Prof. Marta Bergamaschi
Para iniciar esta prosa, gostaria de
buscar uma fala do professor Moacir Gadotti, pronunciada por ocasião
de um Congresso na UnB (1999), onde se debatia a Filosofia na sala de
aula, no Ensino Fundamental e Médio.
Ele
dizia que considerando a importância dada ao conhecimento em todos
os setores das sociedade, poderíamos dizer que a nossa era é a era
do conhecimento; vivemos na sociedade do conhecimento. Para comprovar
este fato, basta olharmos para o processo de informatização e da
globalização das telecomunicações a ele associados. Decorrentes
desse processo surgem algumas questões que merecem ser pensadas com
um maior grau de atenção.
A
primeira delas refere-se à grande parte da população excluída
dessa sociedade informatizada e conseqüentemente marginalizada em
relação à sociedade do conhecimento.
Outra questão marcante refere-se ao
fato de nossa cultura ser ainda conteúdista, restando poucas
oportunidades de renovação cultural. Temos pouco ou quase nenhum
tempo para construir, para renovar e descobrir.
Como
amenizar essa nossa condição, para que possamos participar mais
dessa dita sociedade do conhecimento?
Uma
das saídas que podemos sugerir encontra-se na efetivação de uma
educação para o pensar,
ao longo da escolaridade. Neste caso, no espaço escolar, a sala de
aula caminha para a formação de uma Comunidade de Aprendizagem
Investigativa, onde professor e alunos dialogam com respeito, criam
questionamentos a partir do ponto de vista do outro; buscam boas
razões para explicar modos de pensar; e ainda procuram identificar o
que cada participante da discussão pensa, e como pensa.
A
educação para o pensar vem rever o conceito de Filosofia na sala de
aula, com vistas a novo modo de ensinar, de aprender e de construir
conhecimentos com os jovens e as crianças. Parte-se do princípio
que a postura do professor deve estar mais centrada nas relações do
que nas informações.
Para
saber informações, necessita-se apenas acessar qualquer objeto que
seja capaz de grava-las, mas para construir idéias, necessita-se de
seres humanos criativos, capazes de construir relações
surpreendentes.
Como
nos lembra Mattew Lipman, criador do Programa de Filosofia para
Crianças, o ato educacional se manifesta no desenvolvimento da
inteligência humana e a essência da inteligência reside não na
faculdade de acumular informações, mas na capacidade de perceber o
que é essencial e de agir eficazmente sobre as coisas.
Cabe
então à escola abrir esse espaço de reflexão, apostando no
desenvolvimento autônomo do sujeito, contra o automatismo da
não-reflexão das estruturas tradicionais da educação.
Assumindo
esta postura, a escola estará propriciando a seus educandos,
oportunidades de desenvolverem-se, na medida em que os leva a tomar
consciência de suas potencialidades, o que ocorrerá especificamente
nas denominadas Comunidades de Aprendizagem
Investigativa.
Parafraseando
Lipman, em geral, temos pouca ou nenhuma consciência do número de
idéias sobre as quais nosso espírito trabalha incessantemente.
Nosso pensamento age espontaneamente, sem que nos demoremos para
analisar, para aprofundar ou precisar seu conteúdo. A comunidade de
aprendizagem investigativa, facilita a busca e a descoberta dessas
idéias lógicas e pessoais.
Marilyn
L. Sklar dá o seguinte depoimento.
“
Ensinar filosofia é exatamente como fazer jardinagem. Você toma as
sementes do pensamento e planta no espírito fértil das crianças.
Em seguida, você as enriquece com questões pertinentes e
provocadoras. Pouco depois, você vê germinar, à sua frente, um
indivíduo com um pensamento crítico que não apenas vai enriquecer
sua vida e a dele próprio, mas a vida de todos à sua volta.” (
1987, pg. 78)
Mas,
para que as crianças e os jovens, possam ser livres para expressar
suas idéias, devem sentir, no caso da escola, que o clima geral da
classe (pares e o facilitador) é pleno de confiança e de respeito.
Se o respeito transparece na relação professor- alunos, ele se
amplia para todos os participantes da comunidade de aprendizagem.
