quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A superação da relação entre AÇÃO POLÍTICA E PAIXÃO ERÓTICA (Parte 2): a alta política


Por José Luiz Ames e Ivo José Triches[1]

Inicialmente é importante destacar que a melhor compreensão deste texto dar-se-á se você ler o artigo anterior que publicamos com o seguinte título: ação política e paixão erótica: a política pequena.
Obs. Você encontrará esse texto neste espaço ou no blog: www.itecne.edu.br/ivo

1 – Retomando a essência do artigo anterior

As relações que ocorrem no âmbito da política pequena são semelhantes às que ocorrem com aquele ator social que age a partir da paixão erótica. Deixa-se dominar pelos seus instintos vegetativos. Deseja o poder com a mesma intensidade que deseja obter o prazer a qualquer custo como bem demonstramos no texto anterior.

Regra de ouro: o egoísmo é o axioma determinante da política pequena ao passo que o altruísmo é axioma da alta política.

2 – Algumas razões que possibilitam a superação da política pequena

A superação da estreita relação que há entre ação política e a paixão erótica ocorre quando um político age a partir da alta política.
O que é a alta política? A resposta desta questão já está implícita na regra de ouro acima. Um político que age a partir dessa perspectiva age pensando antes de tudo no bem da coletividade. Quando dizemos que um político é estadista, estamos nos referindo a alguém que pensa, antes de mais nada, no bem da sociedade.
Uma das coisas mais difíceis para um gestor público é conciliar o interesse coletivo com o interesse individual. Aquele que pretende agir a partir da perspectiva da alta política, na dúvida precisa tomar partido em favor da coletividade.

Regra de diamante: na alta política a construção do novo ocorre sem negar tudo o que os outros fizeram ou fazem.

Você que nos lê pode observar ao seu redor. O quê? É muito comum, quando chegam os pleitos eleitorais, a oposição procurar negar tudo o que já foi feito por parte daquele que está governando.
Dá a impressão de que a situação é do eixo do mal e que aqueles que querem assumir o poder são perfeitos. Ledo engano. Cometerão erros e acertos como os que já estão governando. Isso porque a imperfeição é condição humana. Muitos só sabem jogar pedras. Quando se tornam vitrine, cometerão erros ainda maiores. Notoriamente que nossa intenção aqui não é generalizar.

Regra de ouro: o criador nos fez diferentes para que juntos pudéssemos chegar mais próximos da perfeição.

Nós, de fato, podemos fazer algo ainda melhor do que já foi feito, mas para isso se desejarmos agir a partir da perspectiva da alta política necessitaremos ter a ética perto de nós. Esse é assunto a seguir.

3 – A ética como elemento constitutivo da alta política.

