze(Deleuze & Guattari, 2000, p. 15), a exemplo de uma batata desenraizada ou de um mangue que flutua na água, é de tal modo, a pedagogia dos platôs. “Um platô está sempre no meio, nem início nem fim. Um rizoma é feito de platôs(...). Chamamos platô toda multiplicidade conectável com outras hastes subterrâneas superficiais de maneira que formem e estendam um rizoma”(Deleuze & Guattari, 2000, p. 33).

Possivelmente, em decorrência da bela imagem do manguezal, bem como da fundamentação rizomática deleuziana, desencadeando-se no texto uma pedagogia rizomática e uma pedagogia dos platôs, observa-se uma interação destes conceitos com a pedagogia das escolas atuais no que tange a aprendizagem, o aluno, o ensinar e a instituição como um todo. Como elaborar, afinal, ou produzir um Programa/Projeto que se aproprie das ideias desencadeadas a partir da noção de devir, rizoma, embutidos nos conceitos filosóficos de Gilles Deleuze?

É porque a Escola coabita com diferenças e singularidades que alguns podem adaptar-se à moral do rebanho; outros devem ter o direito de se rebelar contra um modelo pedagógico pleno de boas intenções, mas estrangeiro às multiplicidades. O programa – oposto do rizoma – impõe a todos a obediência às setas e indicações. O projeto, diferentemente do programa, experimenta, desconfia das verdades pedagógicas ‘verdadeiras’. Embora o programa tenha sua importância em todo projeto educativo, ele é apenas um instrumento cooptado pelo provisório, molar, identitário”(Lins, 2005, p. 17).
Com a noção inovadora de Programa/Projeto proposto por Daniel Lins, em virtude do que já dissemos até então, defende-se dois novos horizontes para a pedagogia, que são: a pedagogia molar e a pedagogia molecular.

Molar é aqui compreendido não como separação ou oposição. De fato, se é verdade que o molar delimita os nós, os laços, a arborescência, o molecular une-os numa desunião criativa instauradora, inclusive, de possíveis alianças. Atravessado (molar) e atravessador (molecular) celebram núpcias com intensidades singulares e diferenciadas, num movimento permanente de contaminação, dissidência e resistência, sob o signo de linhas de fuga e agenciamentos maquínicos, que conduzem um futuro sem devir e estruturas arborescentes para devires múltiplos, multiplicadores” (Lins, 2005, p. 03).
Isto posto, o que se vislumbra numa pedagogia molecular é o fato de, perfeitamente, ser rizomática. Trata-se de uma pedagogia da desconstrução e da diferença, como também da singularidade. Uma pedagogia que não trabalha com formas, mas com encontros nômades, desejos, encruzilhadas e bifurcações.

In: LINS, Daniel. Dossiê: “Entre Deleuze e a Educação”. Educ. Soc. Vol. 26. nº 93. Campinas. Sept./Dec. 2005.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Dos amores de nossas mães

Uma garotinha, perguntada onde era sua casa, respondeu: onde minha mãe está” (Keith L. Brooks)

