“Os
diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados,
engordados, magros demais, cegos, inteligentes em excesso, bons
demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos,
joelhudos, de pé grande, de roupas erradas, cheio de espinhas, de
mumunha, de malícia ou de baba. Aí estão, doendo e doendo, mas
procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais”.(Artur
da Távola)
Escrever
e pensar a partir dos pobres não gera status social, nem dividendos
econômicos. Lutar com eles e por eles gera reações raivosas e
incomoda aqueles que desejam manter privilégios. Aqueles que lutam
com e pelos pobres sabem que estes precisam ser defendidos não
porque sejam bons ou maus, mas porque são vítimas de um sistema
econômico e político de exclusão, que não gera oportunidades em
igualdade de condições para todos. Para quem ainda duvida disto,
eis o que foi anunciado pela ONU: “90 milhões de pessoas devem
cair em condição de pobreza extrema até o fim deste ano no mundo
por causa da crise econômica mundial”.
Difícil crer que as
pessoas pobres e excluídas não sejam vítimas; autores é que não
os são; não escolheram viver na indignidade. Vítimas necessitam de
defesa, ajuda e amparo, para que se lhes resgate a condição de
dignidade. Dignidade confunde-se com liberdade, na busca que cada ser
humano faz para constituir-se gente. Como disse Cecília Meirelles,
“liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta e não há
ninguém que não a busque e ninguém que não a entenda”.
Muitos perderam a noção
de pertença à humanidade e não cultivam mais valores solidários.
São moldados pela ideologia dominante que sugere que “a cada um é
concedido conforme o seu empenho, o seu esforço, o seu talento”.
Logo, a conclusão de que pobres são pobres porque assim o desejam.
Ou que a condição de pobreza é resultado da falta de esforços e
de vontade de cada um e cada uma. Outros desejam “enquadrar” os
excluídos a partir de dados e estudos estatísticos, supondo que
todos respondem do mesmo modo, mesmo nas diferentes adversidades e
peculiaridades de vida de cada um.
A inclusão dos pobres
na sociedade não é nada natural. Inclusão pressupõe
reconhecimento recíproco da nossa condição de seres humanos, com
necessidades básicas para viver bem. Exige também reconhecer-nos
todos capazes de fazer nossas escolhas e desenvolver nossas
habilidades e potencialidades. Supõe também dividir a riqueza e a
renda, que resulta do trabalho e da tecnologia produzidos por todos.
Significa construir oportunidades em igualdade de condições para
todos, indistintamente.
Somamo-nos à Cláudio
Brito, quando escreve interinamente na coluna de Paulo Santana do
Zero Hora, dia 10 de julho: “precisamos encontrar formas de
organizar a cidadania e a solidariedade dos muitos que ainda se
compadecem com o sofrimento alheio dos excluídos. Quem doa esmolas
ainda acredita que vidas podem ser recuperadas e salvas.”
Na
democracia, deveríamos dar a todos o mesmo ponto de partida, pois o
de chegada pode depender de cada um. “A verdadeira democracia não
tolera a existência de excluídos”, disse Herbert de Souza, o
Betinho. Só a solidariedade, no seu sentido mais amplo e profundo,
será capaz de salvaguardar nossa condição de humanidade. Se
“nascemos livres e iguais em dignidade e direitos” como preconiza
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos obrigação de
cooperar com os outros, em espírito de fraternidade. Assim, mais
humanos nos tornaremos.
Nei
Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.
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