quinta-feira, 29 de março de 2012

Vício ou virtude? Eis a questão...

Ivo José Triches

Neste artigo há uma intenção fundamental, que ao final da leitura deste, você possa dar-se conta se está sendo mais vicioso ou mais virtuoso.
Contudo, há outra intencionalidade. E qual é? Que sua existência possa ser prolongada à medida que perceber que poderá, se assim desejar, substituir o que é vicioso em ti, por aquilo que é virtuoso. Importante: farei essa reflexão sem o caráter religioso, ou seja, deixando a especulação de lado. Sendo esse o propósito deste blog como já explicitei anteriormente.

A compreensão dos conceitos a partir de sua etimologia
         A palavra virtude é de origem latina. Virtus é força. Até aqui muitos que lerão esse artigo já sabem. Talvez o que muitos não saibam é que se nós “abrirmos” mais esta palavra latina encontraremos o radical vir. O que significa vir em latim? A tradução: homem. Neste caso, gênero masculino.  Dessa forma, podemos dizer que eu sou virtuoso quando tenho a “força” de controlar minhas ações. Mais adiante isso ficará claro. Veremos agora a etimologia da palavra vício.
         Vício também tem origem na língua latina. Vem de vitium. E o que isso significa? A tradução imediata: aquilo que é relativo ao mal. Posso dizer que sou vicioso toda vez que me deixo dominar pelos objetos. É simples. Você, caro leitor, provavelmente está lendo isso diretamente da internet. Se for este o caso, peço que pare um pouco a leitura. Agora olhe para seu computador. Pois bem, se você disser assim: - “eu não consigo ficar sem internet”! É bem provável que isso já seja um vício.
Dito isso fica mais fácil compreender o que é vício e o que é virtude. O vício existe em mim quando o objeto me domina e a virtude passa a existir quando eu domino o objeto.
Ao lhe escrever isso, me lembrei de uma amiga que sempre me dizia o seguinte: - “eu ainda terei muito dinheiro. No dia que tiver vou colocar um monte sobre a mesa, depois vou me distanciar um pouco e farei a seguinte indagação: sou eu que mando em ti ou é você quem manda em mim”? Como ela é virtuosa em quase tudo, a resposta eu já sei.
Ocorre que quando pensamos em vício, o que logo nos vem à cabeça? Cigarro, bebidas, maconha, crack, etc. Porém, há muitas outras formas de vício.
         No meu entendimento há um vício que está em toda parte e em quase todas as famílias. Ao menos um de seus membros está fortemente ligado a ele. Este é o vício do consumo. A maioria dos brasileiros tem cabeça de burguês e bolso de proletário. Muitos sonham com riqueza súbita. Consomem muito mais do que arrecadam. Por isso vivem mais quebrados que “arroz de terceira”, como dizia meu pai... rs!
Antes de lhe apresentar mais ideias sobre esse assunto preciso lhe confessar algo. Este que vos escreve também está lutando para se libertar desse vício, e não é fácil. Às vezes tenho recaído, mas com ajuda de alguns amigos estou conseguindo vencê-lo.
         Aqui cabem mais duas questões: no seu entendimento alguém que está com um vício o admite facilmente? Todas as vezes que questionei minhas educandas e educandos, a resposta foi unânime: Não! A segunda: para que alguém consiga sair de um determinado vício o que é necessário que aconteça? A resposta sempre foi: é preciso que a pessoa aceite que está com o vício e peça ajuda.