Escrever sobre o amor de nossas mães é um grande desafio. O amor materno é sempre sagrado, capaz de abarcar as dimensões humanas mais ricas e contraditórias. Sua pureza se confunde com “amor radical”, nem sempre compreendido por sua incondicional capacidade de perdoar, de re-atar, de re-considerar, de re-aprender a viver do jeito que é possível, apesar dos pesares.
Somente as mães conhecem realmente seus filhos e suas filhas. Por conhecê-los tanto e tão bem, são capazes de reconhecer os seus desejos e potencialidades, mas também os seus limites e fragilidades. Não raras vezes, são mal interpretadas porque dedicam mais atenção e apoio para um dos seus filhos ou filhas que, justamente, mais necessita de sua ajuda e presença.
Nossas mães aprenderam e ensinaram que ser justo é dar a todos e todas as mesmas medidas, as mesmas proporções, dividindo tudo em partes iguais. O bolo de mãe, o melhor de todos, é sempre dividido em partes iguais para cada um de seus filhos e filhas. Parece que esta é sempre a fórmula mais justa de dividir os bens e artigos que possuem materialidade. Mas valerá esta mesma regra para “distribuir” carinhos, afagos, apoio e atenções? Para as mães, não. Para os filhos, sim.
Sem perceber, nossas mães fortaleceram nossos egoísmos e caíram numa cilada que, não raras vezes, volta-se contra elas na medida em que os filhos, sempre diferentes, exigem que sejam tratados de maneira igualitária. Mas como tratar de forma igual filhos tão diferentes, com diferentes necessidades de compreensão, de apoio, de ajuda de todas as ordens, inclusive ajudas financeiras?
Em toda família com mais de um filho há um que precisa de uma presença, vigilância e cuidado maior do que o outro. Não é verdade que as mães amam diferente a cada um de seus filhos ou filhas e amam em diferentes intensidades, mas é fato que as mesmas dedicam-se aos filhos na proporção da necessidade que os filhos revelam para elas. Por isso mesmo, não se justificam as birras e incompreensões para com elas.
Não adianta a gente querer esconder de nossa mãe aquilo que a gente é. A mãe da gente não precisa de faro nem de varinha mágica para descobrir o que se passa com a gente. Seu olhar e sua presença transpassam a nossa vida, tornando esta mesma vida como que uma extensão de si mesmas.
Celebremos, pois, o amor sagrado de nossas mães. Saibamos reconhecer que o bem maior, nossa vida, foi gerado por elas. Saibamos reconhecer que, com a pureza de seu amor, as mães jamais seriam capazes de atrapalhar os nossos planos, desde que estes, uma vez verdadeiros, nos ajudem a ser o que a gente é.
Todas as mães são únicas. São mães a seu modo por conta de nós, seus filhos. Elas nos geraram, mas não puderam prever como a gente iria ser. Embora insistam em dividir o bolo em partes iguais, por força do hábito, elas nos provam de que fazer justiça não é dividir em partes iguais, mas dar a cada um e cada uma conforme as suas necessidades.
Vida longa e saudável a todas as mães brasileiras!

Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

A Escola não se basta a si mesma

Jackislandy Meira de Medeiros Silva

Acreditar nisso é um dever. Não aceitar é uma tolice. Nem sequer pensar é uma loucura. Dever, tolice, loucura. Em qual das três você se encaixaria? Ah, não importa. O que importa de fato? Bem, “o nada se basta a si mesmo” é uma ideia forte, e se faz pertinente seja lá como for, pois estamos atolados até o pescoço na existência.
Olhem em volta. Olhem para cima. Olhem para baixo. Olhem para dentro. Simplesmente não olhem. Soltem-se e percebam essa estranha sensação, a de que estamos lançados na existência. Não era isso o que dizia Sartre no seu “O existencialismo é um humanismo”?
Quanto mais o tempo passa, mais e mais nos convencemos de que não sabemos tudo de nada. Ninguém, na verdade, se basta a si mesmo. Há coisas que importam e que não importam. Mas, como é fácil confundir as duas. Na vida, estamos sempre na linha do horizonte entre opiniões absolutas e opiniões relativas. Na área da Educação, tem muita gente confundindo as duas coisas, quando nem ainda se tornaram ideias, mas ainda estão no campo das opiniões, do achismo, do empírico. O problema é que somos facilmente levados ou tentados a traduzir estas opiniões, melhor dizendo, por ideias absolutas dentro da Escola, o que não é muito produtivo. Para mim, a palavra Escola, de semântica diferente, tem significado semelhante ao da palavra Universidade, onde reúne uma diversidade de ideias, de opiniões e de conceitos para experimentar o debate. Atitudes extremas, radicais e unilaterais não combinam com um ambiente eminentemente diverso da Escola.
Em se tratando de Educação, há muita gente tomando a parte pelo todo mais do que se imagina, pensando que suas ações são eternas e universais, com forças sobre-humanas até, ignorando muita gente boa que se desdobra por uma educação mais criativa. Mas, tudo muda também na Educação, não nos esqueçamos dessa verdade. A educação de 30 anos não pode ser mais a mesma de hoje. Os conceitos mudaram, o mundo mudou. A história também. As informações estão mais rápidas. As relações estão meio que instantâneas e imediatas, o que prova que não somos mais os mesmos. Como diz acertadamente a música de Lulu Santos, “Como uma onda no mar”, “Nada do que foi será igual ao que já foi um dia, tudo muda o tempo todo no mundo, não adianta fingir, nem mentir para si mesmo agora, há tanta vida lá fora... Num indo e vindo infinito”. Se observarmos com cuidado, todos estão em volta da ideia de mudança, mesmo que isso cause um desgosto danado.
Em média, um aluno passa de 14 a 15 anos mais ou menos na Educação Básica que compreende Educação infantil, Ensino Fundamental e Médio no Brasil, o que chega a ser um tempo bastante considerável em que a Escola poderá ajudá-lo a decidir melhor sobre a carreira ou a profissão almejada. Em relação ao Professor, o aluno fica pouquíssimo tempo na Escola; já o Professor permanece em média de 30 a 40 anos na Escola. Aliás, muito mais tempo que isso, admitindo seus anos de formação, da Educação Básica passando pela Universidade até ao término da pós-graduação. Junte tudo isso e verás que o Professor passa uma vida inteira dentro da Escola.
Por isso e por muito mais, o Professor deveria sim ser muito bem tratado nesse país, na sua cidade, na sua comunidade, e sobretudo, na sua Escola, despertando o apreço e o respeito de seus alunos.
Por entrar numa Escola, ninguém está obrigado a ser médico, professor, engenheiro, cientista, pedagogo, odontólogo, filósofo, físico, químico ou matemático, mas alguns o são, e isso é bom. Da mesma forma que há os que não querem ser nada disso, o que também é um valor, vai ser outra coisa na vida, sem necessariamente ter uma profissão específica, o que também é muito bom. Ou seja, a Escola não vai determinar nada para o aluno; simplesmente, irá apontar caminhos e alternativas, para depois ou durante o processo de aprendizagem, poder escolher conforme queira.
A Escola, como tudo na vida, é uma passagem, um caminho, um percurso, uma etapa importante de nossa breve existência. Ela, por isso, não se basta a si mesma. Ela não é suficiente em tudo. A Escola precisa do apoio e acompanhamento da família, das igrejas, do poder público, das instituições em geral, da sociedade para ampliar mais ainda o conceito de uma Educação que quer ser cidadã. Mas, para isso, é urgente a consciência de que não nos bastamos a nós mesmos, ao invés de nos revoltarmos contra os Profissionais da Educação, levantando possíveis suspeitas quanto à responsabilidade de suas atividades pedagógicas. Será que exigimos de nós mesmos o quanto exigimos dos outros?
Façamos do tempo de Escola, um período propício, oportuno e gracioso de aprendizagem. Aprender, sobretudo, a aceitar o diferente com toda estranheza que há nele, pois a Escola é o lugar por excelência do choque de ideias, onde as opiniões se encontram e se desencontram, onde nascem os novos conceitos, onde as várias cabeças se tocam e se conflitam para colocar em movimento pensamentos frios e envelhecidos postos alguma vez no papel.
A Escola não se basta a si mesma, mas é necessária: Sem as Escolas, como os conceitos iam nascer? Sem as aulas, como os pensamentos iam mudar? Sem os debates, como íamos aprender? Sem estudar, como iríamos saber errar?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

