Por Ivo José Triches[1]
Refletir sobre esse assunto é
para mim um dos mais apaixonantes. Espero que ao terminar de lê-lo você possa
dizer que valeu a pena ter parado suas atividades para dedicar-se a essa
leitura.
Claramente há uma
intencionalidade principal neste escrito. Qual? Contribuir para melhorar o
endereço existencial daqueles que necessitam dessa reflexão. Será que
conseguirei atingir tal intento? Veritas filia temporis (a verdade é filha do tempo). Boa leitura!
1.
A base teórica deste artigo
Só eu sei o quanto eu não sei, mas do pouco que
aprendi até hoje, não conheci nada tão significativo quanto a teoria de
Espinosa (1632-1677) quando o assunto é a questão das paixões.
Se você já leu outros artigos meus, deve ter
percebido que Espinosa já foi citado várias vezes. Ocorre que de fato esse pensador
passou a influenciar muito a minha forma de pensar desde o dia que comecei a aprender
aspectos do seu pensamento. Estou lendo suas obras. Li vários comentadores, principalmente
a Marilena Chauí e Cláudio Ulpiano.
Na graduação em Filosofia praticamente não me
lembro de ter visto algo sobre ele. Contudo, quando fui professor da Rede Estadual
de Educação do Paraná tive o privilégio de ter conhecido um professor que
marcou a minha vida. Foram dois encontros apenas. Foi Cláudio Ulpiano (UFF). Já
falecido justamente por uma paixão da tristeza que o acompanhou por muitos anos,
qual seja, o cigarro.
Evidentemente que abordarei aqui a questão da
paixão amorosa. Entretanto, antes de chegar a ela torna-se necessário lhe
apresentar alguns conceitos que são fundamentais na teoria espinosiana para que
você de fato entenda essa temática, bem como possam orientar suas ações, se
assim lhe convier. São eles:
- Conatus:
força intrínseca a todos os seres que nos chamam para a vida. Em outras
palavras: é a luta pela existência. Ninguém deseja conscientemente morrer. Por
que nós somos mais assustados que os jacarés? Porque nossa visão é mais
limitada. Temos o controle de no máximo 180º. Ao passo que o jacaré tem os
olhos em cima da cabeça. Enxerga mais. Ele só reage se o seu conatus estiver ameaçado.
Outro exemplo: quando eu era pequeno, lembro-me que
havia um homem muito mau lá na Linha Famoso, município de Descanso, Estado de
Santa Catarina. Foi lá que passei os primeiros anos de minha infância, razão
pela qual amo tanto o sítio. Esse homem
matava os outros com facilidade. Vivia envolvido em confusão. Quando ele ia à
bodega tomar uma pinga, nunca ficava de costas para entrada do bar. Por quê?
Porque tinha medo de ser ceifado. Ele matava o conatus dos outros e por isso
temia que o seu fosse abatido.
Por isso que a expressão: “encostar a cabeça no
travesseiro e dormir em paz” faz todo o sentido. Portanto, para Espinosa a
regra é clara, ou seja, se nas minhas ações eu buscar fortalecer o meu conatus
e também o conatus daqueles que me rodeiam, certamente minha capacidade de
existir aumentará. No entanto a recíproca é verdadeira.
A partir desse pressuposto ele vai produzir o seu
conceito de Ética que não é o foco aqui. Em outro momento escreverei sobre esse
tema.
Hoje em dia fazemos o uso do conceito depressão com
facilidade. Isso quando queremos nos referir a alguém que está triste, que não
vê perspectiva em face do futuro, etc. Pois bem! Para Espinosa, essa pessoa
está com o seu conatus enfraquecido. E por quê? Certamente porque está envolta em
muitas paixões da tristeza. As
pessoas – não todas - com as quais ela convive, podem estar com muitas paixões
da tristeza também. É possível que estejam puxando essa pessoa para baixo, com
“cabos de aço”, como bem sinaliza Lúcio Packter sistematizador da Filosofia
Clínica. Desse modo é necessário entendermos o que são paixões e como elas se
classificam, segundo Espinosa.
- O que são
as paixões para Espinosa? São as vibrações, afecções que o nosso conatus
sente. Elas são exteriores ao sujeito. A etimologia deste conceito é grega. Pathos
= sofrer, deixar-se levar por... Daí deriva em nossa língua portuguesa
a palavra patologia. De forma breve: a ciência que estuda as doenças. Associado
a isso é relevante destacar que Platão considerava a paixão amorosa uma
enfermidade do coração. Da mesma forma que nosso corpo sofre quando estamos com
gripe, nosso coração padece quando estamos apaixonados. Uma visão negativa do
conceito, evidentemente. Já para Espinosa esse conceito passa a ter uma
conotação diferente.
Há sim uma ligação da etimologia dessa palavra com
o significado atribuído por Espinosa, mas é apenas parcial. Isso porque para
ele as paixões se classificam em dois grupos. As da tristeza e as da alegria.
O que são as paixões da
Tristeza? São
afecções, vibrações que o nosso conatus sente. Isso já foi dito acima você
talvez esteja pensando. Uma vez existindo esse tipo de paixão em nós, nosso
conatus ficará enfraquecido. Ele também definiu
como paixões fracas. E por quê? Porque ao permitirmos que elas existam em nós,
nossa capacidade de existir ficará diminuída.
Para mim isso está claro. Um ator social que se
deixa levar pelas forças que vem de fora, que vive a partir das paixões da
tristeza, vive menos até cronologicamente.
Como o texto ficaria excessivamente longo, não
abordarei cada paixão como tenho o hábito de fazer em minhas aulas. Citarei
apenas as principais. São exemplos de paixões da tristeza: o vício, a inveja, o ciúme, a mágoa, o ódio, etc.
Ao fazermos uma ligação com os seus três conceitos
de conhecimento, poderemos afirmar, com segurança, que uma pessoa tomada por
paixões da tristeza está apenas no primeiro. No nível da consciência (o segundo
é o da razão e o terceiro o da ciência intuitiva). Ele compreende que sofre,
mas escolhe não romper com essa lógica. Isso porque pensa no hedonismo que suas
paixões lhe proporcionam. Não se dá conta que tem um caminho fácil no começo e
espinhoso depois.
Para ilustrar isso vou exemplificar com a situação
de muitos estudantes hoje. Há pessoas que fazem curso à distância do conhecimento. Preferem aqueles que são rápidos. Cujo
diploma possa ser obtido sem grande esforço. Alguns desses cursos são ofertados
na modalidade presencial, mas não há comprometimento por parte do estudante e,
muitas vezes, das instituições também.
Assim o caminho que foi mais fácil no começo, tornar-se-á
o mais difícil depois. Ele passou pelo curso, mas o curso não passou por ele.
Não ocorreu a transcendência. Na hora que for chamado à responsabilidade terá
grande dificuldade. Eu já presenciei isso com vários professores e professoras
ao longo desses anos como Educador.
Isso implica em dizer que uma pessoa assim, deixa-se
levar pelas forças que vem de fora. É um corpo marcado por outros corpos, como
bem salientou Cláudio Ulpiano. Outro exemplo: o fiel que age conforme as
orientações do seu líder religioso. Passemos agora a conhecer outra
possibilidade de ser.
O que são as paixões da
alegria? São as
afecções ou vibrações que nosso conatus está afeto. Se em ti coabitarem mais
paixões da alegria, você viverá mais até cronologicamente. Terá menos dores
existenciais. Espinosa dizia que o homem forte é aquele que vive a partir das
paixões da alegria. Seria o homem ético para ele. O homem da moral é aquele que
vive a partir das paixões da tristeza.
Eu defino a felicidade como um estado de
contentamento da alma. Ela é possível? Sim.
No entanto dependerá das escolhas que fizermos. Não dá para desejar a
felicidade permitindo que as paixões da tristeza tomem conta da minha
existência. São exemplos de paixões da alegria: a virtude, a admiração, a amizade, a misericórdia, a bondade, o perdão,
etc.
O que é a Liberdade para Espinosa? Consiste na capacidade que um ser tem de
agir sem restrições. Partindo desse pressuposto podemos dizer que Deus é livre.
E o homem? Pois então! Para ele o homem só consegue conquistar a sua liberdade
se chegar ao terceiro conceito de conhecimento, qual seja, o da consciência
intuitiva.
Liberdade e pensamento são dois conceitos
importantíssimos na teoria espinosiana. O homem, por ser dotado de razão, é
capaz de chegar ao conhecimento das coisas. A partir daí, se assim desejar,
poderá ser o fundamento do seu próprio fundamento moral. Poderá inventar-se. Ele
tem seu poder ampliado, e começa mudar o que vem de fora. Sendo, portanto,
portador de liberdade.
A partir dos conceitos apresentados acima,
chegamos, finalmente, próximo da compreensão de como poderemos superar uma
grande paixão. Vamos adiante?
2. A superação de uma grande paixão segundo Espinosa
De pronto enfatizo que eu também partilho dessa
resposta apresentada por ele. Por isso no título não destaquei Espinosa.
Na sua obra chamada ÉTICA, mais precisamente na Quarta Parte na VII proposição ele afirma: “Uma paixão
não pode ser reprimida nem suprimida senão por outra paixão contrária e mais
forte do que a paixão a suprimir”.
Ao partir dessa afirmação vou – de forma breve –
lhe apresentar como as paixões amorosas
eram vistas no séc. XVII. Na verdade, até hoje o sexo é visto, por muitos, como
coisa suja, causa dos nossos pecados, etc.
Na época de Espinosa isso não era diferente. Quando
alguém sofria os efeitos da paixão deveria sufoca-lá através da ascese, ou
seja, do exercicio espiritual. Ao se autoflagelar[2], tomar
banho frio, não tocar no corpo, acreditava-se que o homem chegaria mais próximo
de Deus. O discurso era (e é, para muitos): o “importante é salvar a minha alma”.