A teoria do “enrabamento”
         Peço-lhe perdão pelo termo chulo, mas tem sido a melhor forma para sensibilizar os atores sociais com os quais tenho interação. Sensibilizar em face de quê? De que muitas pessoas projetam a responsabilidade do que ocorre com elas nos “ombros” dos outros.
As pessoas vitimistas são as que mais fazem isso. Pela experiência que tenho na gestão de pessoas é muito comum a elas “tirarem o seu da reta” e responsabilizarem os outros pelas suas próprias falhas. Poucos são os que têm humildade para assumir que foram os responsáveis por um determinado projeto não ter dado certo.
         Você sabe quem foi o primeiro a combater a teoria do enrabamento? Foi Sócrates lá na Grécia antiga. Ele dizia: - “parem de culpar os deuses pelo que acontece conosco. Nós somos os únicos responsáveis a partir das escolhas que fazemos”.
         Assim, muitos que são viciosos além de não assumirem tais vícios, culpam os outros pela situação em que se encontram. Por exemplo: - “eu sou professor e estou endividado porque ganho pouco. A culpa da minha situação é do governador. É dos políticos que roubam muito e me pagam esse salário de fome”! Ora, uma pessoa que está com o vício do consumo, não importa o quanto ganha, ela sempre gastará mais do que arrecada. Eu durante quinze anos me recordo que só um mês consegui terminá-lo sem entrar no limite do cheque especial. De quem foi a responsabilidade? Minha. Eu disse muitos “sim” à falsa necessidade de ter... Agora o momento já é outro.

O caminho mais fácil...
No seu entendimento o que é mais fácil: sermos viciosos ou virtuosos? Em outras palavras, nós estamos mais afetos ao vício ou a virtude?
         Aqui novamente as respostas foram: - “é mais fácil sermos viciosos”. E por quê? Essa resposta não é tão simples. No meu entendimento é porque no vício o hedonismo – em grego hedós = prazer - é imediato. E o que isso significa?
Pense nisso. É fácil de entender. Quando uma pessoa tem o vício do cigarro e fuma com muita frequência, se ela está há três horas dentro de um ônibus, ao sair, depois da primeira tragada, o que ela sente? Sensação de prazer. Por isso o vício nos pega com facilidade...
A prova disso é fazermos uma caminhada. É prazeroso sair debaixo das cobertas em uma manhã de frio para andar? Não.
Contudo, depois da caminhada, ao longo dos dias que você está andando, sentirá prazer ou dor? Você sabe como moldamos nosso caráter? Responderei com o que nos dizia Aristóteles a respeito deste fato. Pelo hábito, dizia ele.
Se você tomado por uma força que te leva à inércia, à ausência de qualquer movimento, denominada preguiça e não sai fazer caminhada no primeiro dia, no segundo dia que se propôs... No trigésimo, será mais fácil ou difícil sair debaixo das cobertas? Quase impossível... rs
         Entretanto, se você tomado por uma energia que te coloca em movimento, chamada vontadevolens em latim -, ao escolher sair caminhar um dia, depois no outro dia... No trigésimo será mais fácil ou difícil? A resposta está clara.
         Por isso a expressão uma andorinha só não faz verão é do Aristóteles. Não é com uma atitude virtuosa que alguém pode dizer que já é assim. É necessário que consigamos incorporar isso como um hábito. Lembrando: o hábito se constrói pela repetição.

Duas regras de ouro
Primeira: o vício nos dá prazer no começo e dor depois. A virtude nos dá dor no começo e prazer depois.
Segunda: todo vício mata. Só que uns matam mais rápido e outros lentamente.
         Por isso a pessoa que tem vícios morre antes dos que são virtuosos. Exceto nos casos de acidente.
        
O homem forte e o homem fraco para Espinosa (1632-1677)
         Grande parte dessa forma de pensar que tenho hoje acerca desse assunto, eu aprendi com Espinosa. Em muitos dos artigos que ainda estão por vir, você irá se deparar com o pensamento dele.
         Espinosa dizia que há dois tipos de homens. O homem fraco e o homem forte. O forte é o homem ético. Aquele que procura ser virtuoso em tudo o que faz.
Já o homem fraco é o homem da moral. Ele vive de uma moral heterônoma, ou seja, age conforme o que os outros dizem. O homem fraco é o homem vicioso. Deixa-se dominar pelas coisas, pelos outros.
No artigo da próxima semana escreverei sobre o pior dos males: a inveja. Você compreenderá que o conceito de conatus para Espinosa é fundamental. Se eu quiser ter meu conatus fortalecido, necessito ser virtuoso e não vicioso.
No meu entendimento Sartre prolongou a filosofia espinosiana quando nos apresentou os conceitos de “em-si” e “para-si”. O que aceita continuar com os vícios é um ser “em-si”. O que busca ser virtuoso torna-se um ser “para-si”. E por quê? Porque o grande desafio em nossa vida é sermos o fundamento do nosso próprio fundamento moral. Essa é outra regra de ouro, no meu entendimento.
Espero ter contribuído em sua formação com essa pequena reflexão e desejo que suas escolhas sejam sempre as melhores. Portanto, que lhe conduzam ao caminho da virtude.