C.A.I. e o Diálogo

Silvio Wonsovicz

Nos dias atuais vivemos numa sociedade que fala muito e pouco diz, portanto com comunicação falha. Cada vez mais sentimos que a falta de raciocínio leva as pessoas a falarem e não expressarem o seu pensamento. Isto tudo é fruto de vários motivos que não vêm ao caso analisarmos de momento. Por isso a necessidade de resgatar o pensar, o comunicar, o sentido da palavra.
O que poderia levar uma pessoa a perder a vontade de falar? Daí a importância de uma discussão filosófica sobre tal procedimento ou então, o que é dizer algo? Quando é que falamos e dizemos algo?
Portanto, o que o Programa de Filosofia com crianças, adolescentes e jovens quer quando vemos como sua essência o diálogo, a formação da Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.)? Por que sentimos haver uma relação grande entre idéias de Paulo Freire, Lipman e o que defendemos? Estas e outras perguntas querem e precisam ser discutidas.

O Diálogo e a C.A.I
O que é Diálogo? Em Jaspers temos a definição como sendo uma relação horizontal de A com B, desta forma tendo um inicio critico e levando para criticidade. Desta constatação poderíamos acrescentar que deve haver humanidade, confiança, esperança. Sendo assim, só com o diálogo há comunicação. Tendo esta ligação os dois pólos do diálogo se fazem críticos na busca de algo. Inicia-se com uma relação de simpatia entre ambos, acontecendo a comunicação. Isto é feito como num caminho, diz Japers, “não somente nas questões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ver, somente pela virtude da crença, contudo tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença que somente chego a ser eu mesmo quando os demais também cheguem a ser eles mesmos.”
Isto nos leva a repudiarmos o antidiálogo que é uma relação vertical A sobre B, portanto totalmente antagônico, não comunica. Faz comunicados (Ver Japers, Karl – Razão e Anti-Razão do Nosso Tempo).
Quando entendemos o dialogo como fenômeno humano estamos falando da palavra. Esta por sua vez pode ser entendida em duas dimensões – ação e reflexão Paulo Freire afirma que para a palavra ser verdadeira ela deve ser práxis, portando transformadora do mundo. “Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modifica-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”.
Dizer a palavra não é privilegio de alguns, mas direito de todos e, a palavra verdadeira não é dita sozinha. Só no diálogo é que os homens se encontram e o mundo é pronunciado. Não é só depositar idéias de um sujeito no outro.
Mas o que é palavra? Um roteiro para o professor refletir sobre tal assunto e questões que podem levar para uma discussão filosófica:
Do mesmo modo com palavras alguém pode escrever uma palavra num pedaço de papel e depois apagá-las. Mas com isso a pessoa não destrói a palavra. A pessoa apenas destruiu a versão escrita da palavra. Palavras são as menores porções significativas da linguagem. A única coisa menor são as letras que formam as palavras. Letras não têm, em si mesmas, significados. Podemos combinar letras para fazer palavras, e podemos combinar palavras para formar frases. Cada palavra tem um significado ou um conjunto de significados que são associados a ela. E assim, quando formamos frases selecionamos palavras que expressam os significados que queremos expressar.
Desta explicação feita para o professor (a) podemos deduzir vários caminhos de entendimento do significado da pergunta feita – O que é palavra? Com as crianças uma discussão sobre este assunto pode parecer simples e limitada, porem impossível de prever os caminhos da investigação da construção do conhecimento pela experiência sobre este tema. “O que se pode fazer com uma palavra?”, eis algumas perguntas:
. Palavras podem ser faladas? Escritas? Cantadas? Dançadas? Lidas? Pensadas?
. Palavras podem não ter nenhum significado?
. Palavras em línguas diferentes podem todas ter o mesmo significado?
. Podemos machucar uma pessoa com uma palavra? Uma coisa? Um animal?
. Palavras podem ser comparadas e vendidas? Palavras podem ficar gastas?
. Se você conhece muitas palavras, isso faz você inteligente?
. Quando você pensa, você pensa com palavras?”
Estas questões sobre palavra podem ainda serem ampliadas, dependendo da coordenação do professor, bem como do interesse da Comunidade de Aprendizagem Investigativa, resultando sem dúvida num campo investigativo interessante e fascinante, além do entendimento de que o diálogo não é só dizer palavras, mas pronúncia do mundo.
Quando afirmamos que o diálogo é a essência deste Programa, estamos confirmando o que Paulo Freire também diz – “É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue”. Assim na Comunidade de Aprendizagem Investigativa queremos que as crianças digam a palavra, pronunciem o mundo. Desta forma, o dialogo como exigência existencial, faz o encontro no refletir e agir, tendo como endereço um mundo a ser transformado e humanizado. Desta forma não é depositar idéias, trocar idéias, como se um detivesse ou quisesse que estas sejam consumidas por outros.
“Porque é encontro de homens, que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no dialogo, é a do mundo pelos sujeitos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens.”
Em sala de aula aonde ainda constatamos que pouco diálogo acontece, aonde constatamos que a palavra (da autoridade do livro) é a que predomina, pronunciando o mundo, não vemos criação. A auto-suficiência é incompatível com o diálogo, por isso não conseguem construir com os outros a pronúncia do mundo. Talvez esta possa ser uma análise para a perda do verdadeiro sentido do diálogo na sala de aula.
Transformar a sala de aula numa Comunidade de Aprendizagem Investigativa é querer que a Educação seja de “A” com “B”, mediatizados pelo mundo. E este mundo é aquele que impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. Nesta troca de visões, pelo diálogo, vemos concepções empregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicam temas significativos e, portanto, base de um conteúdo programático da educação.