Quando esta condição é atendida, a criança ou o jovem se integram
com toda confiança no debate. E à medida que ela ou ele tomam
consciência do lugar que ocupam, esforçam-se para produzir idéias
criativas e diferentes. Isto porque percebem que suas idéias são
aceitas e que contribuem para a evolução da comunidade de
aprendizagem.
Esse
respeito exigido no grupo, amplia as possibilidades do educando,
superar a si mesmo e ainda acentua a motivação individual. Como
isto a discussão torna-se dinâmica, curiosa, aberta e
conseqüentemente e rica em novas idéias, chegando a limites e
proporções inacreditáveis.
A
educação para o pensar contribui significativamente para o
crescimento pessoal e interpessoal do educando. Ela ajuda a criança
ou o jovem a se tornar uma pessoa moral; a criar relações
autênticas com seus pares e consigo mesma. Eles aprendem a confiança
e o respeito. Eles aprendem a participar ativamente no fortalecimento
do bem comum e assim a elaborar relações sociais eficazes. Em
outras palavras, a educação para o pensar garante experiências
ricas em significados.
Conforme
Matthey Lipmam e Ann Margaret Sharp, a escola que considera a
educação como sua missão, se dedica a ajudar seus educandos a
encontrarem significados relevantes para suas vidas. Eles não
captarão esses significados simplesmente aprendendo os conteúdos do
conhecimento adulto. Eles precisam ser incentivados e desafiados a
pensar e em particular pensar por si mesmos. O pensar é a habilidade
por excelência que nos habilita a captar os significados.
É
comum ouvirmos no meio escolar, que as crianças e jovens com
problemas de leitura, provavelmente tenham dificuldades com o pensar.
Acredita-se ainda, que se melhorarmos o modo de ler dessas crianças
e jovens, certamente conseguiremos melhorar o modo como eles pensam.
A tese dos pesquisadores na área da filosofia para jovens e
crianças, e das teorias da aprendizagem, é de que a leitura e o
pensamento são interdependentes. Um ajuda o outro. Conseqüentemente,
ajudar as crianças e jovens a pensarem, pode muito bem ajudá-los a
ler.
Não
se trata aqui somente de ler as palavras e pronunciá-las, mas
aprender a captar o sentido das palavras, das orações no contexto
em que aparecem. Para descobrir o sentido do texto é preciso saber
como inferi-lo ou extraí-lo. A inferência consiste em raciocinar a
partir do que é dado literalmente para aquilo que é sugerido ou
está implícito.
Quanto
mais facilidade se tem para fazer inferências, mais significados é
possível se extrair daquilo que se lê, o que, tornará a leitura
cada vez mais satisfatória.
A
comunidade de aprendizagem investigativa possibilita e encoraja a
descoberta de sentidos e as inferências. O que é discutível é se
o pensar pode ser ensinado, mas não há dúvida de que pode ser
estimulado, encorajado.
Assim,
a educação para o pensar, tem um importância crucial para
estimular o pensamento e está pressuposto na psicologia cognitiva e
social.
Vygotsky,
em a “Formação Social da Mente”, apresenta tanto um suporte
filosófico como psicológico para a tese de que o pensamento é a
internalização do diálogo. Vygotsky reconhece clara e abertamente
a existência de uma diferença entre a capacidade que as crianças
têm para solucionar problemas individualmente e a capacidade para
resolverem tais problemas com a colaboração de seus professores e
colegas. Assim a oportunidade de dialogar e confrontar idéias levará
os estudantes a pensarem e a alcançarem um desempenho mais alto do
que eles poderiam alcançar individualmente.
Os
professores deveriam ter em mente as poderosas relações que existem
entre a leitura e a fala, por um lado e a escrita e a fala de outro.
Existe também uma relação estreita entre falar e escutar, pois se
não escutamos com atenção o sentido do que está sendo dito,
provavelmente entenderemos mal o que está sendo falado. A comunidade
de aprendizagem investigativa vem favorecer ainda mais estas
aprendizagens, saber ouvir, aprender a construir a partir da fala do
outro, aprender a captar o essencial da discussão na hora de
registrar e etc.