Refletir sobre o tema das relações entre ética e política não apenas é desafiador teoricamente, como urgente para a prática política no contexto atual. Um bom começo talvez possa ser perguntar-nos sobre aquilo que transforma uma ação qualquer em ação política. Podemos chamar de ação política a que cria o social. Quer dizer, é política a ação que assume como seu o ponto de vista da criação; que pretende moldar ou criar o universo que afeta não sua vida subjetiva, mas o da coletividade.
Há política quando nos fazemos sujeitos de uma realidade; isto é, quando não a tomamos por dada, ou por independente da ação humana, mas a concebemos como resultando dessa ação – e, melhor ainda, nos propomos a agir, moldando o mundo. Quando se define a ação como política, não tem mais sentido falar do lugar do governante ou de quem o contesta a fim de lhe ocupar a posição. O que importa é, muito antes, uma atitude criativa de quem se torna sujeito de sua vida, e não mais o lugar: a postura, e não a posição, eis o que conta.
Como exercer a ação política com ética? A primeira e fundamental maneira é através do exercício das funções públicas em conformidade com a lei. E quando uma lei é justa? Quando ela é boa para todos. Essa resposta nos foi dada por Condorcet, por ocasião dos acontecimentos da Revolução Francesa (1743 - 1794).
A lei é a medida externa, visível, pela qual os atos são medidos. Agir de modo ético na vida pública é cumprir a lei. No entanto, a eficácia da lei fica comprometida por alguns fatores, dentre os quais destacamos três. Primeiro: a mentalidade de que o importante não é cumprir a lei, e sim evitar ser flagrado na infração. Por exemplo, enriquecer por meio do tráfico de influência, sonegar impostos, arrecadar verbas através da coação e expectativa de ganhos (ilegais) futuros: vê-se problema nisso apenas na possibilidade de ser descoberto e não na prática enquanto tal. Segundo: a certeza da impunidade, seja pelo uso de artifícios jurídicos, seja por acordos de quadrilha, como se desenha costumeiramente nos casos de corrupção. Terceiro: manobras e pressões em benefício próprio. Vê-se que quem partilha dos privilégios do poder pode fazer pressão para desviar a atenção de um problema, retardar ou até anular uma ação investigativa que vise apurar os fatos de maneira incontrovertível.
Onde estão as principais falhas (responsabilidades) dos governantes? Apenas de forma indicativa, vamos referir duas que parecem fundamentais.
Primeira: na convicção de que existiriam quadros partidários moldados por princípios éticos tão profundos que os “blindariam” contra toda possibilidade de corrupção. Alguns partidos cultivam a imagem de “partido da ética na política”. Em geral, a imprudência de pensar que existem quadros político-partidários imunes às tentações do dinheiro fácil está na origem da corrupção.

Regra de ouro: quanto mais imune alguém se considera tanto mais exposto ao risco ele se torna.