Características do diálogo filosófico
Em primeiro plano é fundamental afirmar que a Filosofia, mesmo com suas inúmeras definições, é uma disciplina que leva em consideração formas alternativas de agir, criar e falar. Para conseguirmos isto é necessário examinar as próprias pressuposições, questionar o que normalmente é dado por certo e, especular, usando a imaginação, os marcos de referencia cada vez mais amplos. Por isso, uma “educação filosófica” terá mais resultados quando anima e permite as pessoas envolverem-se em questionamentos críticos e na reflexão criativa.
Como conseguir que nossa Educação alcance tais afins? Poderíamos dizer que é necessário um professor que seja provocativo, inquieto e até impaciente com o pensamento descuidado e, um grupo de alunos dispostos, desejosos de um diálogo que leve-os a pensar e produzir idéias.
Portanto para que haja diálogo filosófico, no sentido diálogo, o professor é uma figura de autoridade, que coordena o processo de discussão. Mas não só isso, ele deve ser visto como um facilitador cuja tarefa é estimular as crianças a darem razões de seus pensamentos e da classe. O professor deve fundamentalmente, aprender a ouvir o que os alunos têm para dizer.
Por isso, nesse Programa, o diálogo filosófico acontece. Assim, a filosofia não é vista como um conteúdo especifico que deve ser ministrado, que deve ser extraído de cada episódio e, também dominado pelas crianças. Ao contrário, uma boa classe (ou Comunidade de Investigação) é, em geral, aquela na qual os estudantes se envolvem em animadas discussões filosóficas retiradas de um ou outro tópico da novela, ainda mesmo que não seja o assunto principal. Com certeza essas discussões são capazes de provocar impressões duradouras nas crianças.

“Es aqui donde cualquier diferencia marca la diferencia ‘. Esto es, cualquier diferencia en los modos de pensar de los niños, por pequeña que sea, puede modificar todos sus procesos de pensamiento. Por ejemplo, una niña puede, hasta este año, haber estado operando bajo la presuposición de que las cosas son realmente lo que parecen ser y de pronto descubre que algunas cosas son muy diferentes de lo que parecen ser. El descubrimiento de que las apariencias pueden engañar puede cambiar por completo la vida de esa niña.” (7)

Portanto, o diálogo filosófico neste programa de Filosofia para Crianças, tem sua ênfase no o processo da discussão e não nas conclusões especificas a que se chegar. Neste programa, que tem no diálogo verdadeiro a sua essência, o professor não precisa apresentar-se como “possuidor” de uma grande quantidade de informação. Ele é alguém que se questiona e que está interessado em estimular, facilitar a discussão, além de aprender. É a forma do diálogo horizontal como vimos anteriormente.
Nesta atmosfera, as crianças gradualmente começam a descobrir que o diálogo filosófico tem estilo diferente de qualquer outro tipo de discussão, pois podem compartilhar idéias, experiências e aprenderem uns com os outros, por isso é cumulativa ao invés de superficial.
Isto também é visível nas novelas do programa de Filosofia para crianças, pois oferecem modelos de diálogo, entre crianças e de crianças com adultos. Estes modelos não são doutrinários, mas que o respeitam os valores do questionamento e do raciocínio, alem de desenvolver modos alternativos de pensamento e imaginação. Nas novelas filosóficas temos a descrição de como seria viver em uma pequena comunidade (sala de aula) aonde as crianças tem interesse, se respeitam uns aos outros como pessoas e são capazes, às vezes, de envolverem-se em investigações cooperativas.
Como distinguir entre uma discussão e uma discussão filosófica? Poderíamos dizer que a filosofia se preocupa por clarificar significados, descobrir suposições e pressuposições, analisar conceitos, considerar a validade dos processos de raciocínio, investigar as implicações das idéias e as conseqüências que tem para a vida humana e, substituir idéias em lugar de outras. Certamente teremos aí uma boa discussão. Num dialogo filosófico (Na Comunidade de Investigação), o resultado final marca um progresso. Progresso em compreensão, de algum tipo de consenso, porque formulou o problema. Algo que se ganhou, um produto do grupo se alcançou.
Não há nenhuma receita para conseguir uma discussão filosófica perfeita. Mesmo que professores devem ter suas características pessoais. Os interessados em encontrar modelos poderiam muito bem ler os “Diálogos” de Platão, onde Sócrates é apresentado como um professor de filosofia, isto é, um professor na arte de obter um diálogo produtivo.
A seguir, algumas características do diálogo filosófico:
  • É cumulativa ao invés de superficial e linear;
  • É não-autoritário e não-doutrinário;
  • Participação: falar, ouvir, refletir, reconsiderar;
  • Preza os valores da investigação e raciocínio;
  • Os participantes aprendem uns dos outros;
  • Demonstra sentido do progresso, de algo realizado;
  • Promove raciocínio ao invés de meramente suscitar opiniões;
  • Há o Maximo possível de diálogos entre alunos, ao invés de apenas diálogo aluno-professor.

Aspectos da Comunidade e Investigação e do Círculo de Cultura.
Animar crianças a pensarem filosoficamente é também buscar a formação da Comunidade de investigação. Isto é visível porque temos um compromisso com os procedimentos da investigação, com as técnicas responsáveis de busca que pressupõe uma aventura a evidência e a razão. Estes hábitos adquiridos na Comunidade uma vez interiorizados, começam a ser hábitos reflexivos do indivíduo.
Transformar a sala numa Comunidade de Investigação não é somente uma idéia de um ambiente aberto. Temos que levar em consideração a disponibilidade para a razão, o respeito mútuo, a ausência de doutrinação. Estas também são condições intrínsecas da filosofia, está na sua essência.
Tendo como base o diálogo, o Programa da filosofia para Crianças quer que os alunos sejam agentes da aprendizagem e, que na Comunidade ed Investigação, as pessoas devem construir as idéias de uns sobre outros. Isto é conscientização, leitura do mundo através de várias perspectivas, enfim, uma Educação para a Liberdade.
Oportunizar às crianças espaço dentro da sala para que pensem por sim mesmas, investiguem, sejam criativas, é preocupação de toda pedagogia moderna e também de Paulo Freire – “Uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política”.
“O saber democrático jamais se incorpora autoritariamente pois só tem sentido como conquista do trabalho do educador e do educando.” (8)


