quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A mosca de Atenas ou Carnaval que passou


Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva


Passados quatro dias rápidos de carnaval, em que muitos foram levados pela ventania do barulho do momento, a tendência agora será o despertar para outras realidades, como as chuvas de março e com elas as moscas, a política, o salário, a inflação e, talvez, a situação de trabalho de cada um de nós, pobres mortais. Passada a anestesia da folia, a realidade volta com toda a sua força ao dia a dia do brasileiro!

As chuvas são a marca do mês de março em nosso sertão; nuvens carregadas de água trazem do céu a esperança natural de boas colheitas para o humilde agricultor, bem como doenças de toda sorte para o povo do sertão. Também com as chuvas vêm as moscas para nos incomodar, chatear e aborrecer. Quem, em meio à umidade e ao calor, não se aborrece com as moscas? Aqui e ali estão pousando e hospedando seus excrementos, suas larvas em águas e alimentos. É preciso lavar bem e cobrir com muito cuidado os alimentos.

As moscas são muito frequentes nesta época do ano. Tão comuns que podemos encontrá-las em qualquer ambiente. Aparentemente inofensiva e inútil, ao contrário, a mosca pode causar diversos danos à saúde. Inseto asqueroso, de anatomia quase irreparável a olho nu, apresenta certas peculiaridades, dentre elas os olhos por toda a cabeça (formados por 3.000 lentes de seis lados); não veem muitos detalhes, mesmo vendo 360º graus, tudo está fora de foco; asas finas, batem 330 vezes por segundo (4 vezes mais do que o beija-flor) e o segundo par dessas asas influencia as manobras aéreas, e por serem finas e frágeis, ficam invisíveis durante o voo. As moscas são incrivelmente ágeis e importante para a natureza.

No entanto, a mosca é vista por quase todas as pessoas como um inseto nojento, perturbador e incômodo, principalmente nos momentos de um cochilo, de um bom sono, de uma sesta rápida. É o estraga prazer de todos quantos estão a saborear um caldo, uma sopa ou uma boa bebida. Dificilmente alguém não se sentiria incomodado ao ver cair uma mosca no seu copo ou na sua comida.

Raul foi maravilhosamente perspicaz e sagaz ao jogar com palavras cheias de ironia e sarcasmo, transparecendo uma indignação com a sociedade, com o poder, com a política.
O filósofo é como uma mosca; perturbadora, incômoda, abusada, chata, estraga prazer, enfim. Talvez por isso, a Filosofia, tenha ficado distante da grade curricular das escolas públicas por muitos anos, inclusive no regime ditatorial, período de perseguição aos direitos democráticos do cidadão. Não devia ser perigoso falar de direitos humanos, tampouco de direitos ao cidadão, da dignidade da pessoa humana. Porém, a mosca está de volta, a Filosofia está mais forte do que nunca. Jamais se produziu tanto nesta área.

Platão pintou a imagem de Sócrates como uma “mosca” na sociedade ateniense. Sócrates era uma espécie de perturbador da aristocracia ateniense, das autoridades em geral, dos que se diziam uma coisa e não eram. “A perturbação que causava, no entanto, não seria à toa. Segundo sua própria interpretação relatada por Platão, ele foi sendo tomado pelo espírito da 'mosca', de pousar em cada lugar de Atenas para importunar, e foi assim que conseguiu, finalmente, entender sua missão” (GHIRALDELLI, Paulo Jr. A Aventura da Filosofia. S. Paulo: Manole. 2010. p. 32). Acabou condenado à morte por não concordar com um governo corrupto, com base na venda de homens livres; e por ser acusado injustamente de corromper a juventude com ideias voltadas para a alma. Sócrates, como filósofo, sábio de Atenas e cosmopolita, jamais aceitava a ignorância e a corrupção política. Daí ser visto por Platão como a “mosca” de Atenas.

Voltando a Raul Seixas, a “mosca” quer dizer os insatisfeitos com a situação política que aí está. Os que corajosamente, como Sócrates, tiram a cortina, tiram o véu da mentira para encontrar a verdade. A “sopa” é a delícia do dinheiro público. A “sopa” quer dizer as regalias do poder, o despotismo, contratações sem necessidade, altas diárias, mordomias, nepotismo, troca de favores com cargos públicos, desvio de verbas, licitações escusas e assim por diante.

Nesse sentido, quem, tal como Raul, tal qual Sócrates, filósofo, quer ser uma “mosca”?

4 comentários:

  1. ótimo artigo, logo que falou de mosca, recorreu-me Sócrates, o grande filósofo da humanidade.

    Nossa que lição de coragem, ele poderia ter se acovardado e poupado a sua vida, no entanto, mostrou que a palavra é o bem mais precioso, inclusive até mais que a própria vida.

    Valeu, Sócrates! Você sempre será lembrado pelo valor que as palavras devem ter e não como hoje, simples palavras levadas ao vento.

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  2. Passar por essa metamorfose, é bastante tentador.Assim poderia provocar no povo brasileiro
    uma uma certa cócega para antená-lo com a sociedade cruel,na qual vivemoSciedade onde a competitividade nos torna insensíveis, aos direitos humanos,sociedade do consumismo exacerbado,onde ter é muito superior ao ser,sociedade do espetáculo,onde tudo se torna drama,e nos engambela e nos tira a oportunidade de pensar com o mínimo de criticidade.

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  3. Vejo que os jovens de hoje vivem sem pepectivas, acabam deixando os governantes tomarem posse do seu poder que é o voto. Não vão atraz dos seus direitos por medo de perseguições, represárias. Quando falo em minhas aulas que eles tem o poder de mudar o mun do com o seu voto eles acham que não ou até concordam mas não fazem nada para mudar essa situação. Preciamos de jovens moscas, que abusem, pertubem, corram atras de seus direitos sem medo de ser feliz. Esse texto é excelente e trabalharem na sala de aula. Obigada SER por existir.

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  4. Pois é, quem quer? Somente aqueles que tem comprometimento com a verdade e os valores tão desconsiderados.
    O trabalho do filósofo é chato mesmo, pois é um processo e como processo é dolorido.
    Lindo artigo.
    Ilca F. Stein

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