Segunda: na deliberada manutenção das estruturas de corrupção construídas ao longo do tempo em nosso país. Quais estruturas? Destacamos quatro que nos parecem mais perniciosas.
Primeira: a estrutura de cargos de livre provimento do poder executivo. Em todas as esferas da administração pública, os governantes estão autorizados a preencher um número considerável de cargos obedecendo unicamente critérios de conveniência política.
É ali que, em geral, são acomodados os candidatos derrotados nas eleições, os militantes mais dedicados, os parentes mais próximos, etc., numa verdadeira partidarização das agências do Estado. Tudo funciona como moeda de troca para, na melhor das hipóteses, angariar apoios a fim de alcançar maioria na esfera legislativa. Em muitos casos, porém, é o caminho pelo qual se instalam as estruturas de fraude e corrupção.
A solução desse tipo de problema não requer, necessariamente, uma “privatização” das instituições públicas desses subsistemas — que podem envolver saúde, transportes, educação, canais de televisão pública, etc. —, mas pode passar pelo estabelecimento de um sistema gerencial de gestão, bem como por um controle público desses setores por parte dos órgãos de fiscalização.
Requer, porém, uma redução drástica no número de tais cargos para algo em torno de 5% em relação ao existente. A estrutura de cargos do Estado deve ser deixada aos cuidados de funcionários de carreira escolhidos por mérito, ou seja, teríamos a meritocracia como norte da gestão pública.
Segunda: as emendas individuais ao Orçamento. O expediente é utilizado sob o pretexto de atender as necessidades das comunidades às quais o parlamentar está vinculado. Na prática, porém, é um instrumento que alimenta o clientelismo político. Por um lado, o parlamentar utiliza os recursos públicos para obter vantagens pessoais, ainda que, no melhor dos casos, isso signifique apenas o voto dos eleitores.
 Por outro lado, o governante se serve do expediente como moeda de troca, na base da máxima “é dando que se recebe”: troca apoios no parlamento por liberação de recursos para as emendas dos parlamentares. Extinguindo-se esse expediente, impede-se a ação corruptora dos governantes e o clientelismo dos parlamentares. O Orçamento deve ser do município, do estado ou da união, e não deste ou daquele parlamentar. Agir em conformidade com essa ideia é agir  a partir da alta política.
Terceira: a estrutura partidária. Os representantes são eleitos dentro de partidos e a partir de um programa de ação. Podem, porém, trocar livremente de legenda e ignorar o programa de ação proposto sem que lhes acarrete qualquer punição. Essa sistemática tem servido para práticas descaradas de corrupção: o poder executivo algumas vezes compra (por vezes literalmente!) a maioria parlamentar na dimensão que lhe convém. Os recursos do tesouro financiam as trocas de partido e os votos aos projetos do executivo.
Para estancar esta fonte de corrupção, impõe-se uma reforma que obrigue a fidelidade partidária que puna com perda do mandato a troca; que institua o financiamento público das campanhas proibindo qualquer doação privada de pessoas e empresas; e que crie uma cláusula de barreira pela qual só podem ter representação legislativa partidos com determinado porcentual de votos.
Quarta: os órgãos de fiscalização. Os Tribunais de Contas, encarregados de acompanhar e fiscalizar as contas da Administração Pública tornam-se, muitas vezes, suspeitos devido à forma como são designados seus membros e é mantida sua estrutura. Escolhidos pelo chefe do poder executivo, sua manutenção depende diretamente da ação do governante. Poderíamos acrescentar a isso as Comissões Parlamentares de Inquérito. Levantamento publicado pela revista Veja (ano 45, n.19 p.70) mostra que os deputados criaram 29 CPIs no período compreendido do segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula com um total de 969 indiciados. No entanto, nada aconteceu a nenhum deles, reforçando a sensação de impunidade de que falamos acima.
A ética dos princípios (a que orienta nossas ações cotidianas) nos acostumou à ideia de ver o mal unicamente nas ações individuais. Ainda que, a princípio, seja verdade que é sempre um sujeito que age (e não uma instituição ou estrutura social), este modo de pensar nos faz acreditar em soluções falsas.
 Sempre que surgem denúncias de corrupção nos quadros políticos institucionais, a solução que todos esperam é de que esta pessoa, quando ocupa algum cargo público, deve ser substituída por outra e punida na sua falha. Ainda que isso seja necessário, é um equívoco pensar que resolve o problema.
Onde está o equívoco dessa solução? Em não perceber que a corruptibilidade humana não oferece segurança alguma de vitória sobre o mal com a simples substituição das pessoas. Falta articular a punição dos culpados à mudança nas estruturas facilitadoras da corrupção, como aquelas que apontamos acima.
Isso, evidentemente, não equivale a dizer que a correção ética individual é indiferente. Pelo contrário, a formação ética sólida é imprescindível. O que ressaltamos é que unicamente a consciência ética individual não garante uma vida pública assegurada contra a corrupção.

Regra de diamante: O que protege a vida pública são as instituições e os mecanismos de controle das ações dos indivíduos.

Portanto, é preciso que existam regras claras e objetivas que impeçam os indivíduos a agir segundo seu arbítrio subjetivo, ou segundo aquilo que lhes aconselha seu convencimento ético interior, tão somente. A integridade das instituições públicas não é assegurada pela presença de pessoas eticamente íntegras e sim por mecanismos que as protejam do assalto dos indivíduos.
Evidentemente que existem outras razões que possibilitam a superação da relação entre ação política e paixão erótica, mas essas você poderá acrescentar a partir de sua reflexão.
Nossa reta intenção é escrevermos para que tais escritos façam bem a quem os ler. Esperamos que tenha sido esse o caso.


[1] José Luiz Ames é doutor em Filosofia, professor da Unioeste. E-mail: profuni2000@yahoo.com.br
Ivo José Triches é diretor das Faculdades Itecne de Cascavel e Professor Titular do Centro de Filosofia Clínica de Cascavel. E-mail: ivo@itecne.com.br  blog: www.itecne.edu.br/ivo


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