Não temos dúvida que o método e as idéias pedagógicas de Paulo Freire e de Matthew Lipman tem pontos cruciais em comum. Além disso podemos afirmar que muitos objetivos também são semelhantes. Paulo Freire quer pessoas livres, conscientes, que lutem para ter voz consciente e vivam melhor – na Democracia, portanto sendo cidadãos.
Com relação à forma de conseguir tal empreendimento, Paulo Freire fala dos Círculos de Cultura, aonde a experiência de vida tem peso fundamental sobre a aprendizagem, a leitura de mundo é o caminho da conscientização, do pensar por si mesmo, do agir junto com outros. Matthew Lipman propões que a discussão filosófica aconteça em sala de aula e, os alunos aprendam com outros, de suas experiências, investigações, visões de mundo e saibam das boas razoes para suas idéias – isto na Comunidade de Investigação, através das novelas filosóficas recheadas de tópicos filosóficos, para o desenvolvimento das habilidades e raciocínio para a construção do pensar correto e, tendo nos personagens, crianças como modelos de investigadores, de filósofos.
Ambos querem que na Educação, o direito de dizer a palavra seja respeitado. Querem que as experiências de casa indivíduo sejam ouvidas e sirvam para a construção coletiva do correto pensar, da leitura do mundo consciente e libertadora. Isto só é possível em ambientes aonde o dialogo é horizontal, aonde todos sintam-se livres para falarem e aprendam a ouvir o que outros tem para dizer. Enfim, num espaço democrático onde cada indivíduo passa a ser pessoa – isto no Círculo da Cultura – Comunidade de Investigação.
Em ambos temos a maiêutica socrática pois, co o Sócrates, “a conquista do saber se realiza através do exercício livre das consciências”. Para Freire e Lipman, os participantes do diálogo no Círculo da Cultura e na Comunidade de Investigação não são uma minoria de aristocratas dedicados somente a especular. São pessoas que vêem nas palavras porque elas falam de suas experiências. Desta forma, esta maiêutica compromete o educando e o educador, pois são pessoas concretas, e não torna possível o aprendizado de técnicas ou noções abstratas.
A educação hoje no Brasil passa por momentos de grandes avanços, não resta dúvidas de que as idéias de Paulo Freire, Matthew Lipman e outros, estão contribuindo e, muito terá para ajudar a termos uma Democracia. Democracia que só pode existir em sociedade aonde não tenhamos homens “estúpidos”. Isto é, sem direito ao pensar correto, ao dizer a verdadeira palavra, a serem pessoas conscientes, críticas e criativas.


NOTAS
(1) LIPMAN, Matthew. Coleção “Filosofia para Crianças” (Elfic. Issao e Guga. Pimpa. A
Descoberta de Ari dos Telles. Luísa – com Manual do Professor para cada novela). São
Paulo. Editora Interação. 1998.
(2) Pimpa. Trad. Sylvia J. H. Mandel. São Paulo. Ed. Interação. 1991. (p.8)
(3) FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 6a ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1978 (p.2)
(4) LIPMAN, Matthew. Issao e Guga – Maravilhando-se com o mundo (Manual). São Paulo.
Ed. Interação. 1988. (p.193-194)
(5) FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 6a ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1978 (p.93)
(6) ____.____ - (P.93)
(7) LIPMAN, M.: SHARP. A.M.: OSCANYAN. F. La Filosofia em aula. Madrid. Ediciones de la
Torre. 1992. (p.194)
(8) FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 5a ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1975
(p.12)