As escolas e
outros espaços públicos de manifestação popular e de discussão de ideias deviam
saber lidar muito mais com as discordâncias. É lamentável conversar com alguém
que não aprendeu ainda a aceitar controvérsias, críticas e coisas do gênero.
Tem muita gente boa indo e vindo em gabinetes de repartições públicas;
assumindo cargos de gerência; dirigindo escolas; lecionando em Universidades;
pregando em púlpitos de igrejas; ou legislando os municípios; e até gerindo o
executivo das cidades... Gente de todo e qualquer tipo que precisa urgentemente
de uma lição de filosofia, a discordância!
Se fôssemos
mais flexíveis com as discordâncias, logo destruiríamos a soberba de que somos
os donos da verdade e de que ninguém sabe mais do que nós. Não deveria ser tão
estranho alguém discordar de nós, até porque ninguém é obrigado a concordar com
tudo nem com todos. Ainda bem que o concordar é relativo à força da persuasão!
Há de se convencer alguém a concordar com você, e isso não é tão simples assim.
Posso até conviver com você, mas nunca estou obrigado a concordar com seus
pensamentos.
Volta e meia,
algumas pessoas se aproximam de nós – pelo menos eu já passei por experiência
parecida – para dar uma opinião esperando apenas uma confirmação positiva
acerca do assunto. Ou seja, o desejo de autoafirmação das pessoas é tão forte
que o diálogo crítico e autêntico acaba se banalizando ou mesmo ficando em
segundo plano. Muitas vezes, sufocamos o diálogo em virtude de uma acomodação
simples e passiva às opiniões alheias, quando, na verdade, segundo Paulo
Freire, o diálogo “é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz
crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se de amor, de humanidade, de esperança,
de fé, de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E quando os dois
pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no próximo, se
fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de 'empatia' entre
ambos”(FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, p.
39).
Conversar
sobre futebol, novelas, religião, política, família e etc implica em temas que
dividem a opinião da maior parte das pessoas. Muitas não têm argumentos
plausíveis que fundamentem seus pontos de vista e acabam forçando os seus
ouvintes a admitir, por bem da amizade, que estão certas. Mas é um equívoco e
uma ilusão acharmos que preservamos nossas amizades ao não contra-argumentarmos
a favor da verdade ou da riqueza de outros olhares. A minha visão é apenas uma
em meio a outras tantas! Abrir-se ao novo é uma experiência irrenunciável!
Somente uma
educação com base na ironia socrática ou na humildade pode nos levar a
descobrir o valor das discordâncias. Discordar eleva a discussão ao grau de
maturidade intelectual em que ambos estão suscetíveis a mudar de opinião.
Discordar, com isso, tira o ranço de autoridade que há no diálogo entre duas
pessoas que se dizem civilizadas. Discordar fortalece os argumentos que se
pretendem afirmar. Discordar nos permite ir além do óbvio. Discordar põe à
prova algumas verdades estabelecidas. Discordar quebra o gelo num grupo, numa
palestra chata ou numa reunião burocrática. Discordar é também saber aceitar as
discordâncias e contradições no seu discurso, até porque ninguém está
totalmente certo nem totalmente errado. Aliás, quando discordamos, aprendemos
que não somos suficientes, e sim necessários.
Aceitar,
superar ou vencer as discordâncias é a meta de todo educador, pois é impossível
continuar crescendo sem saber da sua incompletude, de que nunca se estará
pronto. Educa-se educando, numa troca infinita de ideias que não se acabarão. “A
educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres
inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com
ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados mas não históricos, os
homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos,
e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as
raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O caráter inacabado
dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma
atividade contínua'. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela
práxis”(FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979,
p. 42).
É essa
sensação de inacabamento que resulta das discordâncias. Daí, serem elas tão
importantes para a transformação dos valores e do modo como é visto o mundo, do
modo como se contam as histórias, do modo como se falam novas coisas.
Discordar, minha gente, não é ofender ninguém, mas falar de um outro modo o que
ninguém, talvez, tenha falado, permitir-se ao risco de pensar novamente o que
já foi pensado.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia,
Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela
UnB/Archai/Unesco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário