Armando Correa de Siqueira Neto*
Tomar
água para acabar com a sede é um comportamento desencadeado por uma motivação
clara. Outros comportamentos, contudo, não possuem tal transparência para
explicar o que os motivou. Agressão descontrolada advinda do conflito originado
entre o ser primitivo que ainda somos e o controle social, por exemplo,
demonstra a existência da inconsciência na psicologia humana.
Logo, em
razão do controle civilizatório que a sociedade impõe aos seus, carrega-se no
ensino das regras que regulam o convívio. (É oportuno lembrar que muitos buscam
o apreço social e, portanto, se submetem melhor aos limites sociais por causa
dessa dependência.) Na infância, a fiscalização é feita de fora para dentro
através do ensino, reprimendas e castigos e, com o tempo, tal fiscalização
tende a se introjetar e alcançar, de dentro para fora, o autocontrole. Mais: o
biólogo evolucionista Marc Hauser, da Universidade de Harvard, publicou
recentemente a pesquisa na qual afirma que o cérebro possui um mecanismo
geneticamente determinado para adquirir regras morais. Não obstante, a
demasiada carga do que se aprendeu sobre as regras de convivência pode promover
um conflito bastante peculiar entre essa aprendizagem e um dado comportamento
contraditório.
A
desestabilização que se segue requer um ajuste correspondente. Assim, conforme
o grau do conflito, introduz-se o reparo estabilizador em busca da superação e
do decorrente avanço. A luta pela perfeição, argumenta o psicanalista Alfred
Adler, “é inata no sentido de que faz parte da vida; uma luta, um impulso, um
algo sem o qual a vida seria inimaginável.” Entretanto, só é possível dar cabo
do ajuste pretendido aplicando-se uma ação concreta de igual teor e contrária
ao motivo que desencadeou o conflito, na tentativa de neutralizar (ou
minimizar) os efeitos da fonte provocadora, extraindo-se lucrativamente mais
aprendizagem e aperfeiçoamento.
A ação
concreta contrária e de teor semelhante diz respeito à autopunição ou
autorrecompensação psíquica. O seu objetivo é ajustar o que se desajustou. É um
processo sensível e sinaliza inteligência adaptativa, impedindo, pois, que ele
seja rotulado de movimento meramente mecânico, embora haja uma correspondência
quase matemática quanto à compensação do débito ou do crédito, quantitativa e
qualitativamente mediante o que se descompensou. A ação autopunitiva ou
autorrecompensadora se manifesta através dos comportamentos - motivados
inconscientemente – de reparação, ainda que não se enxergue como tal.
Encaminhamos-nos a tais condições para atender à determinação psicológica
(quiçá genética) que incomoda e gera gasto de energia na sua manutenção
enquanto houver qualquer tipo de pendência. Nos “atiramos” a várias situações
“impensadas” e nos chocamos com os “esquisitos” resultados. Sentimos-nos
injustiçados se perdemos algo, ou dotados de sorte se ganhamos algo com o qual
não contávamos. É estranho, e nos faz perguntar intimamente: o que eu fiz para
merecer isto? Mas, curiosamente, tal questão parece ter sido respondida há
séculos por alguns pensadores. Há dois mil e setecentos anos Hesíodo escreveu:
“nasce o castigo no momento mesmo em que nasce o pecado”. Epicuro declarou que
“o primeiro castigo do culpado está em não poder absolver-se a seus próprios olhos”.
Michel de Montaigne afirmou que “o mal recai em quem o faz”. E ainda, na
exposição de Epcteto: “A maioria das pessoas não se dá conta de que tanto o
auxílio como o prejuízo pessoais vêm de dentro de nós mesmos”. Autopunição e
autorrecompensação?
Cumpre-se
lembrar que o processamento autorreparador encontra-se no grau de
desenvolvimento pertinente ao nível de consciência do seu autor, permitindo
assim justificar a sua inevitável e visível insuficiência (baixo nível de
aprendizagem para fazer oposição conflitante ao comportamento contraditório;
lentidão no processamento e consequente dificuldade de se fazer conexão causal
e autoengano). E note-se com a merecida ressalva, o fato de os estudos acerca
da inteligência emocional já terem revelado que a deficiente formação da
empatia na pessoa (maus tratos na infância) pode levá-la à incompreensão e à
típica dificuldade de se colocar sensivelmente no lugar do outro, resultando em
descaso e frieza afetiva. Vale a pena pensar no assunto com prudência.
*Armando
Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), diretor da Self Consultoria
em Gestão de Pessoas, palestrante, professor e mestre em Liderança pela Unisa
Business School. Coautor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da
Liderança e Educação 2006. E-mail: selfcursos@uol.com.br
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