Para isso o corpo necessita padecer. Uma visão maniqueísta que Espinosa refuta
com veemência. Ele nos diz que o fato de existir em mim o desejo por alguém,
isso não se constitui em um mal nem em um bem. Dependerá de como eu agirei em
face dessa paixão.
Se uma paixão ao realizar-se aumentar em mim a
capacidade de existir isso se constituirá em um bem. Porém, se os resultados
decorrentes da busca pela realização da referida paixão enfraquecerem o meu
conatus, evidentemente, que a mesma será um mal. Nas palavras de Espinosa: “Uma
paixão, na medida em que se refere à alma, é uma ideia pela qual a alma afirma
uma força de existir de seu corpo, maior ou menor que antes. Portanto, quando a
alma é dominada por alguma paixão, o corpo, ao mesmo tempo, é afetado por uma
afecção que cresce, ou aumenta, ou diminui a sua potência de agir. Demais essa
afecção do corpo recebe de sua causa a força de preservar no seu ser; ela não
pode, pois, ser reprimida, nem suprimida, senão por uma causa corporal que
afete o corpo contrariamente a ela, mais forte, e então, a alma será afetada
pela ideia de uma paixão mais forte e contrária à primeira, isto é, a alma
experimentará uma paixão mais forte, e contrária à primeira, que excluirá ou
suprimirá a existência da primeira, e por isso, uma paixão não pode ser
suprimida nem reprimida, a não ser que o seja por uma paixão contrária e mais
forte”. Ele escreve isso ainda dentro da
proposição VII.
Imaginemos agora que uma pessoa se apaixone
perdidamente por outra, mas não há a mínima possibilidade que tal paixão seja
correspondida. Há basicamente duas possibilidades:
A primeira é que ela fique sofrendo e insistindo na
tentativa de obter êxito. Se ela não conseguir tal intento as dores existenciais
serão enormes. Ela sofrerá e fará o outro sofrer à medida que ficará
perturbando a alma dessa pessoa. Isso poderá lhe causar danos irreparáveis
tanto a ela que está afeta a essa paixão e depois nos outros envolvidos no
processo;
A segunda possibilidade é que ela decida deixar que
a pessoa amada siga seu caminho. Ao fazer isso, poderá canalizar todas as suas
forças em outra atividade que seja socialmente aceita. A partir disso
lentamente o tempo se encarregará de apagar as dores da paixão não
correspondida. Ela perceberá que sua potência de agir será aumentada. Seu conatus
voltará a estar fortalecido e novos dias virão.
Creio que tenha sido dessa afirmação acima de
Espinosa que Freud construiu o seu conceito de sublimação. A Marilena Chauí
afirmou no livro Espinosa, uma Filosofia
da Liberdade que Marx e Freud produziram parte de suas ideias à luz do
pensamento de Espinosa.
3. Considerações finais
O lado bom de conhecermos a temática das paixões
sob a perspectiva espinosiana é que as mesmas são tratadas sem o aspecto
moralizante da grande maioria das religiões. Ao tentarmos compreender esse
fenômeno sob o olhar circunscrito à razão, ficamos livres da culpa e da especulação que tanto mal fazem à alma humana.
Partilho daqueles que veem em Espinosa um pensador “embriagado
de Deus”. Se partirmos do pressuposto de que Deus é vida e de que as paixões da
alegria apresentadas por Espinosa são fontes da nossa longevidade, podemos
inferir que há uma aproximação entre o que ele escreveu e o verdadeiro espírito
de Jesus Cristo. Afinal uma das partes mais lindas do evangelho é a afirmação: “Eu
vim para que todos tenham vida...”.
Evidentemente que conseguirmos substituir o vício
pela virtude; a inveja pela admiração; o ciúme pela bondade e ou tolerância; a
mágoa pelo perdão; a arrogância pela humildade, não é uma tarefa tão simples.
Contudo isso é possível. No último parágrafo de sua
obra ÉTICA, Espinosa faz uma analogia
com a joia. Diz-nos que da mesma forma que não é tão simples encontrarmos uma
joia, mas ao encontra-lá não desejamos perdê-la, também não é fácil
conseguirmos substituir as paixões da tristeza pelas da alegria. Entretanto à
medida que conseguimos tal feito, não desejamos que esse novo momento acabe,
porque o bem que elas nos proporcionam é incomensurável.
Espero que esse
escrito tenha contribuído com sua formação e que suas escolhas sejam sempre as
melhores.
[1]Ivo José
Triches é escritor, palestrante e
Diretor das Faculdades Itecne de Cascavel. Autor do blog www.itecne.edu.br/ivo também é
formado em Filosofia. Fez três Especializações e fez o Mestrado.
[2] Sugiro
que assista ao filme O Nome da Rosa.
É um retrato da Baixa Idade Média e que perdura até nossos dias. No movimento
Opus Dei e em muitas congregações religiosas, isso é uma realidade até
hoje. Ainda: para os carismáticos na
Igreja católica e para muitas religiões evangélicas, o sexo é visto até hoje
como algo negativo, pecaminoso, etc.
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