A educação para o pensar além de incentivar as
crianças e jovens a serem críticos, também os incentiva a pensarem
de modo criativo. Eles são também desafiados a fazer perguntas. Não
incentivar e alimentar a busca de nossos jovens por compreensão,
introduzindo-os no diálogo filosófico, por meio do qual podemos
nutrir sua curiosidade e esclarecer suas intuições, significa
obrigá-los a aceitar a aridez da visão especializada do
conhecimento como acontece na escola, hoje.
Infelizmente
a filosofia tem sido tratada tradicionalmente, como disciplina
reservada aos adultos. Existe uma crença de que as crianças e
jovens não estariam interessados por temas tão abstratos e não
seriam capazes de lidar com eles.
Pelo
que temos visto e vivenciado, os temas filosóficos não são
interessantes só para os adultos e nem precisam ser formulados de
maneira tão técnica, que as crianças e jovens não possam lidar
com eles. O que é maravilhoso na filosofia é que as pessoas de
qualquer idade podem refletir sobre os temas filosóficos e
discuti-los. As crianças ficam tão fascinadas quanto os adultos com
noções de amizade, justiça, preconceitos etc. E tanto as crianças
quanto os adultos podem reconhecer que ninguém ainda disse a última
palavra sobre esses temas.
Obviamente
o sucesso deste programa de Educação para o pensar na sala de aula,
depende basicamente da formação oferecida aos professores, não só
para que compreendam a dimensão filosófica das disciplinas que
lecionam, mas também para que aprendam a alimentar e aguçar
sistematicamente as investigações filosóficas realizadas com os
alunos.
É
importante lembrar que “pensar não é saber dar respostas”.
O
psicanalista e educador Rubens Alves tem feito severas críticas às
formas de se tratar o conhecimento numa visão tradicional,
principalmente quando se pensa nos cursos preparatórios para o
vestibular. Preocupa-se muito com as respostas, mas pouca importância
é dada ao aprender a perguntar.
Os
argumentos usados por Rubens Alves se apóiam no pensamento do
filósofo Kant. Na “Crítica da Razão Pura” Kant coloca que “o
conhecimento se inicia com perguntas que fazemos à natureza. Mas
essas perguntas surgem quando contemplando a natureza nos sentimos
provocados por seus assombros”. Conforme Rubens Alves, é este
assombro que a preparação para os vestibulares destrói.
Acredito
que a Educação para o pensar tendo como apóio a discussão
filosófica, poderá alimentar esses assombros, ajudando-nos a pensar
e a transformar o mundo.
Este
modo de pensar pode ser utópico, mas o educador precisa sonhar
porque “educamos em função de um futuro que achamos e julgamos
melhor”. O sonho faz parte da nossa competência técnica, política
e pedagógica, e essencialmente à nossa prática. (Moacir Gadotti –
IV Congresso de Educação dos Estabelecimentos Particulares de
Ensino do D.F.)
Acredito
que o programa de educação para o pensar deve ser conhecido não só
pelas pessoas que se preocupam com a pedagogia, mas também por todas
aquelas que se preocupam com a evolução da sociedade. O programa de
educação para o pensar não é apenas mais um programa escolar. É
um instrumento que possibilita o contato dos educando consigo mesmo,
com os outros e com o mundo, ajudando-o a ser mais autônomo mais
consciente e mais responsável.
Referências
Bibliográficas:
- A Filosofia na Sala de Aula – Ann Margaret Sharp – Nova Alexandria – S.Paulo;
- DABRI, Emanuelle S. Comunidade de Aprendizagem Investigativa. Florianópolis, SC: Sophos, 2003;
- DANIEL, Marie–France. A Filosofia e as Crianças. São Paulo: Nova Alexandria, 2000. Tradução de Luciano Vieira Machado;
- Inteligências Múltiplas – IV Congresso de Educação dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal;
- Revista Brasileira de Filosofia no Ensino Fundamental. Ano 09 – n.º 17 – Janeiro/Julho 2002.
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