quinta-feira, 8 de maio de 2014

Brasil de quem?

“Que ferida jamais sarou, a não ser gradualmente?” (William Shakespeare)

Temos uma crise política ou não? É uma questão que precisa ser posta e discutida. O que está em questão, em nosso momento histórico, é a crise de uma visão de poder endêmica, que nasceu colonialista no Brasil: o patrimonialismo. Esta visão de poder concebe que o Estado, administrado pela classe política, é como se fosse “um bem da família”, portanto disponível para ser livremente usufruído sem escrúpulos.
Desde a colonização, são inumeráveis os atos políticos, secretos ou não, que demonstrariam facilmente como o Estado Brasileiro foi usado para beneficiar “poderosas famílias”, com poderosos interesses, muito antes de servir ao conjunto dos cidadãos brasileiros. As oligarquias políticas vem perdendo espaços de poder, embora, de maneira esperta e regenerada, continuem chamando os holofotes da imprensa, apresentando-se como “salvadores da moralidade”.
Nossa democracia ainda tem fragilidades, mas está operando profundas mudanças na forma de compreendermos o poder no Brasil. Quando conquistamos liberdade de falar, denunciar e acompanhar as medidas e atitudes adotadas por nossos governantes, comprovamos que poucos resistem ao constrangimento moral quando comprovadas evidências de uso do poder para benefícios próprios e de sua família. Muitos já caíram na imoralidade, alguns estão caindo e muitos cairão, se prosseguirmos vigilantes e crentes de que a política é a arte de governar e gerir a vida pública e o bem comum.
Mas o mal acima apontado não pode ser de todo atribuído à cultura dos políticos. A cultura brasileira é permeada de atitudes e conceitos que enaltecem a vivacidade e a esperteza como valores tolerados no acesso aos serviços e bens públicos. Muitos brasileiros revelam-se como se “fossem outros”. A corrupção e a vantagem pessoal, na vida cotidiana, constitui o famoso “jeitinho brasileiro”, uma forma de não observar regras claras e universais a todos. Então se os outros podem fazer isto ou aquilo, porque não posso também fazer o mesmo? Tem-se ainda a concepção de que o que público não é de ninguém, quando o que é público é tudo aquilo que é de todos.
O exercício do poder é sempre uma questão de força. Esta força não significa, necessariamente, coerção ou violência, nem, tampouco, dominação ou constrangimento. O poder é legítimo quando exercido pelo uso de forças criativas que atuam e movimentam as relações humanas. O poder, exercido democraticamente, tem a força de imprimir regras claras, transparentes e de conhecimento de todos, para a igualdade de oportunidades.
Se o presidente do Senado cairá ou renunciará a seu cargo não irá mudar nada no Brasil se os brasileiros não mudarem sua concepção de poder. A oligarquia de Sarney, a exemplo de outras, está em franco declínio. E este declínio favorece aqueles que sempre entenderam que política deve estar a serviço da coletividade, em detrimento dos interesses pessoais e familiares. Estes, historicamente lutaram para tornar o Brasil dos brasileiros, e poderão ser, vez por todas, a maioria.


Nei Alberto Pies, professor.

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