quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Uma escola mangue

Jackislandy Meira de Medeiros Silva

O texto dossiê: “Entre Deluze e a Educação” se apropria de uma bela imagem, a imagem do Mangue, utilizado aqui pelo autor Daniel Lins para nos mostrar a riqueza do pensamento rizomático de Deleuze atrelado a uma pedagogia.

            Na vida acadêmica ou na vida de um professor é muito salutar quando se alcança o estágio maduro do magistério e, desaprendendo a falar academicamente uma linguagem técnica, aprende-se a falar por meio de imagens. As imagens vêm mais facilmente à cabeça e são deliciosas, pois, quando se usa uma imagem que fala mais do que o texto, percebe-se “a diferenciação, a contemplação vibrátil, sem determinação, mergulhada numa visão que inventa a visão do que é visto sem pontos de referencia nem muletas”. (Lins, 2005, p.10). Eis a imagem:

            “- Seu Pedro, onde começa o mangue?
             - Professor! Olhe o mangue! Não tem nem começo, nem fim: O mangue só tem meio!”  (Diálogo com um velho pescador, na Ilha do Pinto, em Fortim, Ceará, abril de 2004, in Lins, 2005, p. 10)

            Assim deve ser uma escola, sem principio e sem fim, mas com meio, inteiramente inserida na vivência do mundo e mergulhada no aqui e agora das situações existenciais. Uma escola que simboliza um “imenso manguezal” a se espraiar “no entrelaçamento de proteínas, calorias, gazes, lama, gozos, prazeres, detritos e... ouro” (Lins, 2005, p.10). O seu ouro é a diferença ou a riqueza do manguezal, como se a criança/aluno representasse o grande tesouro da escola que, talvez, fosse uma obra em construção e que a escola sua intercessora privilegiada na autoconstrução, sob a condição de que a transmissão de saber não se confunda com a transmissão de poder em que o aluno é tratado supostamente a querer, a ouvir, a aceitar e a obedecer.
          
  Tal cogitação entre escola e mangue merece, como dissemos, uma deferência no texto de Daniel Lins, haja vista a feliz metáfora que estabelece com a ideia de rizoma deleuziana: 

“Por meio da questão do novo, a função da Mangue’s School não é mais a de responder a uma necessidade de verdade, ou de abrir ao conhecimento do real, mas provocar novas possibilidades de vida. O novo é assim retomado como uma exigência de criação que instiga a promoção de forças capazes de transformar o presente levando-o para novas vias, segundo a formulação de Nietzsche: ‘Agir contra o passado, e desse modo sobre o presente em favor de um tempo por vir’”(Lins, 2005, p. 12).

É uma pedagogia que nos proporciona ir até a etimologia da palavra saber para resgatar o seu significado original conjugado a sabor, uma vez que a palavra sapientia, em latim, quer dizer saber, isto é, “saboroso”. Sapio, em latim, quer dizer “eu degusto”. O impressionante, com isso, não é o conhecer com os olhos, como acontece com a ciência, mas o conhecer com a boca. A vida é para ser degustada, a vida é para ser experimentada sob a forma de desejo, de prazer, conforme o próprio texto nos aponta:

“Os saberes como sabores não mudam a realidade finita dos homens e, tampouco, a angústia vinculada à morte. A realidade continua sendo o que ela é, mas o olhar que se tem sobre ela transforma não força das coisas nos seus paradoxos e incertezas, mas atribui ao ‘incompreensível’, sob o olhar ético e estético, para além do bem e do mal, uma realidade artística, criadora, isenta do imaginário divino, do juízo, da verdade, da punição e do castigo”(Lins, 2005, p. 02).

            Desse modo, a pedagogia molecular nos insere nessa proposta de sabedoria tão bem apresentada a pouco, desprovida do medo e comprometida com o que está aí, lançado no mundo, jogado na existência, num movimento molar inserido e projetado no molecular, o brincar, como a aprendizagem, é brincar com desejo e não contra o desejo.

            Portanto, é na linha do movimento molar entrelaçado com o projeto molecular pedagógico engendrado pelas categorias do pensar deleuziano de devir e de rizoma que a experiência da aprendizagem vem à tona na roupagem da experiência do amor:

“Só se experimenta por amor, só se aprende por amor, só se ensina por amor, só se escreve por amor, só se faz amor por amor. É preciso muito trabalho para não viver idiota, para não morrer idiota. Aprender é também aprender a escrever, e a escrita é uma carta de amor. Ora, o amor é da ordem do experimento e não do programa. Experimentar significa também participar ativamente, engajar-se no sentido em que o pensamento não é simplesmente espectador ou contemplador, mas participa de maneira ativa daquilo que tenta. Enfim, na experimentação, o pensamento engaja-se num processo do qual desconhece a saída e o resultado, e é nisso que ele está profundamente vinculado à experiência do novo. O novo é a eternidade, é a invenção”(Lins, 2005, p. 19)


Confiram a bibliografia:
DELEUZE, G. Nietzsche e a Filosofia. Trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias. Rio de Janeiro: Editora Rio. 1976.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs. Trad. Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa, São Paulo: Editora 34, 2000. vol. 1.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é Filosofia. 2.ed. São Paulo: Editora 34, 1997.
LINS, Daniel. Dossiê: “Entre Deleuze e a Educação”. In Educ. Soc. Vol. 26. nº 93. Campinas. Sept./Dec. 2005.

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