Agradecimento especial
         Minha gratidão a Luciane Tochetto, que está ajudando-me na correção destes textos. Ela é professora do Colégio Itecne de Cascavel e professora da Pós-graduação da nossa instituição também.

4 comentários:

  1. Parabéns, fácil compreensão, elucidativo, muito bom para referenciar.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom o seu texto e a forma simples que consegue explicar. Com as turmas do 2º ano do ensino médio estava tratando justamnte desses conceitos de virtude e vício. Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Amigo Ivo,
    Parabéns mais um excelente artigo.

    Abraço fraterno,

    CLeiton

    ResponderExcluir
  4. Muito interessante, principalmente por que o tema é atual, em nossa sociedade existe uma série de problemas relacionados à personalidade das pessoas.
    A Psicanálise vive seu momento mais promissor, é só vermos a quantidade de doenças que tem brotado, diagnosticado todos os dias desse mundo de cão do capitalismo Selvagem. Enfim, não estou a favor disso ou daquilo, ser vicioso ou virtuoso é uma questão cultural não é? E se nosso sistema capitalista cria por si mesmo condições para que os vícios sejam benéficos para economia, por que curá-los? Se o consumo acabar não haveria de existir uma necessariamente uma nova cultura? Uma nova organização Social?
    Uma coisa é mudar a si mesmo, ótimo, eu estou fora, (me explico). Digamos que eu seja o cara certinho, consciente, cuida da água, não como carne, medito não uso álcool, maconha, não me atraso a meus compromissos, pago minhas contas sem atraso, não devo nada á ninguém, etc.. Isso seria apenas fruto de minha vontade? Ou seriam os meios, condições? E quem cria as condições? Indivíduos, pessoas, personas... Doentes, viciosos, virtuosos?
    Voltamos, à estaca zero? O sistema de personas que vivem em uma cultura x ou y vive seus tabus, penso que o nosso grande tabu é: Acreditar que o outro tem a liberdade de escolha, quando na verdade, não o tem. E o pior é que nem tentamos desvelarmos por que dessa sociedade atual, se aceita a viver em conformidade com essa cultura, Cultura essa que não questiona seus representantes, que aceita comer lixo em vez de comida saudável? Que aceita comprar um carro para chegar mais rápido no trabalho e não vê que se todos colocarem seus carros na rua irá gerar filas intermináveis? Quem somos nós que aceitamos ganhar essa miséria, esses trocados, para sustentar representantes burgueses? Enquanto a classe operária busca pagar escolas privadas, por que não luta por uma escola de qualidade pública de qualidade? Lembrando que são os mesmos representantes burgueses que assinam, vetam projetos. Esses viciados em poder, tem sim mui responsabilidade, por que é de lá, que sai a aprovação do lixo tóxico que compramos nos mercados... Somos viciados sim, desde a célula capilar, a máquina fazedora de juros, impostos abusivos, tarifas, e serviços públicos de má qualidade sendo jogados para a massa, enquanto isso se pensa, trabalho, trabalho, trabalho, por que, se eu, trabalhar mais e mais, terei como pagar tudo àquilo que não tenho por direito conquistado. Acontece que esquecemos que: dignidade, respeito, liberdade e igualdade, não se compram, se conquista, e, aliás, isso já foi conquistado, apenas estamos dopados demais para perceber isso.

    ResponderExcluir