Adeus ao pão e o
circo
Armando Correa de
Siqueira Neto*
O império romano,
famoso por sua história singular, também mereceu destaque pela astúcia
demonstrada no controle da população, utilizando-se da política do pão e circo
(panis et circenses) para desviar a atenção popular das questões sociais de suma
importância. Considerável número de dias era reservado aos espetáculos de
corridas e lutas, além do pão que era distribuído. Assim, a cabeça ficava à
mercê da distração ao invés de manter-se ocupada com a reflexão, sobretudo a
política. O modelo de entorpecimento da massa resistiu ao tempo - diferentemente
de tantas obras filosóficas que se perderam no pó do esquecimento – e chegou às
culturas contemporâneas. A propósito, o Brasil mostrou-se bastante afeito ao
jeitinho “inebriar para sossegar”, valendo-se especialmente do carnaval e do
futebol.
Foi assim que muita
falcatrua política caiu no esquecimento dos eleitores. Lembra-se? Vale a pena
ver de novo: “Escândalo dos Correios” (2005); “Mensalão” (2005/2006); “Dólar na
cueca” (2005); “Operação Dominó” (2006); “Caso Renan Calheiros” (2007);
“Escândalo dos cartões corporativos” (2008) e “Operação Satiagraha” (2008/2009).
Há inúmeros outros casos (poder-se-ia citar até o rombo do Banco do Brasil em
1821, quando D. João VI retornou a Portugal com algum no bolso), mas a idéia
aqui foi a de mostrar que eventos considerados recentes escapam à consciência
com extrema facilidade, e que apenas o pão e o circo conseguem turvar a
claridade que sempre penetrou através de frestas e quase nunca por meio da
janela totalmente aberta. Fotofobia moral?
Mas como tudo tem
começo, meio e fim, assim também sucedeu ao tal jeitinho entorpecedor
brasileiro. O seu encerramento, no entanto, não se deveu à melhora evolutiva na
política. Não. Houve piora. Logo, é devido dizer adeus ao pão e o circo, que
foram engolidos, sem qualquer esboço de reação, por uma nova e ainda mais eficaz
maneira de atordoar os adeptos da autoilusão política. Trata-se da substituição
de um escândalo por outro de modo contínuo e incessante. Ou seja, não há
intervalo suficiente nem para piscar os olhos. Em suma, o show tem que
continuar. E continua. As falcatruas vicejam. São safras abundantes. Mal dá para
acompanhar as colheitas. Então, a zonzeira finca a estaca e permanece nos campos
mentais sem dar o menor sinal de despedida. Porquanto emerge uma questão crucial
para completar o cenário aqui descrito: Quem faz o papel de espantalho, cuja
serventia há tempos inexiste tanto para os corvos quanto os maliciosos
urubus?
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